ACÓRDÃO N.º554/2019
PROCESSO N.º 659-C/2018
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Cabinda Gulf Oil Company, melhor identificada nos autos, veio ao Tribunal Constitucional impetrar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão do Venerando Tribunal Supremo da 1.ª Secção da Câmara do Trabalho proferido em Recurso de Apelação n.º 19/10, datado de 15 de Março de 2017.
Admitido o recurso, vem requerer, conforme se vê a fls. 273 a 275 dos autos, que:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi impetrado nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da LPC.
Considerando o esgotamento da cadeia recursória conforme estabelece o § único do artigo 49.º da LPC, é esta instância de justiça constitucional competente para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
A Recorrente é parte vencida no Processo n.º 19/10, que correu seus trâmites na 1.ª Secção da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, cuja decisão não foi conhecida por falta de objecto, que havia intentado, na sequência da acção de despedimento em matéria laboral, proferida pela 1.ª Secção da Sala do Tribunal Provincial de Cabinda.
Tem direito a contradizer, segundo dispõe o n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional à luz do artigo 2.º da LPC.
A legitimidade para interpôr o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, cabe-lhe, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é apreciar se o Acórdão da 1.ª Secção da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo datado de 15 de Março de 2017, proferido no Processo n.º19/10, viola o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e os direitos a um julgamento justo e à ampla defesa.
V. APRECIANDO
Na Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Cabinda foi intentada uma acção laboral em matéria disciplinar contra a Recorrente. O Tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente a acção e, consequentemente, declarou nula a medida disciplinar aplicada pela Recorrente, condenando a pagar ao trabalhador todas as retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como ao pagamento de indemnização por efeitos de antiguidade.
Inconformada, fez a Recorrente “jus” ao seu direito ao contraditório mediante interposição de recurso da sentença junto do Venerando Tribunal Supremo, como se vê a fls. 86 à 150 dos autos, nas suas extensas conclusões de 150 pontos.
A fls. 202 a 203 dos autos, vislumbra-se, o despacho de aperfeiçoamento da Veneranda Relatora do processo que transcrevemos aqui, “o Recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, acrescentando em caso de as conclusões faltarem, serem deficientes, obscuras, deve o relator convidar o recorrente a apresenta-las. Completa-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada”. Em face disso, vem a Recorrente atender o despacho supra, apresentando novas alegações, conforme se vê a fls. 210 a 251 dos autos, cujas conclusões continham 58 pontos.
Em decisão proferida a fls. 261 a 267 dos autos, em Acórdão datado de 15 de Março de 2017, o Venerando Tribunal Supremo enunciou que as “conclusões das alegações devem ser, como não podia deixar de ser, um resumo explícito e claro da fundamentação das questões equacionadas pela Apelante, visando à luz do princípio da cooperação, facilitar a realização do contraditório e balizar a decisão”, com isto, decidiu em não conhecer do Recurso, por falta de objecto.
Ora, insatisfeito com o desfecho da lide naquela instância, e em observância ao esgotamento da cadeia recursória nos termos do § único do artigo 49.º da LPC, vem o Recorrente interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a fls. 273 a 275 dos autos, pontuando que aquela decisão belisca o seu direito à tutela jurisdicional efectiva, bem como, o direito a um julgamento justo, sem olvidar o direito à ampla defesa, logo, de seu juízo, o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo é contrário ao espírito emanado pela Constituição.
O Professor Gomes Canotilho assevera que, “O objecto do recurso não é a decisão do tribunal a quo, sobre o mérito da questão ou do efeito submetido a julgamento, mas apenas o segmento da decisão judicial relativo à questão da inconstitucionalidade” (Canotilho, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7.ª Edição, p.989), logo, à análise do Tribunal Constitucional estão reservadas tão-somente à observância das normas constitucionais.
Em primeira nota impõe-se pontuar que a boa doutrina sustenta e reafirma que as conclusões delimitam o objecto do recurso. Não se trata de mera repetição, mas sim do derradeiro momento em que a Recorrente deve direccionar o resultado que pretende com isto alcançar, de forma a persuadir o julgador, tendo em atenção que o Tribunal não pode substituir a Recorrente numa tarefa que diz tão-somente respeito a ela, na medida em que é este um momento para a Recorrente exercer o seu direito fundamental de defesa e do contraditório.
As conclusões da fase alegatória delimitam, demarcam e enunciam o objecto do recurso, tal como é jurisprudência firmada por este Tribunal como se lê no Acórdão n.º 531/2019, de 20 de Fevereiro:
“Antes de mais, convém referir que é jurisprudência corrente dos Tribunais Superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
Como é sabido, os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos tribunais não incumbe averiguar a intenção dos recorrentes, mas, sim apreciar as questões submetidas ao seu exame.
As conclusões das motivações não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos, mas constituir uma resenha clara que proporcione ao Tribunal Superior uma correcta compreensão do objecto dos recursos”.
Compulsados os autos, constata-se que as alegações oferecidas passam a leste do enunciado no requerimento de interposição de recurso, ou seja, a Recorrente alega como se a decisão proferida pelo Venerando Tribunal Supremo tivesse adentrado no mérito da questão, quando tal não se verificou por falta de objecto. Assevera-se que, nesta instância, a Recorrente apresenta igualmente alegações, cujo pedido não se consegue depreender, pois, denota um anacronismo comparativamente ao anunciado no requerimento de interposição de recurso.
Porém, não obstante isso, e aqui, fazendo menção ao parecer da Digna Representante do Ministério Público que incidiu no presente recurso, com o qual concordamos e cujo enxerto transcrevemos, “A Recorrente impugna um Acórdão do Tribunal Supremo que diz respeito a um processo diferente, cujo conteúdo não corresponde ao acórdão em causa. Por força do princípio da adequação funcional e da autonomia processual em processo constitucional, entendemos que deve ser tida em conta o requerimento de interposição de recurso em detrimento das alegações, na medida em que aquela se refere ao processo em causa, sob pena de prejudicar o direito da Recorrente”.
Neste sentido, considerando que estão alegadamente em causa, violação de direitos, liberdades e garantias expressos na Carta Magna, não pode o Tribunal Constitucional coarctar o direito ao recurso da Recorrente, em obediência à hermenêutica constitucional. Com isto, vê-se claramente que a Recorrente opõe-se à decisão proferida pelo Venerando Tribunal Supremo datada de 15 de Março de 2017, a fls. 261 a 267 dos autos, que dá conta da decisão proferida por falta de objecto do Recurso.
Não seria despiciendo frisar que, a questão fulcral não se prende com a extensão das alegações, mas sim, com a inexistência de objecto desta, que é peça fundamental com o mesmo grau de importância que as demais. As alegações iniciais comportavam 150 pontos de conclusões, ao passo que as aperfeiçoadas 58 pontos em jeito de conclusões. Viu-se do ponto de vista quantitativo uma redução expressiva das conclusões, ainda assim, a “vexata quaestio” persiste, sobre o objecto que não é perceptível.
As conclusões delimitam o objecto do recurso, sendo que a Recorrente tem o ónus de indicar nulidades que poderão não ser de conhecimento oficioso e, naturalmente, se não alegadas, não podem ser decididas pelos Tribunais Superiores. É imperioso que haja a correlação entre o objecto da decisão e o pedido e, no caso “sub judice”, tal não se verificou.
Sobre este particular ensina o Juiz Desembargador português João Aveiro Pereira que, “Além da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões de uma alegação de recurso em processo civil têm um papel decisivo, não só no levantamento das questões controversas apresentadas ao tribunal superior, mas também na viabilização do exercício do contraditório. Por isso, é de suma importância que, pelo menos as conclusões sejam elaboradas criteriosamente, como mandam as regras processuais nesta matéria. Interessa assim examinar a essência do enunciado conclusivo e as razões finalísticas que justificam a sua disciplina legal (http://www.trl.mj.pt/PDF/João%20Aveiro.pdf,DESEMBARGADOR DOUTOR JOÃO AVEIRO PEREIRA. O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil).
Neste caso, a Recorrente afirma, no seu requerimento de interposição de recurso, que o Venerando Tribunal Supremo ao decidir nos moldes em que decidiu, violou o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, que permite às partes envolventes na querela a garantia de oportunamente disporem de todos os meios e fazerem valer junto das instâncias judiciais os seus lídimos direitos, garantindo o direito ao recurso.
A Recorrente despoletou o competente processo judicial e foi convidada a deduzir oposição, não tendo o Tribunal Supremo colocado qualquer impedimento para que pudesse fazer a sua defesa, como bem se pode observar nos autos. Logo, não poderá este Tribunal sustentar a tese alicerçada na violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, visto que não foi vetado a Recorrente o acesso ao Tribunal, tendo-lhe sido assegurado igualmente o duplo grau de jurisdição. Ademais, importa sublinhar que se não existisse a observância do duplo grau de jurisdição, nem sequer existiria o Acórdão recorrido.
A questão de fundo é a não aceitação da decisão proferida pelo Venerando Tribunal Supremo, e não propriamente a inconstitucionalidade fundamentada na tutela jurisdicional efectiva e do duplo grau de jurisdição. A doutrina pontuada pelo Professor Gomes Canotilho assevera que “O acesso a justiça é um direito fundamental que assiste a qualquer cidadão a faculdade de recorrer aos órgãos jurisdicionais em caso de violação de seus lídimos direitos, “o particular tem o direito fundamental de recorrer aos tribunais para assegurar a defesa de seus direitos e interesses legalmente protegidos”. Sublinha ainda o Professor Gomes Canotilho que, “o direito à tutela jurisdicional não se identifique com o direito a uma decisão favorável, antes se reconduza ao direito de obter uma decisão fundada no direito sempre que se cumpram os requisitos legalmente exigidos. O acesso a justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Edição. p. 501). É fundamentalmente a garantia de que qualquer pessoa que despoletar um processo judicial terá uma decisão fundada no direito e no estrito cumprimento e rigor estabelecido na Constituição.
Nesta conformidade, não colhe aqui o fundamento de inobservância da decisão recorrida, pelo respeito do referido princípio. Compulsados os autos, foram dadas à Recorrente oportunidades iguais para assegurar o seu direito de defesa. Se lhe fosse vetado o direito de aceder e intervir nas distintas fases processuais, em obediência ao estabelecido na CRA e no CPC, aí sim, configuraria a sobredita inconstitucionalidade do Acórdão recorrida, nos termos em que alega.
Refere, ainda, a Recorrente que houve inobservância de um procedimento justo. Sobre esta questão o Professor Gomes Canotilho ensina, “como qualificar um processo justo? Quais os critérios materiais orientadores da determinação do carácter “devido” ou “indevido” de um processo?” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Edição. p. 494). Ou seja, as pessoas têm direito a um “processo legal, justo e adequado”, significa que toda a acção do tribunal pautar-se-á no estrito e rigoroso cumprimento do legalmente previsto para a materialização de uma justiça adequada, justa e proporcional
Vislumbra-se nos autos, do Acórdão recorrida se funda na legalidade. Por isso, não há aqui qualquer acto processual praticado que padeça de inconstitucionalidade ou ilegalidade, ou seja, o julgamento foi justo e conforme à lei, com respeito pelo artigo 72.º da CRA, onde se pode ler, “A todo o cidadão é reconhecido o direito a julgamento justo, célere e conforme a lei”.
Assim, é entendimento deste Tribunal que não se verificou violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do direito a um julgamento justo e conforme.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Custas pela Recorrente nos termos do artigo 15.º da LPC.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 4 de Junho de 2019.
0OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo