Loading…
Acórdãos > ACÓRDÃO 556/2019

Conteúdo

ACÓRDÃO N.º556/2019

 

PROCESSO N.º 650-B/2018

(Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações)

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Daniel António Afonso, melhor identificado nos autos, veio, na qualidade de militante da FNLA, impugnar o II Congresso Extraordinário do Partido realizado na cidade do Huambo, de 25 a 27 de Junho de 2018.

Para o efeito, apresentou o pedido fundamentado no seguinte:

  1. Nos dias 13,14,15 e 16 de Julho de 2015, a FNLA realizou o IV Congresso Ordinário, no qual foram eleitos o Presidente do Partido e o Comité Central composto por 411 membros, para um mandato de 4 anos, isto é, até 16 de Fevereiro de 2019.
  2. O referido IV Congresso Ordinário não resolveu a questão da divisão interna na FNLA. Esse problema, devido à sua importância para a estabilidade do Partido, deveria ser resolvido num Congresso Extraordinário, tal como estabeleciam os Estatutos do Partido em vigor na altura.
  3. Por outro lado, a falta de cumprimento das Resoluções saídas do IV Congresso por parte do Presidente eleito, provocou o surgimento de um movimento de oposição interna, conhecido por grupo dos 50% mais 1.
  4. m Março de 2017, o referido grupo, no uso das prerrogativas expressas na alínea c) do n.º 1 do artigo 22.º dos Estatutos da FNLA, reuniu e suspendeu o Presidente Lucas Benghim Gonda e o militante Pedro Mukinbi Dala, este último Secretário-Geral do Partido, das respectivas funções.
  5. Nos dias 9,10,11 e 12 de Fevereiro de 2018, Lucas Benghim Gonda reuniu, simuladamente, em Luanda, o Bureau Político (BP) e o Comité Central já fragmentados e convocou o IIº Congresso Extraordinário. Entretanto, na referida reunião surgiu mais um grupo de membros do Comité Central a contestar a gestão do Presidente Lucas Gonda. Por força disso, o número de membros do Comité Central que o apoiava era inferior a 50%.
  6. Nos dias 20, 21 e 22 de Junho de 2018, os denominados “50%+1” realizaram o Congresso Extraordinário inclusivo que elegeu uma Direcção encabeçada por António Fernando Pedro Gomes.
  7. Nos dias 25, 26, 27 e 28 de Junho de 2018, a FNLA realizou, na Província do Huambo, o II Congresso Extraordinário, que reelegeu o Presidente Lucas Gonda e um novo Comité Central composto por 221 membros, ao contrário do anterior que tinha 411 membros.
  8. Neste Congresso, alteraram-se os Estatutos do Partido, tendo sido extinto o cargo de Vice-Presidente do Partido.
  9. Em razão dos últimos acontecimentos, o denominado grupo dos “50%+1” foi impedido de participar no Conclave em referência.
  10. As deliberações do citado Congresso Extraordinário põem em causa o conteúdo do artigo 23.º dos Estatutos do Partido, pois, tais actos revelam uma elevada carga de anti-democraticidade fortemente evidenciada pelas expulsões de membros do Partido, a saber: Pedro Gomes, Ndonda Nzinga, Tristão Ernesto e João Lombo.

O Requerente termina solicitando a declaração de nulidade do II Congresso Extraordinário da FNLA, alegando falta de legitimidade e competência estatutária do Presidente do Partido para a convocação do referido Conclave.

O Presidente da FNLA, Lucas Benghim Gonda, na qualidade de Requerido, notificado para contestar, veio dizer o seguinte:

  1. Por excepção dilatória, aludiu ao facto de, há bem pouco tempo, de seis militantes, Fernando Pedro Gomes, José Artur, Ndonda Nzinga, Laiz Eduardo, Manuel Garcia Bernardes Lisboa e Nsansi Ya Ndele Manuel, ter interposto uma acção junto deste Tribunal, com o mesmo pedido, que está ainda em curso sob o n.º 654-B/2018, o que conduziria à excepção dilatória por litispendência, nos termos da alínea g) do artigo 494.º do CPC e, consequentemente, impediria o Tribunal de conhecer o mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
  2. Que, tanto a litispendência como o caso julgado, ao abrigo do n.º 2 do artigo 494.º do CPC, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
  3. Por impugnação, o Requerido disse que a recomendação do IV Congresso Ordinário de 2015, em relação à convocação do Congresso Extraordinário era essencialmente a revisão dos Estatutos do Partido, bem como a preparação das eleições gerais e não as afirmações do Requerente, constantes no seu requerimento de interposição do presente recurso.
  4. Só foi possível realizar tal Congresso Extraordinário em Junho de 2018, devido à preparação das eleições gerais de 2017, em que os órgãos, nomeadamente o Bureau Político, Comité Central e o Secretário do Bureau Político estavam engajados.
  5. O Requerente identifica-se logo com o movimento contestatário, contra a liderança do Lucas Benghim Gonda, razão pela qual inviabilizou a realização do Congresso Extraordinário o referido grupo dos 50%+1 do Comité Central e outros movimentos de oposição criados pelo Requerente, que sem legitimidade alguma, porque há muito renunciaram aos seus direitos e obrigações de militantes, ainda assim, realizaram um Congresso Extraordinário no Cine São João em Luanda, nos dias 20, 21 e 22 de Junho de 2018, que elegeu uma direcção encabeçada por António Fernando Pedro Gomes.
  6. A solução da unidade interna da FNLA, suscitada pelo Requerente, foi e ainda é um dos objectivos da Direcção do Partido, cujo obstáculo principal tem sido o auto afastamento de alguns dirigentes membros do Comité Central, simplesmente por terem sido preteridos pelos militantes na eleição para o cargo de Presidente do Partido.
  7. Tais movimentos de oposição têm vindo a pôr em causa a legitimidade de uma direcção democraticamente eleita, impugnando os actos praticados pelos membros da direcção do partido.
  8. Não é verdade que o Presidente não tinha competência para convocar o Congresso Extraordinário, devido à não participação dos alegados 50%+1 nas reuniões do Comité Central, porque os anteriores Estatutos diziam que o Presidente convoca o Congresso ouvido o Comité Central e não por deliberação deste. Por isso, são legítimos os actos do Congresso Extraordinário em si, bem como os que antecederam tal convocação e todos outros subsequentes.
  9. s pedidos formulados na alínea b) do n.º1 e no n.º 2 do requerimento do Requerente são contraditórios com a causa de pedir. Por outro lado, é ininteligível o seu terceiro e último pedido, o que levaria à nulidade da acção por ineptidão, nos termos do artigo 193.º, n.º 2, do CPC, e as mesmas circunstâncias conduziriam igualmente ao indeferimento liminar, ao abrigo do artigo 474.º do CPC.

O Requerido termina pedindo que seja provada e julgada procedente a excepção por si suscitada e, em consequência, seja absolvido da instância. 

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional tem competência para conhecer e decidir a presente acção, nos termos das disposições combinadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República de Angola (CRA); do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC); da alínea j) do artigo 3.º, alínea d) do n.º1 do artigo 63.º da Lei n.º3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC) e do n.º2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP).

III. LEGITIMIDADE

Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que nos termos da alínea d) do artigo 63.º da Lei do Processo Constitucional, conjugado com o n.º 3 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), determina a legitimidade do Recorrente para formular o presente pedido, pois é, até à presente data, militante da FNLA.

IV. OBJECTO

O objecto dos presentes autos é proceder à análise da conformidade jurídico-legal e estatutária do II Congresso Extraordinário do Partido Político FNLA, realizado no Huambo e que reelegeu o Presidente e um novo Comité Central e procedeu à alteração dos Estatutos do Partido.

V. APRECIANDO

O Requerente veio, na qualidade de militante do Partido FNLA, pedir a nulidade do II Congresso Extraordinário do Partido, com fundamento na incompetência e ilegitimidade do Presidente Lucas Benghim Gonda para convocar simultaneamente o Bureau Político e Comité Central, para as reuniões ocorridas nos dias 9,10,11 e 12 de Fevereiro de 2018 e das quais resultou a convocação do Congresso ora impugnado.

Notificado, o Requerido contestou por excepção invocando a existência de litispendência (excepção dilatória), nos termos do artigo 494.º do Código de Processo Civil, porquanto, o mesmo Conclave já fora impugnado em outro processo por militantes da FNLA e, porque este processo ainda está a tramitar junto do Tribunal Constitucional, esta Corte não deve conhecer o mérito da presente acção, o que conduziria à absolvição da instância, evitando-se a produção de duas decisões contraditórias ou repetidas sobre o mesmo assunto.

De facto, tramitou junto desta instância judicial o Processo n.º 653-A/2018, cujo objecto foi a verificação da conformidade jurídico-legal e estatutária do II Congresso Extraordinário realizado pelo Partido FNLA. Entretanto, o processo acima referido já foi decidido por via do Acórdão n.º 543/2019. Neste aresto, o Tribunal Constitucional invalidou o II Congresso Extraordinário, invocando, para o efeito, um conjunto de irregularidades, algumas das quais apresentadas pelo Requerente no presente processo.

Os fundamentos suscitados pelo Requerente para a declaração de invalidade do II Congresso Extraordinário no processo acima referido são similares aos que foram apresentados no presente caso, podendo mesmo dizer-se que os fundamentos apresentados são os mesmos. Neste sentido, a primeira decisão condiciona a presente decisão, porque o Acórdão em referência responde à questão colocada pelo Requerente no presente processo.

O aresto referido firmou jurisprudência e, nesse sentido, vincula o Tribunal Constitucional, que não pode se pronunciar novamente sobre a mesma matéria dos presentes autos, uma vez que os fundamentos por si invocados foram tidos como provados e diante disso, ipso iure, aplicam-se os mesmos argumentos de direito do Acórdão supra aos factos aduzidos pelo ora Requerente.

Entretanto, conclui este Tribunal que estamos diante de um caso jugado material, nos termos dos artigos 493.º, 496.º, 497.º e 498.º, conjugados com o n.º 1 do artigo 671.º, todos do CPC, pois, verifica-se no caso, uma identidade de sujeitos, isto é, a mesma qualidade de militantes, o mesmo pedido, a causa de pedir e os mesmos efeitos jurídicos. Em obediência ao princípio “non bis in idem”, (ninguém pode ser condenado duas vezes pela mesma causa) previsto no n.º 5.º do artigo 65.º da CRA, como garantia do princípio da segurança jurídica, ipso facto, o caso sub judice não pode ser objecto de uma outra decisão judicial deste mesmo Tribunal.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos ­­­19 de Junho de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator) 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo 

Dra. Teresinha Lopes