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ACÓRDÃO N.º 561/2019

 

PROCESSO N.º 703-C/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

  1. RELATÓRIO

Yuri Hidimbuassa Lemos de Sousa, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido em 01 de Novembro de 2018, no Proc. n.º 14/STM/2017, do Supremo Tribunal Militar, que confirmou a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal Militar da Região Centro (TMRC), Província do Huambo, em 09 de Fevereiro de 2017, no Proc. n.º 79/11, que condena o Recorrente a:

  • 8 (oito) anos de prisão maior;
  • pena que deve ser reduzida em 1/4, ao abrigo da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto;
  • baixa de posto ao grau imediatamente inferior;
  • pagamento de kz. 2 000 000.

Saliente-se que no mesmo processo - em que o Recorrente é condenado por crime de violência contra inferior hierárquico (de que resultou a morte de um militar), alegadamente praticado em 31 de Agosto de 2011 - este é o terceiro Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Militar, relativamente a três Acórdãos proferidos pelo Tribunal Militar da Região Centro, que condenaram o Recorrente a:

  • primeiro, a 20 (vinte) anos de prisão maior;
  • segundo, a 18 (dezoito) anos de prisão maior; e
  • finalmente, a 8 (oito) anos de prisão maior.

Nos dois primeiros Acórdãos, o Supremo Tribunal Militar mandou repetir os julgamentos.

Face ao último Acórdão do Supremo Tribunal Militar, o Recorrente interpôs o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, no qual alega, em síntese, o seguinte:

  1. O Acórdão viola os princípios e direitos constitucionais de:
  • "in dubio pro reo" ou da presunção de inocência;
  • direito a um julgamento justo e conforme.
  1. O Tribunal Militar da Região Centro exigiu que o presente recurso desse entrada no Huambo, quando o Acórdão de que se recorre foi proferido pelo Supremo Tribunal Militar e, posteriormente - uma vez que, entendeu, estavam já esgotados todos os recursos ordinários legalmente previstos - exigiu que o recurso fosse remetido para o Tribunal Constitucional.
  2. O Recorrente foi conduzido à cadeia (i) antes de tomar conhecimento do Acórdão e (ii) sem se ter em conta o tempo de prisão já cumprido (2 anos) e as duas amnistias entretanto ocorridas.
  3. O presente recurso deveria ter efeito suspensivo, subir nos próprios autos e suspender os prazos dos demais recursos, nos termos do Código de Processo Civil (CPC).
  4. Embora o terceiro Acórdão tenha reduzido significativamente a pena aplicada, o Recorrente não se conforma com ela, pelo facto de não ter atendido (i) aos factos provados, (ii) à prova pericial, nomeadamente o exame da balística, nem (iii) às circunstâncias atenuantes.
  5. No que se refere à prova pericial (das 2 armas e 4 balas), o Tribunal Militar da Região Centro inicialmente não a juntou ao processo, só o tendo feito por decisão do Supremo Tribunal Militar e, mesmo assim, pondo em causa esse exame pericial, que concluiu que as 4 balas tinham sido disparadas pela mesma arma, mas não era nenhuma das armas apreendidas.
  6. A pena de prisão a que o Recorrente foi condenado (8 anos) impede-o de continuar a exercer a sua actividade profissional na polícia.

Conclui, solicitando a revogação do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Militar, no Proc. n.º 14/STM/2017.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

Este Tribunal é competente para apreciar o presente recurso nos termos e com os fundamentos das disposições combinadas das alíneas m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

III. LEGITIMIDADE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

O Recorrente foi condenado no Proc. n.º 14/STM que, correu termos no Supremo Tribunal Militar, tendo interposto recurso desse Acórdão, que foi indeferido. Por essa razão, tem legitimidade para interpor o presente recurso. 

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é apreciar se o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Militar, aos 09 de Fevereiro de 2017, que condenou o ora Recorrente na pena de 8 anos de prisão maior, viola os direitos fundamentais à presunção da inocência e a um julgamento justo e conforme, estabelecidos no n.º 2 do artigo 67.º e no artigo 72.º, ambos da CRA.

V. APRECIAÇÃO

Nas suas alegações, o Recorrente invoca questões relacionadas com a organização e condução do julgamento, emitindo a sua opinião sobre os factos e a forma como foram resolvidos, nomeadamente no que se refere à prova pericial (balística). Vem, assim, requerer que este Tribunal faça uma reapreciação do julgamento, funcionando como uma "terceira instância" na jurisdição militar.

Contudo, a função jurisdicional do Tribunal Constitucional, como guardião do Constituição, é aferir se as decisões judiciais violaram ou não as normas e princípios constitucionais e não proferir um juízo de valor sobre os factos dados como provados e sobre a forma como os mesmos foram avaliados.

Com efeito, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade serve, apenas, para apreciar se os fundamentos e decisões dos tribunais que contrariam princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais e não constitui uma nova instância de recurso para reapreciar os factos e as provas produzidas no âmbito do processo.

Relativamente às inconstitucionalidades suscitadas, vejamos:

  1. Princípio do "in dubio pro reo"

Este princípio é a concretização do princípio da presunção de inocência, que determina que a ausência de provas deve beneficiar o réu, isto é, na dúvida deve absolver-se o réu, consagrado implicitamente no n.º 2 do artigo 67.º da CRA.

No presente caso, ao longo de toda a tramitação processual, foram apresentadas diversas outras provas, nomeadamente os depoimentos dos declarantes e das testemunhas e a reconstituição do crime, que levaram os tribunais a quo e ad quem a fazer os seus juízos de valor.

Sem prejuízo do facto de o Acórdão recorrido não parecer ter avaliado suficientemente a prova balística, destaque-se que o Tribunal não está vinculado ao parecer dos peritos, devendo apreciá-los livremente.

  1. Princípio do direito e um julgamento justo e conforme

Neste caso, não parece fazer sentido a alegação de que este princípio não foi respeitado, na medida em que o julgamento foi repetido duas vezes, em resultado de Acórdãos do tribunal superior - o Supremo Tribunal Militar. E a pena aplicada ao Recorrente foi reduzida de 20 para 8 anos.

Pelo acima exposto, este Tribunal entende que o Acórdão recorrido não viola os princípios do "in dubio pro reo" e do direito a um julgamento justo e conforme.

Assim, entende este Tribunal que o Acórdão recorrido não viola qualquer princípio e/ou direito constitucional.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

 

Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 30 de Julho de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Teresinha Lopes (Relatora)