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ACÓRDÃO N.º 562/2019

 

PROCESSO N.º 667-C/2018

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

ANGOAJISA-COMÉRCIO GERAL, LIMITADA, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, proferido no Proc. n.º 2300/16, aos 05 de Janeiro de 2018, que negou provimento parcial ao seu recurso.

Notificada para apresentar as suas alegações, nos termos do artigo 45.º da Lei do Processo Constitucional, a Recorrente apresentou-as, dizendo, em síntese, o seguinte:

  1. Que o Acórdão em causa, ao invalidar o contrato de arrendamento para fins comerciais, por inobservância da forma legal e, consequentemente, ao absolver a locadora do pedido, violou o princípio da legalidade previsto no artigo 6.º da Constituição da República de Angola (CRA).
  2. A anulação do aludido contrato teve por fundamento o artigo 10.º da Lei do Inquilinato (Decreto n.º 43525, de 7 de Março de 1961), bem como o n.º 1 do artigo 1029.º do Código Civil (CC), disposições essas que consagram a redução a escritura pública do contrato de arrendamento para comércio e indústria.
  3. A decisão do Tribunal Supremo ignorou o n.º 3 do artigo 1029.º do Código Civil que determina, entre outras, que a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, significando isso que retira toda a possibilidade de o Tribunal a quo declarar a nulidade do contrato de arrendamento com fundamento em vício de forma uma vez que a mesma não pode ser arguida pelo senhorio.
  4. A inconstitucionalidade suscitada deve-se ao facto de o Tribunal se ter socorrido de um Código Civil que não tem o n.º 3 do artigo 1029.º, isto é o CC de 1966, ao invés de usar a versão mais actualizada e completa, de 1975, que consagra o n.º 3 daquele mesmo artigo.
  5. Somente a ora Recorrente tem legitimidade, na sua qualidade de inquilina, para invocar a nulidade do contrato por vício de forma e não qualquer outro interessado.
  6. A aplicação do n.º 3 do artigo 10.º da Lei do Inquilinato é uma violação ao princípio da hierarquia das normas, uma vez que esta é apenas um Decreto do então Ministro do Ultramar de Portugal, ao passo que o n.º 3 do artigo 1029.º do CC, foi aditado pelo Decreto-Lei n.º 67/75, de 19 de Fevereiro, razão pela qual esta última devia prevalecer sempre que houvesse colisão das duas normas.
  7. A actuação do Tribunal é constitucionalmente inválida, por inobservância dos princípios da hierarquia das normas e da legalidade, na medida em que aquele órgão sacrificou uma norma hierarquicamente superior por via de uma norma inferior e já revogada tacitamente.

A Recorrente termina pedindo que seja declarado inconstitucional o Acórdão recorrido, uma vez que houve violação dos princípios lexi posterior derrogat apriori e da legalidade consagrado no artigo 6.º da CRA, que não se esgota apenas na violação de normas jurídicas, mas também de princípios jurídicos.

 O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar, para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da LPC e da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

III. LEGITIMIDADE

Tem legitimidade de interpor recurso quem, sendo parte na causa, tenha ficado vencido, nos termos do artigo 680.º do CPC, aplicável, ex vi do artigo 2.º da LPC.

 Assim, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, a Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é o Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal, e Aduaneiro do Tribunal Supremo, no Proc. n.º 2300/16, que nega provimento parcial ao pedido da então Apelante.

Ao Tribunal Constitucional cabe analisar se o referido Acórdão violou ou não princípios ou normas constitucionais.

V. APRECIANDO

A Recorrente veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que indeferiu parcialmente o seu recurso de apelação e absolveu a então apelada do pedido, com fundamento no vício de forma do contrato de arrendamento para comércio, que foi consequentemente declarado nulo nos termos do n.º 1 do artigo 1029.º do CC, conjugado com o n.º 3 do artigo 10.º da Lei do Inquilinato (Decreto n.º 43525).

Nas suas alegações, referiu a ora Recorrente que o Tribunal Supremo ignorou o n.º 3 do artigo 1029.º do CC introduzido posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 67/75, que afastou qualquer possibilidade de o senhorio invocar a nulidade do contrato por vício de forma, por isso, a decisão hic et nunc recorrida, violou o princípio da legalidade consagrado no artigo 6.º da CRA.

Compulsados os autos, verificamos que, contrariamente ao que alega a Recorrente, o Tribunal Supremo na sua decisão relevou o n.º 3 do artigo 1029.º do CC, pois afirma que "era obrigação" da então Apelante invocar a nulidade do contrato nos termos do citado preceito.                                                                                                                                                                                                                                                                                        

Deste modo, constata-se que as partes no acto da celebração do contrato de arrendamento, ignoraram uma disposição legal imperativa, cuja consequência legal é a nulidade do mesmo, ou seja, não observaram a forma ad substantiam do contrato, em clara violação ao preceituado no n.º 1 do artigo 1029.º do CC, forma esta (escritura pública) que não pode ser substituída por outra, visto que a mesma não tem apenas o papel de provar a existência do negócio, mas ao mesmo tempo é condição de eficácia do mesmo.  

O Tribunal ad quem decidiu, ex oficio, ao abrigo dos artigos 220.º, 286.º e 294.º do CC, pela invalidade do contrato, mesmo não tendo sido invocado pelas partes, porquanto, nas vestes de guardião da lei, sendo que um dos seus fins é a justiça e a defesa da legalidade, não podia, em circunstância alguma, ter sob sua alçada um negócio eivado de vício.

É importante referir que não existem dúvidas quanto à validade do n.º 3 do artigo 1029.º do CC, porquanto o Decreto-Lei que o faz vigorar no nosso ordenamento jurídico (Decreto-Lei n.º 67/75, de 19 de Fevereiro), foi aprovado antes da proclamação da independência de Angola, pelo que, a Lei Constitucional de 1975 o manteve em vigor.

Ademais, a restrição constante no n.º 3 do artigo 1029.º do CC visa essencialmente proteger o Inquilino contra eventuais alterações da vontade do Senhorio dado que, em regra, existe um investimento, a confiança de que a conduta adoptada anteriormente, é inalterada para não quebrar dessa forma a boa-fé objectiva (confiança). Isto não implica que o contrato seja válido, tão pouco veda o tribunal de conhecer a invalidade do contrato, posto que, é imperativo legal que o contrato de arrendamento para fins comerciais, industriais ou para o exercício de profissão liberal não celebrado por escritura pública seja sempre nulo. Porém, o Senhorio não pode invocar esta nulidade específica sob pena de venire contra factum proprium, mas o Tribunal pode sempre declarar a nulidade de tal contrato não obstante a invocação ou não das partes.

Contudo, a nulidade pela não observância da forma só pode ser invocada pelo Inquilino e/ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, uma vez que estes não estão vinculados à obrigação imposta no referido preceito. Por força do princípio da oficiosidade previsto no artigo 286.º do CC, é permitido ao Tribunal conhecer, a todo o tempo, qualquer nulidade.

A Lei do Inquilinato na qual a Câmara do Cível fundamentou o Acórdão, é uma lei especial, ao passo que o Código Civil é uma lei geral, tendo, por conseguinte, o Tribunal Supremo aplicado a lei especial.

Assim, é entendimento do Tribunal Constitucional que não se verificou violação ao princípio constitucional da legalidade.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:  

Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos ­­­30 de Julho de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator) 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Teresinha Lopes