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ACÓRDÃO N.º 564/2019

 

PROCESSO N.º 665-A/2018

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade) 

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO 

João Júnior Baptista, interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 356/2015, que revogou parcialmente a decisão do Tribunal a quo. 

Notificado para apresentar alegações, referiu essencialmente que:

  1. Na qualidade de docente universitário, respeitosamente, contrariou a gestão do departamento do curso que leccionava no ISPTEC-Instituto Superior Politécnico de Talatona, em Luanda, tendo, por isso, a Chefe do mesmo departamento promovido um processo disciplinar, que culminou com o despedimento imediato do ora Recorrente;
  2. Enquanto membro fundador do ISPTEC e docente, nunca tinha sido sequer admoestado, pelo contrário, era considerado como um dos melhores docentes da instituição;
  3. Diante do comportamento da Entidade Empregadora, o aqui Recorrente recorreu ao Tribunal de 1.ª instância, que compreendeu o que estava em causa e por isso, condenou-a a reintegrar o trabalhador ou, em alternativa, a indemnizar o mesmo nos termos da lei;
  4. No entanto, sem fundamentos lógicos, legais ou de justiça material, o Tribunal ad quem alterou totalmente a decisão incorrendo em violações graves e flagrantes dos direitos fundamentais do trabalhador;
  5. Foram violados os artigos 31.º e 76.º da Constituição da República de Angola (CRA) e o artigo 3.º da Lei n.º 2/00, de 7 de Fevereiro, conjugado com o artigo 4.º da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, Lei Geral de Trabalho, pois o Acórdão recorrido decidiu em quantidade superior ao pedido;
  6. Nos termos dos artigos 661.º e alínea e) do n.º 1 do 668.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando condene em quantidade diversa ou superior ao pedido, podendo ser arguida, o que suspende o acto recorrido, devendo o Recorrente ser reintegrado ou em alternativa ser indemnizado nos termos da lei;
  7. s constantes pressões físicas e psicológicas sofridas, motivaram o Recorrente a sugerir a sua demissão, facto que a entidade empregadora recusou expressamente, preferindo seguir a via disciplinar para assim humilhar publicamente o Recorrente enquanto trabalhador;
  8. Com esse tratamento humilhante foi posto em causa o bom nome, a honra e a dignidade do Recorrente, violando assim o disposto nos artigos 23.º, 31.º, 32.º, 72.º e 76.º da CRA e ainda o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 2/00 e artigos 70.º, 71.º, 79.º do Código Civil (CC);
  9. O Tribunal ad quem não especifica no seu Acórdão, os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, conforme o estipulado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.

O Recorrente concluiu alegando que deve o Acórdão proferido pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo ser revogado e, em consequência, declarado inválido o despedimento disciplinar sem justa causa despoletado e ser o mesmo reintegrado ou indemnizado nos termos da lei.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, de “sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.

Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

A legitimidade para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade cabe, no caso de sentença, à pessoa que, de harmonia com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, possa dela interpor recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.

Igualmente tem legitimidade para recorrer, aquele que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, nos termos do nº 1, do artigo 680.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicado ex vi do artigo 2.º da LPC, que estabelece a aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil aos processos de natureza jurídico-constitucionais.

No caso concreto, o aqui Recorrente, enquanto parte no Processo n.º 356/2015, que não viu a sua pretensão atendida, tem legitimidade para recorrer.

IV. OBJECTO 

O presente recurso tem como objecto apreciar se o Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferido aos 7 de Junho de 2017, no âmbito do Processo n.º 356/2015, viola o direito a um julgamento justo e o direito ao trabalho consagrados nos artigos 72.º e 76.º da CRA.

V. APRECIANDO 

É submetida para apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferido em relação ao Proc. n.º 356/2015, que revogou parcialmente a decisão do Tribunal a quo, na medida em que considerou válida a cessação do contrato de trabalho por decisão unilateral do trabalhador, oponível ao empregador, considerou sem efeito o despedimento disciplinar e o auto de abandono do trabalho e condenou o trabalhador ao pagamento do correspondente a um salário ao empregador, pela falta do aviso prévio.

Assistirá razão ao Recorrente ao alegar, que o referido Acórdão lesou o seu bom nome, honra e dignidade, violando assim o disposto nos artigos 23.º, 31.º, 32.º, 72.º e 76.º da CRA e ainda o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 2/00, e artigos 70.º, 71.º, 79.º do CC?

Ou ainda que é nulo o Acórdão recorrido por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, conforme o estipulado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC?

Vejamos:

Quanto à primeira questão, vemos que o Acórdão recorrido, ao considerar como válida a rescisão do contrato de trabalho por decisão unilateral do trabalhador, limitou-se a agir em cumprimento da Lei Geral de Trabalho (LGT).

Com a celebração de um contrato de trabalho, nascem direitos e deveres para ambas as partes do contrato, sendo que o empregador detém o poder disciplinar sobre os trabalhadores ao seu serviço e exerce-o em relação às infracções disciplinares por estes cometidas, nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 2/00, de 7 de Fevereiro, anterior LGT.

O ora Recorrente, na qualidade de trabalhador, foi confrontado com a instauração de um procedimento disciplinar, em decorrência de uma infracção por si cometida, sendo que esse procedimento disciplinar visa exactamente confirmar a infracção e, no final do procedimento, desde que confirmada a infracção, decidir qual a medida disciplinar a aplicar.

Tal procedimento é normal e legitimado pela LGT de Trabalho, como o meio adequado, prévio e indispensável à aplicação de uma medida disciplinar, sendo que o facto de ser o trabalhador convocado e entrevistado, com vista a poder exercer o seu direito de defesa, não deve ser encarado como uma forma de humilhação para com o trabalhador, muito pelo contrário.

Logo, não pode o Recorrente referir, nas suas alegações, que o facto de o empregador ter recusado expressamente a sua demissão, tem como objectivo único seguir a via disciplinar para o humilhar publicamente enquanto trabalhador, violando assim o seu direito ao bom nome, à honra e à dignidade, pois o empregador agiu em consonância com o disposto na Lei n.º 2/00, de 7 de Fevereiro - LGT, vigente à data.

Assim, entende este Tribunal que não se vislumbra qualquer violação aos artigos 23.º, 31.º, 32.ºda CRA.

O Recorrente alega, ainda, que o Acórdão recorrido violou o seu direito a um julgamento justo e conforme à lei e o seu direito ao trabalho, previstos nos artigos 72.º e 76.º da CRA.

Sobre este ponto importa uma análise ao processo, o que permite traçar um plano dos vários momentos que antecederam a interposição do presente recurso, nomeadamente após a instauração do procedimento disciplinar.

Assim, logo após a realização da entrevista, que ocorreu no dia 23 de Maio de 2012, o aqui Recorrente, comunicou por escrito, no dia 24 de Maio de 2012, ao empregador, que colocava o seu cargo à disposição e não mais compareceu ao local de trabalho. Ora, tal declaração, seguida da ausência do local de trabalho, claramente deve ser entendida como uma rescisão unilateral do contrato por motivo respeitante ao trabalhador.

Acto que aliás, o Recorrente refere nas suas alegações, ao aludir que o empregador se recusou a aceitar a sua demissão com o objectivo único de humilhá-lo publicamente, com a continuação do procedimento disciplinar.

A ser assim, não se compreende que o mesmo venha agora invocar que o Acórdão recorrido viola o seu direito ao trabalho ou ainda a um julgamento justo e conforme à lei, quando o que o Tribunal ad quem fez foi exactamente restabelecer a legalidade, ao decidir que a declaração de demissão do trabalhador, produz efeitos de rescisão do contrato de trabalho, visto que, sendo este um direito potestativo do trabalhador, implica que o Trabalhador o exerça por sua livre vontade, não podendo o empregador opor-se a tal decisão.

Pelo exposto, entende este Tribunal que não se verifica no Acórdão recorrido qualquer violação ao direito do Recorrente a um julgamento justo e conforme à lei e ainda o seu direito ao trabalho, previstos nos artigos 72.º e 76.º da CRA.

Quanto à segunda questão, sobre a nulidade do Acórdão recorrido pelo facto de o mesmo não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, conforme o estipulado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, cumpre a este Tribunal referir que  a necessidade de fundamentação das decisões (de facto e de direito) é uma exigência constitucional digna de um verdadeiro estado de direito, que permite o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e, sobretudo, a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se, desse modo, qualquer livre arbítrio do julgador.

E foi em obediência à referida exigência constitucional que o legislador ordinário no n.º 1, do artigo 668.º do CPC, cominou como nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

No caso concreto, vemos que esses fundamentos (de facto e de direito) foram apresentados no texto recorrido, na medida em que ficou claro que tanto a comunicação de despedimento imediato, com o culminar do procedimento disciplinar, bem como o anúncio do auto de abandono, não produziram quaisquer efeitos, por serem posteriores à declaração do trabalhador, aqui Recorrente, de rescisão do contrato de trabalho.

Quanto à obrigação que assiste ao trabalhador de indemnizar o empregador, com o valor correspondente a um salário, é mera consequência legal do incumprimento do aviso prévio, nos termos do n.º 3 do artigo 253.º da Lei n.º 2/00, de 7 de Fevereiro, anterior LGT vigente à data da ocorrência dos factos.

Face a isso, o Tribunal Constitucional considera não se verificar no Acórdão recorrido qualquer violação ao direito a um julgamento justo e conforme à lei e do direito ao trabalho.

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:  

Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 31 de Julho de 2019.

  

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente e Relatora) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Teresinha Lopes