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ACÓRDÃO N.º568/2019

 

PROCESSO N.º 731-C/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Manuel Moreira Pinheiro, com os demais sinais de identificação nos autos, vem, nos termos da alínea b) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por não se conformar com as Resoluções nºs 16/19, de 3 de Julho e 17/19, de 18 de Julho, aprovadas pelo Plenário do Tribunal Constitucional.  

O Recorrente apresentou a este Tribunal as suas alegações e, em síntese, asseverou o seguinte:

  1. As Resoluções nºs 16/19 e 17/19 referidas violaram o princípio da igualdade por não conferir tratamento igual aos recorrentes, nos termos do artigo 23.º n.º 2 da Constituição da República de Angola (CRA);
  2. Candidatou-se ao concurso público para o cargo de Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional;
  3. Foi um dos seis candidatos admitidos ao concurso público, cujos critérios de avaliação ao concurso foram os seguintes: a) tempo de licenciatura, b) formação académica, c) formação em matéria constitucional, d) experiência em matéria constitucional, e) experiência forense;
  4. Dispõe de formação em direito constitucional com o grau de altos estudos avançados em direito constitucional e outros cursos de formação na área do Tribunal Constitucional;
  5. Ao corrigir, seria ele certamente o vencedor do concurso para designação de um Juiz Conselheiro para o Tribunal Constitucional;  
  6. Os candidatos Carlos Alberto Bravo Burity da Silva, Adozindo da Conceição, Marcolino e José Moreno Pereira da Gama, enquanto agentes públicos, não devem ser admitidos ao concurso ao abrigo da Lei n.º 3/10, Lei da Probidade Pública, deviam suspender ou obter autorização dos seus superiores;
  7. Existem dois candidatos em situações iguais porque não reconheceram os diplomas de mestrado integrado no INAAREES;
  8. Outra situação do candidato Carlos Burity da Silva juntou declarações de reconhecimento de estudos do INAAREES, sem respectivos títulos de suporte – mestrado e doutoramento, mas foi classificado em primeiro lugar do concurso.

Terminou pedindo que o recurso tenha efeito suspensivo e, em consequência, anuladas as Resoluções n.º16/19 e 17/19 por considerar inconstitucionais e legais, declarando o Recorrente Manuel Moreira Pinheiro, vencedor do concurso e candidato a ser nomeado pelo Presidente da República nos termos das disposições combinadas do n.º 3 do artigo 180.º e da alínea e) do artigo 119.º todos da Constituição da República de Angola.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pelo Recorrente, vem previsto na alínea a) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), e na alínea b) do artigo 49.º da LPC.

Estabelece o artigo 53.º da LPC que a competência para decidir os recursos extraordinários de inconstitucionalidade é do Plenário de Juízes do Tribunal Constitucional.

III. LEGITIMIDADE

Tem legitimidade activa quem possui interesse directo em demandar e legitimidade passiva quem tem interesse directo em responder à demanda.

Ora, o Recorrente tem legitimidade conforme a alínea b) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto a análise das Resoluções n.º 16/19, de 3 de Julho e 17/19, de 18 de Julho, aprovadas pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no âmbito do concurso público curricular de provimento do cargo de Juiz Conselheiro do Tribunal, a fim de verificar a conformação ou não das referidas Resoluções com a CRA.

V. APRECIANDO

A - Questão prévia

O Recorrente vem a este Tribunal na qualidade de advogado em causa própria, estando, por conseguinte, vinculado às regras impostas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola, OAA, aprovado pelo Decreto n.º 28/96, de 13 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto n.º 56/05, de 15 de Agosto, nomeadamente no que se referem os artigos 66.º, 71.º e 73.º.

Dispõe o artigo 66.º (que tem como epígrafe “Discussão Pública”) desse Estatuto que “1. O advogado não deve discutir, ou contribuir para a discussão, em público ou nos meios de comunicação social, de questões pendentes ou a instaurar perante os tribunais ou outros órgãos do Estado, salvo se o Conselho Provincial concordar fundadamente com a necessidade de uma explicação pública, e nesse caso nos precisos termos autorizados pelo Conselho Provincial. 2. O advogado não deve tentar influir de forma maliciosa ou censurável na resolução de pleitos judiciais ou outras questões pendentes em órgãos do Estado”.

O mesmo diploma legal, no artigo 71.º (Deveres com os julgadores), estatui o seguinte: “O advogado deve, sempre sem prejuízo da sua independência, tratar os juízes com o respeito devido à função que exercem e abster-se de intervir nas suas decisões, quer directamente, quer indirectamente, em conversa ou por escrito, quer por interposta pessoa sendo como tal considerada a própria parte...”. O artigo 73.º (Dever de urbanidade) do Estatuto da OAA impõe que “No exercício da profissão, deve o advogado proceder com urbanidade, nomeadamente para com os outros advogados, magistrados, funcionários de cartórios, peritos, intérpretes, testemunhas e outros intervenientes no processo”.

Ora, o Recorrente, que assina as suas alegações como advogado inscrito na OAA com a cédula n.º 257, logo após a primeira notificação do seu recurso relativo ao prazo das alegações, não se socorreu apenas dos meios legais como fez publicar nos órgãos de comunicação  social e redes sociais, considerações relativas ao processo em julgamento no Tribunal Constitucional, bem como agiu com falta de urbanidade em relação ao Tribunal e aos seus Magistrados.

Ao proceder dessa forma, o Recorrente violou as normas atrás descritas nos artigos 66º, 71º e 73º do Estatuto da OAA bem como o disposto no artigo 12.º do Código de Ética e Deontologia Profissional dos Advogados, pelo que este Tribunal espera que os órgãos competentes da Ordem dos Advogados de Angola tomem as medidas competentes para as situações desta natureza, caso para o qual, em devido tempo, será requerido o devido procedimento legal.

B - Sobre a incompatibilidade dos candidatos ao concurso

O regime de incompatibilidades dos Juízes do Tribunal Constitucional vem disposto no n.º 5 do artigo 179º da Constituição e no artigo 36.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. Dispõem estes artigos que os magistrados judiciais não podem exercer outras funções públicas ou privadas, salvo a docência ou a investigação científica.

Este regime constitucional e legal aplica-se a partir do momento da tomada de posse dos magistrados e não quando se apresentam candidaturas para um concurso público, como o que é aqui objecto de recurso.

Neste caso quer o Recorrente quer os candidatos a que se refere estão em situação constitucional e legal idêntica, uma vez que concorreram para a vaga de Juiz do Tribunal Constitucional desempenhando funções incompatíveis com o exercício da magistratura judicial, em virtude de um ser advogado e os outros serem agentes públicos, sendo um dos concorrentes oficial Comissário da Polícia Nacional. Este último, ao abrigo da lei, apresentou, no acto de candidatura, um documento em que prova que solicitou a sua passagem à reforma na Polícia Nacional, aguardando, apenas, o Despacho do Comandante em Chefe das Forças Armadas angolanas, como é de lei.

A ser como o Recorrente alega, então nenhum dos concorrentes poderia candidatar-se ao concurso em virtude de desempenharem funções incompatíveis com a função de Juiz Conselheiro.

C - Sobre o reconhecimento dos estudos

A norma que disciplina a “ordem de julgamento” prevista no Código de Processo Civil – artigo 660.º n.º 2, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 2.º da LPC, dispõe que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. (...)”.

Como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143): “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 51.º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido:  por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida;  por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664.º) (...)”.

Desta interpretação resulta a não obrigatoriedade de analisar um certo segmento jurídico que o Recorrente apresentou, desde que o juiz fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.

O Recorrente nas suas alegações faz inúmeras acusações, algumas graves até, quer aos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, quer aos candidatos ao concurso público e não junta provas aos autos para sustentar tais acusações. Cfr. fls. 34 a 40 dos autos.

Portanto, ater-nos-emos ao pedido do Recorrente que cinge-se em anular as Resoluções n.º 16/19, de 3 de Julho e 17/19, de 18 de Julho, por considerá-las inconstitucionais e ilegais, declarando o Recorrente – Manuel Moreira Pinheiro ser o vencedor do concurso público curricular ao cargo de Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional.

Ora, o Tribunal Constitucional é composto por onze Juízes Conselheiros, designados de entre juristas e magistrados, e, para o presente caso, trata-se do Juiz Conselheiro seleccionado por concurso público curricular, previsto nos artigos 180.º n.º 3 alínea d) da CRA e 11.º n.º 1 alínea d) da LOTC.

O Plenário do Tribunal Constitucional, por deliberação de 10 de Abril de 2019, tornou público a abertura do concurso público curricular para a escolha de um Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, publicado no Jornal de Angola no dia 12 de Abril de 2019.

Para tal, estabelece o artigo 12.º da LOTC os requisitos necessários à candidatura, designadamente:

  1. ser cidadão angolano com idade não inferior a 35 anos;
  2. possuir licenciatura em direito legalmente reconhecida a pelo menos 15 anos;
  3. possuir idoneidade moral;
  4. estar no pleno gozo dos direitos civis e políticos;
  5. não ter sido condenado por crime doloso punível com pena de prisão maior.

Como o próprio Recorrente frisou, a 25 de Maio de 2019, o Plenário do Tribunal Constitucional publicou os critérios de avaliação ao concurso:

a) tempo de licenciatura; b) formação académica; c) formação em matéria constitucional; d) experiência forense.

De acordo com o resultado final do concurso público curricular aprovado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, através da Resolução n.º 16/19, de 3 de Julho, a classificação dos candidatos foi a seguinte:

1.º Carlos Alberto Bravo Burity da Silva, 15 pontos;

2.º Adozindo de Jesus Marcolino da Conceição, 12 pontos;

3.º José Moreno Pereira da Gama, 11 pontos;

4.º Manuel Moreira Pinheiro, 9 pontos;

5.º Nelson Eduardo Guerra Pestana, 8 pontos;

6.º Hamilton Raul Ferrão da Silva, 8 pontos.

Inconformado com a referida classificação, apresentou a sua reclamação pedindo que o Plenário do Tribunal Constitucional reapreciasse a avaliação curricular referente ao concurso público, por considerar que não reconheceram os documentos do Recorrente e que houve violação do princípio da igualdade, face à pontuação obtida pelo Recorrente e o candidato seleccionado.

O Recorrente apresentou no processo de candidatura ao concurso uma declaração de reconhecimento dos seus estudos realizados na República de Cuba, emitida pela Direcção dos Assuntos Académicos da Universidade Agostinho Neto, a 23 de Fevereiro de 1994, que reconhece o diploma n.º 8474 que data de 24 de Julho de 1993, conferindo-lhe o grau de licenciado, todavia, sem reconhecer os restantes diplomas.  

No entanto, alega o Recorrente ter feito o curso de mestrado integrado emitido em 1993, resultante da equivalência da licenciatura feita nos moldes do manual da UNESCO, mas a instituição supra referida atribuiu somente a equivalência como licenciatura e não de mestrado.

Alega, igualmente, ter feito altos estudos avançados em direito constitucional, que, em seu entender, corresponde a suficiência investigativa para conclusão do doutoramento. Acrescenta que a actual instituição competente para reconhecer os estudos – INAAREES (Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior) não pode reconhecer os altos estudos, pois à data dos factos, não existia.

A questão de fundo está precisamente no parágrafo acima referido, ou seja, como enquadrar o nível dos altos estudos avançados em direito constitucional.

A Lei n.º 17/16, de 9 de Outubro – Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (e anteriormente a Lei n.º 13/01, de 31 de Dezembro) dispõe que os níveis de ensino superior são a graduação (artigo 68.º), que compreende os níveis de bacharelato e de licenciatura, e a pós graduação (artigo 69.º) que compreende as categorias académica e profissional. A pós-graduação académica tem dois níveis: o mestrado e o doutoramento. A pós-graduação profissional, conforme o descrito no n.º 5 do mesmo artigo 67.º, tem como objectivo o aperfeiçoamento técnico-profissional do indivíduo que tenha concluído um dos níveis da formação graduada e compreende: a capacitação profissional e a especialização.

O concurso curricular, em apreciação, estruturou a avaliação dos candidatos pelos seguintes níveis de ensino: graduação, mestrado e doutoramento.

O Recorrente apresentou os seus documentos mostrando que concluiu a sua graduação, mas não demonstra que concluiu o mestrado ou doutoramento. Aliás, o Recorrente afirma que fez “Altos Estudos em Direito Constitucional” que não correspondem aos graus de ensino avaliados pelo concurso que são os previstos no n.º 2 do artigo 69.º da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino.

Em sentido contrário o Recorrente deveria ter solicitado à Universidade Agostinho Neto a respectiva equivalência académica do curso, conforme dispunha a alínea i) do artigo 3.º do seu Estatuto Orgânico, aprovado pelo Decreto Executivo n.º 60/01, de 5 de Outubro do Ministro da Educação e Cultura, conjugado com o artigo 68.º da Lei n.º 13/01, de 31 de Dezembro, Lei de Bases do Sistema de Educação ou, mais recentemente, pelo Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 172/13, de 29 de Outubro.

O Recorrente alega, nas suas Alegações, que em 1993, a entidade competente para reconhecer os seus estudos não era o INAAREES, mas como se frisou anteriormente, naquela altura a entidade competente para fazer o reconhecimento dos estudos feitos no exterior do país era a Universidade Agostinho Neto que não fez o reconhecimento dos seus altos estudos em Direito Constitucional, obtendo apenas o reconhecimento da Licenciatura na sua formação.

Ora, incumbe exclusivamente ao Recorrente dirigir-se à instituição competente para reivindicar ou obter o reconhecimento do nível correspondente aos altos estudos de direito constitucional, para que se possa, eventualmente, enquadrar, a sua graduação ou pós-graduação pretendida, nos termos dos artigos 68.º e 69.º da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino.

Com efeito, dos documentos apresentados consta somente a conclusão da sua Licenciatura, por isso, não cabe nem compete ao Plenário do Tribunal Constitucional equiparar os altos estudos em Direito Constitucional ao nível de mestrado ou doutoramento.

Não corresponde à verdade o alegado pelo Recorrente de que o candidato Carlos Alberto Bravo Burity da Silva não tenha junto os documentos de formação pós-graduada (mestrado e doutoramento) porque os mesmos constam do processo do concurso. 

Face a tudo quanto foi exposto improcede o pedido do Recorrente, nomeadamente, a desqualificação dos concorrentes 1.º, 2.º e 3.º, para que seja classificado como vencedor do concurso público curricular ao cargo de Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional. 

DECIDINDO

Nestes termos

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Custas pelo Recorrente (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 04 de Setembro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães

Dr.ª Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dr.ª Júlia de Fátima Leite da S. Ferreira

Dr.ª Maria da Conceição Almeida Sango

Doutor. Raul Carlos Vasques Araújo (Relator) 

Dr. Simão de Sousa Victor