ACÓRDÃO N.º 569 /2019
PROCESSO N.º 618-D/2017
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Banco Nacional de Angola (BNA), Recorrente, devidamente identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão, datado de 22 de Maio de 2017, proferido pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo no Processo n.º 15985, que declarou amnistiados os crimes de associação de malfeitores, de subtracção e descaminho de documentos e de burla por defraudação sob a forma continuada previstos e puníveis pelos artigos 263.º, 311.º, 451.º n.º 2 e 421.º n.º 5, respectivamente, todos do Código Penal (CP).
Refira-se que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” condenou os réus ao cumprimento de penas de prisão e declarou perdidos a favor do Estado os bens e valores apreendidos no âmbito do processo “sub judice”.
Entretanto, o Acórdão recorrido prolatado pelo Tribunal “ad quem” declarou amnistiados os crimes imputados aos réus, ao abrigo da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, Lei da Amnistia.
Inconformado, o Recorrente interpôs o presente recurso, do qual foi legalmente notificado para a apresentação das alegações. Porém, não o fez, tendo apenas, por via de um requerimento, datado de 17 de Abril de 2018, manifestado a sua desistência do processo, pelo facto de ter concluído o seguinte:
O processo foi à vista do Ministério público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional de “sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na CRA”.
Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente interpôs um recurso penal comum, no âmbito do Processo n.º 15985.
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
O Acórdão recorrido indeferiu o recurso interposto pelo Recorrente, tendo este ficado vencido, tem legitimidade para interpor o presente recurso.
IV. OBJECTO
O presente recurso visa a verificação da constitucionalidade do Acórdão, datado de 22 de Maio de 2017, proferido pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 15985, que amnistiou os crimes de associação de malfeitores, de subtracção e descaminho de documentos e de burla por defraudação sob a forma continuada todos previstos e puníveis pelo Código Penal.
V. APRECIANDO
A) Questão prévia
O Recorrente, inconformado com o aresto recorrido interpôs recurso, por via do seu mandatário legal. Todavia, o Tribunal Constitucional não conheceu do seu objecto, por manifesta desistência do Recorrente.
Em fase de apresentação das alegações, o Recorrente veio requerer a desistência do processo, por entender que não tem legitimidade na acção porque o verdadeiro ofendido é o Estado angolano como vem referido no Acórdão recorrido, invocando para tal que os valores subtraídos do BNA estavam justamente domiciliados na Conta Única do Tesouro (CUT).
Cabe frisar que, no plano legal, a legitimidade para efeito da interposição de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, é aferida nos termos da alínea a), do artigo 50.º da LPC, que estabelece o seguinte:
“No caso de sentenças, podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
Seguindo a teleologia desse preceito legal, vislumbra-se no processo que o Recorrente desde a instrução preparatória assumiu-se como ofendido nos autos, uma vez que, entre os réus acusados, destacam-se funcionários do Ministério das Finanças e do BNA. Assim sendo, quer o BNA, quer o Ministério das Finanças, representam os interesses do Estado, por isso têm interesse comum em demandar, tal como se verificou no Tribunal “a quo” e no Tribunal “ad quem”, em que se constituíram partes legítimas do processo “sub judice”
Nesta senda, ensina-nos o Professor Barbosa de Magalhães, citado no Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, pág. 59, o seguinte:
“ é que, na nossa óptica, este nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula – mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial”.
Ora, reportam os autos que na fase da apresentação da queixa crime junto do órgão de investigação criminal, a fraude foi detectada pelo Ministro das Finanças, em exercício, quando procedia à conciliação do fluxo financeiro, nos termos da alínea d) do artigo 5.º do Decreto Executivo n.º 365/17, de 27 de Julho, que aprova as Normas sobre a Arrecadação de Receitas Públicas (Decreto revogado pelo Decreto Presidencial n.º 211/18, de 26 de Setembro), que constatou um saldo negativo na Conta Única do Tesouro (CUT-ME- Imposto Petrolífero), tendo de imediato comunicado ao então Governador do BNA. Estes dois órgãos lesados, apresentaram em seguida uma queixa crime às autoridades policiais.
Nos termos do n.º 2 do artigo 27.º do CPC, se a lei ou negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida por um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade
Daí que, não pode, agora, nesta fase do processo, vir o Recorrente alegar ilegitimidade, porquanto desde o início do processo posicionou-se como ofendido, tendo formalizado essa condição aquando da apresentação da queixa crime junto dos órgãos competente conforme fls.3722 a 3731, do Acórdão n.º 11463 da Câmara Criminal do Tribunal Supremo (Volume 17).
Assim sendo, conforme o disposto no artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, ex vi do artigo 2.º da LPC, uma pessoa é parte legítima num processo declarativo quando tem um interesse directo, isto é, quando é titular da relação material que no processo é discutida. Assim, o “autor” é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o “réu” é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se o interesse em demandar “pela utilidade derivada da procedência da acção”, e o interesse em contradizer “pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
Neste diapasão, não restam dúvidas a este Tribunal de que o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso. Por isso, no caso em apreço, não é de acolher o argumento de ilegitimidade, tal como foi invocado no aludido requerimento.
Contudo, em observância ao princípio do dispositivo, entende este Tribunal que deve prevalecer a sua vontade quanto ao pedido de desistência do processo.
Outrossim, o princípio do dispositivo previsto no artigo 3.º do CPC, aplicável ao processo constitucional, por força do artigo 2.º da LPC, dispõe que compete às partes a faculdade legalmente reconhecida de pôr termo ao processo, podendo, para tanto, invocar a sua pretensão de desistência do processo.
A interpretação que subjaz do regime legal, ora instituído, é que tendo havido desistência do recurso, não procede a tramitação do processo, na esteira do previsto nos artigos 287.º, alínea d) e 293.º, ambos do CPC.
Em suma, como corolário desse princípio resulta claro que o processo inicia com o impulso das partes e pode ter o seu termo, por desistência, caso as mesmas assim o entendam.
Assim, à luz da lei, a desistência constitui causa de extinção da instância, conforme previsto na alínea d) do artigo 287.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo constitucional, por força dos artigos 2.º e 12.º (a contrario sensu) ambos da LPC, quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não prevalece, extinguindo o direito que pretendia fazer valer, o que ocorre no presente caso.
DECIDINDO
Nestes termos, tudo visto e ponderado acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Custas pelo Recorrente (artigo 15.º, da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC)
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 1 de Outubro de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira (Relatora)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor