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ACÓRDÃO N.º 571/2019

 

PROCESSO N.º 713-A/2019

Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

  1. RELATÓRIO

Ndonda Nzinga, Pedro Marcos Mabiala e outros membros do Comité Central (CC) do Partido Político FNLA, Requerentes no Processo n.º 627-A/2018, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 63.º ambos da Lei n.º 3/8, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), conjugado com o artigo 680.º do Código de Processo Civil (CPC), os artigos 8.º e 29.º n.º 1 da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP) vêm recorrer da decisão proferida pelo Acórdão n.º 548/2019 do Tribunal Constitucional que negou provimento ao pedido de anulação da VII Reunião Ordinária do Bureau Político (BP) e suas deliberações, que datam de 22 de Dezembro de 2017.

Para o efeito alegaram, em síntese, o seguinte:

  1. A reunião do Bureau Político (BP) impugnada no Processo n.º 627-A/2018, que resultou no Acórdão n.º 548/2019, não reuniu o quórum.
  2. Os Secretários Nacionais e os 1.ºs Secretários Provinciais participaram na VII Reunião como convidados, por inerência de funções, sem serem membros do BP.
  3. Não sendo membros do Comité Central os nomeados para aqueles cargos que os catapultam, por inerência funções, a membros de BP, órgão exclusivamente constituído por membros do CC, tendo, deste modo, havido violação dos estatutos.
  4. Os membros do Comité Central, que são nomeados a 1.ºs Secretários Provinciais do Partido devem, por inerência de funções, integrar o BP, sendo que o Presidente devia propor a sua eleição numa reunião do CC, o que não ocorreu.
  5. Contaram para o quórum as ausências justificadas e os falecidos ao invés dos presentes, o que não é certo, porque assim a reunião não teve quórum mínimo exigido de 50% +1, ou seja, 42 membros dos 81 que compõe o Bureau Político.
  6. O fundamento do Acórdão n.º 548/2019, 3.º parágrafo da página 8 dispõe “conforme o disposto no n.º 2 do artigo 40.º e na al. a) do n.º 2 do artigo 9.º dos Estatutos, os Secretários Nacionais podem ser convidados às reuniões do BP, que é composto por 14 Secretários Nacionais” não condiz com o espírito e a letra da norma.
  7. O Despacho não substitui as convocatórias para as reuniões.
  8. O Presidente do Partido violou, ainda, o n.°5 do artigo 23.° dos Estatutos da FNLA, ao não elaborar e entregar nominalmente aos membros do BP, com a antecedência de trinta (30) dias, a convocatória da aludida reunião do BP, pelo que se está diante de uma inexistência jurídica.
  9. Deveria elaborar a convocatória e entregá-la nominalmente aos seus membros com a antecedência de, pelo menos, 30 dias, o que traduz outra inexistência jurídica.

Concluíram requerendo o seguinte:

  1. A anulação da VII Reunião do BP, de 22 de Dezembro de 2017, bem como os actos e decisões supervenientes;
  2. A inexistência jurídica da convocação da reunião do BP de 22 de Dezembro de 2017, pois os Estatutos da FNLA não estabelecem Despachos para convocação e sim convocatórias nominais com antecedência de 30 dias;
  3. Suspensão dos Órgãos de Direcção (Comité Central e Bureau Político) por suposto processo disciplinar instaurado;
  4. A nulidade do despacho que cria a Comissão Ad Hoc para controlo e disciplina partidária e nulidade dos Despachos n.º 064/GP/ FNLA/2017 e 073/GP/FNLA/2017.

Os Requeridos juntaram prova documental.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

Compete ao Tribunal Constitucional a resolução dos conflitos internos dos partidos políticos e coligações de partidos que resultarem da aplicação dos seus estatutos ou convenções partidárias, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da LPP.

Compete, igualmente, ao Tribunal Constitucional, julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis, vide as disposições conjugadas da alínea j) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e a alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).

III. LEGITIMIDADE

Os Requerentes são membros do Comité Central do Partido FNLA, conforme anotações de Congressos feitas por este Tribunal, pelo que, nos termos do artigo 26.° do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi do artigo 2.° da LPC, têm legitimidade activa para demandar em juízo.

IV. OBJECTO

O processo tem por objecto a reapreciação do Acórdão n.º 548/2019, de 14 de Maio de 2019, proferida pelo Plenário do Tribunal Constitucional que negou provimento à impugnação da VII Reunião Ordinária do Bureau Político da FNLA, realizada no dia 22 de Dezembro de 2017.

V. APRECIANDO 

  1. Questão Prévia

Os Requerentes, por inúmeras vezes, referem-se à Juíza Relatora do Processo n.º 627-A/2018 (que culminou com o Acórdão n.º 548/2019) de forma pouco urbana e sem base legal para o efeito, tornando a decisão recorrida particular e personalizada à Juíza Relatora do anterior processo.

É primordial relembrar que, nos termos do n.º 1 do artigo 66.º da LPC,  a competência é do Plenário do Tribunal Constitucional e, por conseguinte, toda decisão daí decorrente é tomada pelo Plenário.

Perguntar-nos-ão qual será o papel do Juiz Relator.

O Código de Processo Civil dá resposta a esta questão no seu artigo 700.º e seguintes, aplicável subsidiariamente pelo artigo 2.º da LPC bem como pelo artigo 18.º do Regulamento Geral do Tribunal Constitucional, aprovado pela Resolução n.º 1/14, de 28 de Julho.

A função do Juiz Relator é a de dirigir e preparar o processo para a  discussão e decisão em sessão plenária do Tribunal.

Compete a este órgão proceder ao julgamento propriamente dito, quer o julgamento final, quer o julgamento das questões prévias e incidentes. Daí a diferença dos actos processuais, actos de secretaria, vistos, despachos do relator e Acórdão do Tribunal.

Pelo que a decisão é sempre por Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional.

A. Sobre a Inexistência da Convocação e a Anulação da Reunião do BP, de 22 de Dezembro de 2017

A VII Reunião do BP do Partido FNLA, de 22 de Dezembro de 2017, foi convocada pelo Presidente da FNLA, no âmbito das suas faculdades estatutárias, nos termos do artigo 34.º, n.º 9, alíneas j) e t) dos Estatutos da FNLA, tendo exarado o Despacho n.° 062/GP/FNLA/2017, de 21 de Novembro de 2017, que foi publicado para conhecimento dos seus Membros.

A questão fulcral ressaltada pelos Requerentes depreende-se pela irregularidade ocorrida no cumprimento do prazo de 30 dias de antecedência para o envio da convocatória e se este facto prejudica a validade da referida reunião.

As conclusões extraídas no Acórdão recorrido verificam e reconhecem o incumprimento dos 30 dias de antecedência para convocatória da reunião ordinária do BP, tal como estabelece o artigo 23.º, n.º 5, dos Estatutos, porém, não foi considerada inválida, uma vez que reuniu o quórum participativo e deliberativo. 

Vejamos:

A acta da VII Reunião Ordinária do Secretariado do BP, de 10 de Novembro de 2017, distribuída a todos os membros do órgão, confirma que estiveram presentes mais de 2/3, isto é, 52 membros, dos 74 efectivos e 7 suplentes, daí ter resultado a conclusão do Tribunal Constitucional, pois o que se pretendeu com o acto de convocar ficou acautelado e concretizado, ou seja, a presença e participação dos seus membros (Cfr. a fls. 77 dos autos).

Deste modo, a existência do quórum deliberativo na reunião do BP é prova bastante para se concluir que a reunião, ainda que convocada fora do prazo, não anula e nem invalida a VII Reunião Ordinária do BP e os documentos e deliberações que foram aprovados  por unanimidade.

Os partidos políticos gozam de amplos poderes de autogoverno, em homenagem ao princípio democrático em que assenta o nosso texto constitucional, resultando, porém, como “corolário por coerência” desse mesmo princípio - para fazer uso de uma expressão de Jorge Miranda, – a necessidade de estas organizações se regerem, no plano do seu funcionamento interno, pelos princípios da organização e gestão democráticas. In: Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Estrutura Constitucional da Democracia, 1.ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p.162.

Assim, o Tribunal Constitucional não corrobora com as alegações dos Requerentes e valida a VII Reunião Ordinária do BP, de 22 de Dezembro de 2017, bem como a sua convocatória.

B. Sobre o Suposto Processo Disciplinar Instaurado

A par da questão fulcral, os Requerentes frisam que houve um suposto processo disciplinar instaurado aos Senhores Fernando Pedro Gomes, Ndonda Zinga, João Lombo e Laiz Eduardo e, por esta razão, à data dos factos, eles não podiam receber convocatórias por se encontrarem suspensos dos órgãos de direcção (Comité Central e Bureau Político).

Assim, requerem ao Plenário do Tribunal que se faça a reparação efectiva dos seus direitos, violados pelo Presidente do Partido, no que tange ao procedimento disciplinar e à aludida suspensão.

O n.º 4 do artigo 11.º dos Estatutos da FNLA dispõe que a instrução dos processos disciplinares é competência da Secretaria para Controlo e Disciplina Partidária.

Os membros do BP, Senhores Fernando Pedro Gomes, Ndonda Zinga, João Lombo e Laiz Eduardo, na véspera da VII Reunião Ordinária do BP, de 22 de Dezembro de 2017, tinham sido suspensos, sob o alegado processo disciplinar que se encontrava em curso. 

Entretanto, este facto não invalida a legalidade da VII Reunião Ordinária do BP, pois, como foi atrás referido, contou com a presença de mais de 2/3 dos membros do BP, tal como é exigido no n.º 1 do artigo 24.º dos Estatutos.

C. Sobre a Nulidade dos Despachos que cria a Comissão Ad Hoc para Controlo e Disciplina Partidária e os de nomeação dos Secretários Nacionais n.º 64/GP/FNLA/2017 e 73/GP/FNLA/2017

Segundo as alegações, os Requerentes reclamam da restituição da competência estatutária da Secretaria para o Controlo e Disciplina Partidária usurpadas pela Comissão Ad Hoc de Disciplina, criada pelo Presidente.

Reflete-se no quadro disciplinar da FNLA a existência de duas figuras para este fim, por um lado, a Secretaria Nacional para o Controlo e Disciplina Partidária, instituída para conduzir a instrução do processo disciplinar, por outro, a Comissão Ad Hoc de Disciplina, criada para efeitos de aplicação da sanção.

A instituição da Comissão Ad Hoc de Disciplina não substitui a Secretaria para Controlo e Disciplina Partidária nem, tão pouco, esvazia as suas atribuições, pelo contrário, complementa o âmbito da sua competência.

Ora, o Presidente do partido tem competência para constituir a Comissão Ad Hoc de Disciplina, cuja finalidade é a de aplicar sanções, conforme estabelece a alínea l) do n.º 9 do artigo 34.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 11.º dos Estatutos. 

Cabe à Secretaria para Controlo e Disciplina Partidária a instrução dos processos disciplinares, ao passo que a Comissão Ad Hoc de Disciplina é-lhe atribuída a aplicação de sanções.

O Comité Central pronuncia-se sobre a composição da Comissão Ad Hoc de Disciplina, sempre que lhe é remetido o pedido de apreciação, no entanto compete ao Presidente do Partido nomear os integrantes deste organismo disciplinar.

Portanto, não é cabível o pedido de nulidade do Despacho que cria a Comissão Ad Hoc de Disciplina.

Há outra questão que se deve diferenciar: trata-se da competência da criação da Comissão Ad Hoc de Disciplina e a validade da sanção ou medida disciplinar que nem é objecto de apreciação do Acórdão recorrido.

A validade da Comissão em causa não depende das suas deliberações, outrossim, rege-se pelos Estatutos quanto à forma de constituição que resulta do exclusivo despacho emanado pelo Presidente do Partido.  

A este propósito, os Despachos de nomeação de Secretários Nacionais não são nulos, pois foram exarados pelo representante máximo da FNLA, que é o seu Presidente, sem qualquer violação das disposições estatutárias sobre a matéria.  

Quanto à exoneração de Secretários Nacionais, não se trata da aplicação de medida disciplinar, quer ao abrigo dos Estatutos quer pelo artigo 4.º do Regulamento de Disciplina do Militante, que dispõe que as medidas disciplinares são a admoestação simples ou privada, admoestação registada, suspensão, destituição ou expulsão.

A exoneração é um acto unilateral de carácter político administrativo que faz cessar o poder de exercício de um cargo que foi atribuído por nomeação directa ou sob proposta. 

Ressalta-se que os Secretários Nacionais são nomeados e exonerados pelo Presidente da FNLA, mas tais actos são precedidos de audição do Secretário Geral junto do BP, por este ser o órgão de gestão que coordena as secretarias nacionais, conforme o disposto nas alíneas d), e), i) e m) do n.º 2 do artigo 39.º dos Estatutos.

Conclui, assim, o Tribunal Constitucional em manter a decisão recorrida pela sua conformidade com as normas estatutárias e regulamentos interno-partidários.

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado,

Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional).

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 2 de Outubro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dr.ª Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães 

Dr.ª Josefa Antónia dos Santos Neto

Dr.ª Maria Conceição Almeida Sango 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo (Relator) 

Dr. Simão de Sousa Victor