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                                        ACÓRDÃO  N.º 572 /2019

 

PROCESSO N.º 704-D/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Augusto Kasai,  melhor identificado nos autos, veio interpor o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, da sentença proferida pela 13.ª Secção da Sala dos Crimes do Tribunal Provincial de Luanda (Kilamba Kiaxi), no âmbito do Processo Sumário n.º 108/18-CTPLKK, que o condenou na pena única de 20 (vinte) dias de multa, no valor de cinco  salários mínimos por dia, correspondente a kz 16.503,00 (dezasseis mil e quinhentos e três kwanzas) que deverá ser pago no prazo de 10 dias,  pagamento de taxa de justiça de Kz 10 000 00 (dez mil kwanzas) e emolumentos ao defensor oficioso Kz. 2 500 00 (dois mil e quinhentos kwanzas) pela prática do crime de transgressão previsto e punível pelo artigo 37.º n.º 1 al. f) e n.º 2 da Lei n.º 1/07, de 14 de Maio.

Notificado para apresentar alegações de recurso, nos termos do artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), expôs em síntese, o seguinte:

  1. Foi acusado, julgado e condenado na pena de prisão de vinte (20) dias convertida em multa, no valor de kz. 1 666 015 (um milhão seiscentos e sessenta e seis mil e quinze kwanzas) pelo crime de fraude nas vendas previsto e punível nos termos do artigo 456.º n.º 1 do Código Penal (CP).
  2. O Recorrente não teve a oportunidade de apresentar recurso ordinário porque não foi representado por advogado, mas por um defensor oficioso nomeado para o representar, ou seja, não teve uma defesa ampla, mas sim formal, violando o previsto no artigo 29.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República de Angola (CRA).
  3. A decisão do Tribunal a quo apresenta-se como injusta e não conforme a lei, nos termos do artigo 72.º da CRA, porquanto, o Tribunal ao arbitrar a multa acima referenciada, tinha intenção de o mandar para à cadeia, atendendo a situação económica do Recorrente, impossibilitava o seu cumprimento, violando o plasmado no n.º 1 do artigo 29.º da CRA.
  4. A infracção cometida pelo Recorrente encontra-se tipificada no n.º 1 do artigo 456.º do CP, punível nos termos dos artigos 430.º e 431.º, nos seus paragráfos relativamente ao furto.
  5. Alude o artigo 430.º do C.P, que nestes casos não excedendo o furto a quantia de kz 120.000,00, nem sendo habitual, só terá lugar a pena em caso de queixa do ofendido.
  6. No caso sub judice não se verificou qualquer participação de algum cidadão, que, eventualmente, tenha sido ofendido da acção do Recorrente, tão pouco se conseguiu provar em julgamento que era uma acção habitual.
  7. Por outro lado, sendo um cidadão de baixa renda, que se dedica à compra e revenda de produtos diversos, para o sustento da sua família, não se compreende em que se baseou o Tribunal a quo, para arbitrar uma multa tão elevada que desde já, se afigura impossível o cumprimento por parte do Recorrente.
  8. Com esta atitude do Tribunal, ficou claramente demonstrado que não houve um julgamento justo em conformidade com a lei ferindo o preceito constitucional “a todo o cidadão é reconhecido o direito a um julgamento justo, célere conforme a lei”.
  9. O Tribunal a quo, poderia, por razão de justiça, aplicar ao Recorrente uma pena suspensa ou uma multa que correspondesse à capacidade económica do Recorrente, cumprindo desta forma o fim da pena aplicada.

 

Concluindo nos seguintes termos:

 

  • O Tribunal a quo, ao não nomear um advogado para o Recorrente, não garantiu a mais ampla defesa, que só se efectiva com a assistência de um advogado, nos termos do artigo 67.º n.º 3 da CRA.
  • O Recorrente não teve direito a um julgamento justo, primeiro pela falta de advogado, segundo pela pena a que foi condenado, violando assim a norma do artigo 29.º da CRA.
  • O Tribunal a quo ao condenar a uma pena de 20 dias convertido em multa no valor de kz 1 666 015 00, tendo em conta a capacidade económica do Recorrente limitou o seu acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva por insuficiência económica, na medida em que o Tribunal sabia que o Recorrente não teria como pagar o elevado valor da multa, violando o artigo 29.º da CRA;
  • O Tribunal a quo poderia, por razão de justiça, aplicar ao Recorrente uma pena suspensa ou uma multa que correspondesse à sua capacidade económica, cumprindo desta forma o fim da pena aplicada.
  • Nestes termos, vem solicitar que seja declarada inconstitucional a medida aplicada que condenou o Recorrente no pagamento de uma multa de Kz 1 666 015 devido à situação financeira do Recorrente e, concomitantemente suspensa a medida aplicada.

  

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

 

II. COMPETÊNCIA

Não conformado, veio o Recorrente ao Tribunal Constitucional por considerar que o acórdão recorrido desrespeita o princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, garantia ao processo penal e direito a um julgamento justo e conforme, porquanto, o Tribunal Provincial de Luanda, aplicou uma multa acima da sua condição económica.

Estabelece o artigo X da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH): “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação contra ele” (Nações Unidas, 1948).

O Estado de direito não se satisfaz com meras aparências, exige realidade, materialidade e efectivação. A tutela jurisdicional efectiva deve ser assegurada a todos os cidadãos, em condições de plena igualdade, como um direito fundamental.

É competência  do Estado, garantir a todo o cidadão o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, proporcionando um apoio especial (discriminação positiva) para que os cidadãos economicamente mais carenciados tenham condições  de recorrer aos tribunais (artigos 195.º, 196.º e 197.º da CRA).

O direito a um julgamento justo e conforme, está previsto no artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e no artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, adoptado pela CRA no artigo 72.º.

A materialização desta garantia, consiste numa administração de justiça funcional, imparcial e independente, com operadores tecnicamente capazes para responder às necessidades dos processos independentemente da sua complexidade.

Autores há,  que defendem o direito ao patrocínio judiciário, não só como um “elemento essencial à administração da justiça” como um “elemento essencial na própria garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais” .

O direito ao patrocínio judiciário é aplicável directamente no ordenamento jurídico, como direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias, e compete à lei definir o seu modo de exercício.

Numa sociedade baseada no respeito pela lei, compete ao advogado desempenhar um papel proeminente que não se limite à execução fiel no âmbito da lei e mandato confiado. Tem como missão para além de servir o interesse da justiça, exercer também a defesa dos direitos e liberdades de quem os solicita ou lhe indique.

No caso em concreto, o Tribunal Constitucional verifica que o Tribunal   a quo (Acta de Audiência de Discussão e Julgamento, fls.8 dos autos) garantiu ao Recorrente, assistência de um defensor ofícioso, em todas as fases do processo, bem como observou o formalismo próprio do processo sumário, célere no que respeita a prazos,  existência dos meios de prova e sentença.

Assim, por se tratar de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, impõe-se a regra da precedência obrigatória, ou seja só pode ser interposto após prévio esgotamento nos demais tribunais dos recursos ordinários, nos termos do artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (LPC).

Nesse sentido, o Acórdão é recorrível para o Tribunal Supremo, conforme dispõe o artigo 561.º, § 2.º conjugado com o § único do artigo 555.º do Código do Processo Penal, o que não foi feito e, por essa razão, impede o Tribunal Constitucional  de apreciar o Acórdão recorrido.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:

 

Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).

Tribunal Constitucional, em Luanda, 2 de Outubro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator) 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite Ferreira 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo 

Dr. Simão de Sousa Victor