Loading…
Acórdãos > ACÓRDÃO 574/2019

Conteúdo

ACÓRDÃO N. º 574/2019

 

PROCESSO N.º 739-C/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

  1. RELATÓRIO

Vu Ngoc Anh e Fan Chuangja, com os demais sinais de identificação nos autos, vêm junto do Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão proferido pela 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 111.

Os Recorrentes foram detidos no dia 11 de Dezembro de 2018, tendo sido indiciados pela prática do crime de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico sexual de pessoas, crime de lenocínio.

Os Recorrentes, por se encontrarem detidos há mais de 4 meses sem terem sido notificados da acusação, interpuseram uma providência de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, que julgou improcedente a providência requerida.

Insatisfeitos com a decisão do Tribunal Supremo, interpuseram o presente recurso com base nas seguintes alegações:

  1. Os arguidos encontram-se detidos há mais de 280 dias, isto é, 9 meses e 28 dias. Os mesmos encontram-se em excesso de prisão preventiva;
  2. Dos vários ofícios enviados pelo Tribunal Supremo à PGR e ao SIC Central para a recolha de informação sobre o processo, estes últimos não conseguiram dar resposta até ao preciso momento, mas isso não é razão para o poder judicial deixar de reagir, pois que há um bem maior que é a liberdade dos arguidos, que não deve ser condicionado pela falta de seriedade das instituições de direito que tem o dever de cumprir com o seu dever de justiça;
  3. … é incompreensível e inconstitucional indeferir um pedido de habeas corpus pelo facto de o tribunal a quo ou o Ministério Público, até a presente data, não produzir ou dar nenhuma informação sobre o estado do processo…;
  4. A CRA e a lei são claras relativamente aos prazos de prisão preventiva… a falta de informação sobre o processo, não podem prejudicar os ora arguidos, pois que os mesmos não são culpados pelo mal funcionamento dos órgãos de justiça;
  5. … A justiça funda-se na legalidade, segurança e certeza jurídica. Pois presume-se inocente todo o cidadão que até ao trânsito em julgado da sentença de condenação;
  6. É inadmissível que o Tribunal Supremo indefira um pedido de habeas corpus alegando falta de fundamento bastante… o habeas corpus é um direito de todos contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal…;
  7. É infundável e inconstitucional ter o indeferimento de uma providência extraordinária de habeas corpus, simplesmente pelo facto de o serviço de investigação criminal (SIC Económico), por ofício n.º 0311/300/01/CC/TS/19 emitido pelo Tribunal Supremo, até a presente data, conforme Acórdão n.º 111, não dar qualquer informação a cerca do estado do processo;
  8. … o indeferimento do habeas corpus viola escrupulosamente a garantia do Processo Criminal, assim como os direitos fundamentais de primeira geração.

Os Recorrentes terminaram as alegações requerendo que o presente recurso seja julgado procedente; que se declare ilegal e inconstitucional a prisão dos Recorrentes; e que seja ordenada a libertação imediata, mediante termo de identidade e residência.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.  

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.

III. LEGITIMIDADE

Os Recorrentes foram requerentes do pedido de habeas corpus no Processo n.º 111 que deu lugar à decisão recorrida, pelo que tem legitimidade para apresentar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade nos termos da alínea a) do artigo 50.º LPC, que dispõe: “têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem como objecto apreciar a constitucionalidade da decisão do Tribunal Supremo que indeferiu o pedido de habeas corpus dos Recorrentes, por falta de fundamento bastante.

V. APRECIANDO

Consta dos autos, a fls. 13v, que o Tribunal Supremo indeferiu o pedido de habeas corpus dos Recorrentes com o seguinte fundamento “Os requerentes alegam terem sido detidos no dia 11 de Dezembro de 2018, até a presente data não foram notificados da acusação, por outro lado, o tribunal a quo até a presente data não produziu nenhuma informação sobre o estado do processo, pelo que é de se indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do artigo 319.º § único do Código de Processo Penal, por falta de fundamento bastante”.

O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita, destinada a assegurar o direito a liberdade constitucionalmente garantido, quando haja uma prisão efectiva, actual e ilegal.

O n.º 1 do artigo 68.º da Constituição da República de Angola (CRA), consagra que “Todos têm direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal competente”.

O § único do artigo 315.º do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que: “Só pode haver lugar à providência referida neste artigo quando se trate de prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade por qualquer dos seguintes motivos”;

  1. Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência legal;
  2. Ser motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão;
  3. Manter-se além dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a formação de culpa;
  4. Prolongar-se além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.

De acordo com os autos, os Recorrentes foram detidos no dia 11 de Dezembro de 2018, volvidos 4 (quatro) meses sem acusação, os mesmos, requereram uma providência de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, uma vez que estavam detidos para além dos prazos estabelecidos na lei.

A 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo indeferiu o referido pedido de habeas corpus, com o seguinte fundamento: “o tribunal a quo até a presente data em que o Acórdão foi proferido, não produziu nenhuma informação sobre o estado do processo, pelo que é de se indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do artigo 319.º § único do Código de Processo Penal, por falta de fundamento bastante”.

Vislumbra-se que a fundamentação do Acórdão do Tribunal Supremo não observou os preceitos constitucionais e legais.

Vejamos

O n.º 1 do artigo 40.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP) estabelece que:

  • A prisão preventiva deve cessar quando desde o seu início decorrerem:
  1. Quatro meses sem acusação do arguido;
  2. Seis meses sem pronúncia do arguido;
  3. Doze meses sem condenação em primeira instância.

O n.º 1 do artigo supra referido estabelece de forma clara, objectiva e taxativa, os pressupostos ou requisitos que devem dar lugar a cessação da prisão preventiva.

Compulsados os autos, verifica-se que os Recorrentes encontram-se em excesso de prisão preventiva, pois os mesmos estão detidos há mais 9 meses sem acusação do Ministério Público.

Repugna ao espírito do Estado de direito o facto de o Tribunal Supremo mesmo constatando que os Recorrentes encontravam-se há 4 (quatro) meses detidos, sem acusação do Ministério Público, tenha decidido sobre a providência requerida, de forma não criteriosa, baseando-se em fundamento inexistente na lei, ou seja, por si criado.

No corpo do n.º 1 do artigo 40.º da LMCPP, não existe nenhuma alínea que refira que a cessação da prisão preventiva depende da produção de informação do tribunal a quo sobre o estado do processo.

O Tribunal Supremo, sendo o órgão máximo da jurisdição comum, deve velar por decisões que se pautem pela defesa dos direitos, liberdades e garantias estabelecidas na Constituição e na lei.

De salientar que o Tribunal Supremo não tem competência legislativa, para acrescer ou suprimir preceitos constitucionais e legais, o mesmo deve cingir-se em aplicar o que está consagrado na carta magna e na lei, conforme consagra n.º 1 do artigo 177.º da CRA “os tribunais garantem e asseguram a observância da Constituição, das leis e demais disposições normativas vigentes, a protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos…”

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 03/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 10 de Outubro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos A. B. Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora) 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango (Relatora)

Dra. Maria de Fátima L. A. B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor