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ACÓRDÃO N.º 578/2019

 

PROCESSO N.º 717-A/2019

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO 

Hilário Cacumba, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido a 03 de Maio de 2019, no âmbito do Processo n.º 102/19, que considerou improcedente o seu pedido de habeas corpus.

Inconformado com o referido Acórdão, o Recorrente apresentou a este Tribunal as seguintes alegações:

  1. O Recorrente foi condenado na primeira instância na pena de prisão maior de 12 anos e 9 meses.
  2. Por não se conformar, foi esta decisão objecto de recurso interposto no Tribunal Supremo pelo Recorrente e pelo Magistrado do Ministério Público, por imperativo legal, sem que exista até ao momento trânsito em julgado da decisão condenatória.
  3. No caso, aplica-se sem excepção o corolário constitucional de presunção de inocência, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 67.º da Constituição da República de Angola (CRA).
  4. Por imposição do n.º 3 do artigo 40.º, da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP) não existe despacho que fundamente a eventual prorrogação do prazo máximo de prisão preventiva aplicável ao Recorrente.
  5. Apesar de o legislador estabelecer como limite temporal para manutenção da medida de prisão preventiva 12 meses, sem condenação em primeira instância, este limite deve também ser aplicável a situações após essa condenação, de modo a ser conforme a proibição de medidas privativas ou restritivas de liberdade com carácter ilimitado ou indefinido.
  6. É nossa opinião que a alínea c) do n.º 1 do artigo 40.º da LMCPP não pode ser uma carta branca utilizada para sustentar a manutenção do Recorrente em prisão preventiva após condenação em 1.ª instância, de modo indefinido e apenas limitado pela confirmação ou revogação do Acórdão por parte do Tribunal Supremo.
  7. Não pode um cidadão, que se presume inocente, ficar à mercê da indefinição da maior ou menor celeridade da decisão do Tribunal Supremo em apreciar os recursos interpostos da decisão condenatória.
  8. Ao contrário do disposto no Acórdão de que se recorre, a necessária delimitação temporal de qualquer medida restritiva de liberdade, não resulta do n.º 2 do artigo 24.º da LMCPP.
  9. A referida disposição assenta meramente no bom senso adstrito à lei penal. Não faria sentido manter alguém em prisão preventiva se a condenação a que for sujeito não fosse superior ao período de sujeição a esta medida cautelar.
  10. Estamos perante a utilização de uma medida de ultima ratio que deve ser aplicada em face da verificação de pressupostos específicos, devendo estes serem reexaminados periodicamente para manter a validade e garantia de necessidade da decisão de submeter alguém à mais gravosa das medidas coactivas.
  11. Assim, estamos perante uma irregularidade processual por preterição da obrigatoriedade de reexame, de dois em dois meses, da medida de prisão preventiva.
  12. Estando em causa o direito à liberdade, os prazos deverão ser rigorosamente observados, sob pena de preterição do artigo 39.º da LMCPP, que tem como cominação legal obrigatória, por referência o disposto no artigo 100.º do Código de Processo Penal, a anulação do acto em causa.

Termina as suas alegações, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, remetido o processo ao Tribunal Supremo para reformulação do Acórdão.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pelo Recorrente, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

 III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é parte no Processo n.º 102/19, que correu termos na 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, em que lhe foi indeferido o pedido de habeas corpus, pelo que tem legitimidade para interpor o presente recurso, à luz da alínea a) do artigo 50.º da LPC e do n.º 1 do artigo 26.º do CPC, por força do artigo 2.º da LPC.    

 IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é a apreciação do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, de fls. 13 dos autos, que julgou improcedente o pedido de providência de habeas corpus formulado pelo Recorrente, violou algum princípio, direito ou garantia constitucional.

V. APRECIANDO

O Recorrente veio a este Tribunal interpor a providência de habeas corpus, por ter sido condenado no Processo n.º 01/2017-C, da 10.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, na prática do crime de violação de menor de doze anos, na forma continuada, previsto e punível pelo n.º 2 do artigo 394.º e artigo 398.º do Código Penal.

Dada a natureza e a gravidade do crime imputado ao Recorrente, foi-lhe aplicada a medida de prisão preventiva, ao abrigo do artigo 40.º da LMCPP, por ter sido considerada a mais adequada das medidas cautelares, em virtude do receio de fuga, tendo a referida medida se mantido até a condenação em 1.ª instância.

Inconformado, interpôs uma providência cautelar de habeas corpus no Tribunal Supremo, com fundamento no excesso de prisão preventiva, que lhe foi negada.

Por se encontrar em prisão preventiva há mais de doze meses, ultrapassando o prazo legal estabelecido no artigo 40.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, o Recorrente vem a este Tribunal solicitar a liberdade provisória até decisão do recurso ordinário interposto no Tribunal Supremo.

No entanto, nos termos do artigo 10.º da LPC, este Tribunal tomou conhecimento que o recurso ordinário interposto pelo Recorrente da decisão proferida pela 10.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda foi indeferido, no dia 02 de Outubro do corrente ano, no decurso do Processo n.º 3009/19, que correu trâmites na 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, isto é, já existe sentença final.

Sendo assim, deixaram de existir os pressupostos da providência de habeas corpus, nomeadamente a detenção ou prisão ilegal, pelo que se torna inútil conhecer o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade (vide artigo 315.º do CPP, a contrario sensu).

Nestes termos, tendo em conta o disposto na alínea e) do artigo 287.º do CPC, aqui aplicado subsidiariamente por força do artigo 2.º da LPC, verifica-se a inutilidade superveniente da lide.    

  DECIDINDO     

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 29 de Outubro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães (Relator) 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria de Fátima da Silva 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata