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ACÓRDÃO N.º 580/2019

 

PROCESSO N.º 660-D/2018

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO  

João Machado Pais da Cunha, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido a 13 de Dezembro de 2017, no âmbito do Processo n.º 16311, que o condenou na pena de 23 anos de prisão maior.

Admitido o presente recurso e notificado para alegar, ao abrigo do artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), o Recorrente não apresentou alegações.

Não obstante este facto, consta dos autos a fls. 1030 um requerimento de interposição de recurso, no qual se podem extrair os seguintes fundamentos:

  1. O Ministério Público e os Tribunais realizaram a instrução preparatória, no sentido exclusivamente de provar a imputação do crime ao Recorrente.
  2. O Recorrente foi condenado apenas com base nas suas declarações e nas declarações de polícias, que nada apresentaram para sustentar as suas afirmações.
  3. Ainda que fossem provados os factos, que foram imputados ao Recorrente, no momento da prática dos supostos factos, este tinha 20 anos de idade, pelo que não lhe poderia ser aplicável, nos termos da lei, pena superior a de prisão maior de dezasseis anos.
  4. A instrução do processo no que diz respeito a qualificação dos factos tidos como provados e a aplicação da pena foram efectuadas ao arrepio das normas legais.
  5. Os actos praticados no âmbito do presente processo não se fundaram na legalidade, pelo que não são conformes à Constituição e são inválidos.
  6. Em face do disposto no artigo 66.º da CRA, quanto a necessidade de determinação e limitação da duração das medidas privativas de liberdade e, em face do efeito suspensivo do presente recurso, previsto nos artigos 49.º, 52.º, alínea a) do artigo 44.º todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), deve o Recorrente ser imediatamente libertado.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II.COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer o presente recurso por se verificar o esgotamento de todos os recursos ordinários oponíveis nos tribunais comuns, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º da LPC. 

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é parte vencida no Processo n.º 16311, que correu termos na 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, pelo que tem legitimidade para interpor o presente recurso, à luz da alínea a) do artigo 50.º da LPC e do n.º 1 do artigo 26.º do CPC, por força do artigo 2.º da LPC. 

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é verificar se o Acórdão proferido a 13.12.2017 da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 16311, violou princípios, direitos e garantias consagrados na Constituição.

V. APRECIANDO

O Recorrente foi condenado a 23 anos de prisão maior pela prática dos crimes de roubo, concorrendo com homicídio, associação de malfeitores, furto simples e detenção, porte e uso ilegal de armas proibidas, previstos e puníveis pelos artigos 433.º, 263.º e n.º 5 do artigo 421.º, todos do Código Penal, e artigo 123.º do Decreto Legislativo n.º 3778, 22 de Novembro de 1967, que aprova o Regulamento de Armas e Munições, no âmbito do Processo n.º 34/14 da 14.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda.

Por imperativo legal, o Ministério Público recorreu da decisão junto do Tribunal Supremo, tendo este reformulado a pena aplicável ao Recorrente pelo facto dos crimes de associação de malfeitores, furto simples e detenção, porte, e uso ilegal de armas terem sido amnistiados, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, Lei da Amnistia (LA).

Inconformado, veio o Recorrente a este Tribunal alegar a violação de direitos, princípios e garantias consagrados na Constituição da República de Angola (CRA).

Assim:

a)Sobre a produção da prova

O Recorrente alega que foi condenado apenas com base nas suas declarações e nas declarações dos agentes da polícia, que nada trouxeram de novo para sustentar as suas afirmações e, por seu turno, o Ministério Público e o Tribunal procederam a produção da prova, no sentido exclusivo de provar a imputação do crime a si.

Como é consabido, a prova é toda a actividade desenvolvida com vista a verificação da veracidade dos factos imputados ao arguido. Tem por objectivo certificar a existência da chamada verdade material ou objectiva dos factos que constituem objecto do processo.

Para alcançar este objectivo, o Juiz deve fazer recurso a todos os factos que tenham uma relação directa com o objecto do processo e que sejam úteis ao fim que se pretende atingir.  

No caso sub judice, verificou-se a existência de indícios fortes que mostravam a participação do Recorrente nos crimes de que vem acusado, e, quando questionado sobre a sua autoria ou participação, este o confirmou, como resulta de fls. 640 a 649, dos autos.

Importa fazer referência que não foi somente com base na confissão do Recorrente que se baseou a acusação, pois, como decorre dos autos a fls. 502 a 508, este Tribunal constata que o Recorrente, no acto da sua detenção se encontrava a circular com a viatura da vítima e tinha na sua posse alguns dos haveres pessoais da mesma, incluindo documentos de identificação desta, e a sua confissão foi igualmente confirmada pelo testemunho da co-autora de fls. 620 a 630 (retirar a vírgula) dos autos.

Assim, em face do que fica referido acima, o Tribunal Constitucional constata não ser verdade a alegação do Recorrente segundo a qual “foi condenado apenas com base nas suas declarações e nas declarações dos agentes da polícia …”.

b)Sobre a idade do Recorrente à data dos factos

Alega ainda o Recorrente que, à data da ocorrência dos crimes, tinha apenas 20 anos de idade, pelo que não lhe poderia ser aplicada, nos termos da lei, pena superior a de prisão maior de dezasseis anos.

O artigo 107.º do Código Penal, que tem por epígrafe “Pena aplicável a menores de vinte um anos”, dispõe que “se o criminoso for menor de vinte um anos ao tempo da perpretação do crime, nunca lhe será aplicada pena mais grave do que a do n.º 3 do art.º 55.º’’.  

Da norma acima descrita, é importante realçar que o n.º 3 do artigo 55.º, do CP, determina como pena aplicável a prisão maior de doze a dezasseis anos.

Com efeito, a norma supracitada impõe uma atenuação na medida da pena a aplicar a menores de vinte e um anos de idade contra quem for imputada a responsabilidade criminal, beneficiando, assim, de uma pena mais branda e que seja suficiente para alcançar a finalidade de retribuição e de prevenção.

Compulsados os autos a fls. 503, o crime de que o Recorrente vem acusado, pronunciado e condenado ocorreu no dia 22 de Abril de 2014. Ora, este, que nasceu no dia 10 do mês de Junho do ano de 1992, contava à data do cometimento do crime com 21 anos e 9 meses de idade, conforme certificado do registo criminal emitido pela Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal, a fls. 973 dos autos.

O dispositivo legal invocado pelo Recorrente é de simples interpretação, pois, a epígrafe refere-se aos menores de 21 anos de idade, isto é, aos agentes do crime que tenham idade de 20 anos para baixo, daí o termo “menores de” não se aplicando assim a referida norma ao Recorrente. Portanto, a alegação do Recorrente referente ao factor idade aquando da prática do crime não é, no caso, meio suficiente para que a este se possa aplicar a circunstância atenuante da menoridade resultante do disposto no artigo 107.º do CP.

Assim sendo, conclui este Tribunal que o Acórdão recorrido não violou o princípio da legalidade ou qualquer outro princípio constitucionalmente consagrado.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 29 de Outubro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) ­

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães (Relator) 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria de Fátima L.A. B da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata