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ACÓRDÃO N.º 581/2019

 

PROCESSO N.º 695-C/2019

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO 

Ivânia Danila dos Santos Monteiro, melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido a 13 de Dezembro de 2017, no âmbito do Processo n.º 16311, que alterou a sua pena de prisão de 20 para 23 anos de prisão maior.

Inconformada com a decisão, a Recorrente veio a este Tribunal apresentar as seguintes alegações:

  1. A Recorrente foi condenada em 1.ª instância a 20 anos de prisão maior, conformando-se com a pena aplicada.
  2. Entretanto, por decisão do Tribunal Supremo, a Recorrente viu a sua pena agravada para 23 anos de prisão maior.
  3. Assim, a agravação dá-se por total arrepio ao disposto no artigo 667.º do Código de Processo Penal (CPP), que prevê a proibição da reformatio in pejus.
  4. Tendo sido o recurso interposto pelo Ministério Público, em parte, também, fê-lo no interesse da Recorrente.

 Não se vislumbra, de toda a fundamentação fáctica e de direito, elemento algum, nos termos dos artigos 447.º e 448.º do CPP, que conduzisse o Tribunal Supremo a arrolar a excepção da reformatio in pejus para agravar a pena de 20 para 23 anos de prisão maior.

  1. A Recorrente, tendo interiorizado a sua culpa e se conformado com a pena de 20 anos de prisão maior, confiou nas leis penais e na Constituição.

Termina as suas alegações, pedindo que seja dado provimento ao seu pedido, considerando o Acórdão do Tribunal Supremo ferido de inconstitucional.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer o presente recurso por se verificar o esgotamento de todos os recursos ordinários oponíveis nos tribunais comuns, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º da LPC.

III. LEGITIMIDADE

A Recorrente foi condenada no Processo n.º 16311, que correu termos na 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que agravou a sua pena de 20 para 23 anos de prisão maior, pelo que goza de legitimidade para interpor o presente recurso, à luz da alínea a) do artigo 50.º da LPC e do n.º 1 do artigo 26.º do CPC, por força do artigo 2.º da LPC.  

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto verificar se a decisão vertida no Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, de fls. 991 dos autos, que alterou a medida da pena aplicada à Recorrente de 20 para 23 anos de prisão maior, viola o princípio da reformatio in pejus.

V. APRECIANDO

A Recorrente foi julgada e condenada a 20 anos de prisão maior pela prática dos crimes de roubo concorrendo com homicídio, associação de malfeitores, furto simples e detenção, porte e uso ilegal de armas proibidas, previstos e puníveis, nos termos dos artigos 433.º, 263.º, n.º 5 dos artigos 421.º do Código Penal e do artigo 123.º, do Decreto Legislativo n.º 3778, de 22 de Novembro de 1967, que aprova o Regulamento de Armas e Munições, em sede do Processo n.º 34/14, da 14.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda.

Por imperativo legal, o Ministério Público interpôs recurso no Tribunal Supremo, tendo este revisto a pena aplicável à Recorrente pelo facto dos crimes de associação de malfeitores, furto simples e detenção, porte e uso ilegal de armas terem sido amnistiados, pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, Lei da Amnistia (LA), e agravado a pena de 20 para 23 anos de prisão maior.

Inconformada, vem a este Tribunal por considerar que, com aquela decisão, o Tribunal Supremo violou o princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no artigo 667.º do Código de Processo Penal (CPP).

A proibição da reformatio in pejus é um princípio aplicável na fase de recurso no processo penal, que limita o poder do Tribunal de recurso de agravar a pena aplicada em 1.ª instância ao arguido, quando o referido recurso tenha sido interposto exclusivamente no interesse deste, quer pelo arguido, quer pelo Ministério Público, assentando assim o referido princípio nas garantias da defesa.

Ao abrigo do artigo 667.º do CPP, a proibição da reformatio in pejus verifica-se nas situações em que o recurso da sentença é interposto pela defesa no seu exclusivo interesse ou, ainda, pelo Ministério Público no interesse da defesa, e não quando a Ministério Público recorrer por imperativo legal.

Porém, importa realçar que, nos termos do § 1.º do artigo 667.º do CPP, “a proibição estabelecida neste artigo não se verifica:

1.º Quando o tribunal superior qualificar diversamente os factos, nos termos dos artigos 447.º e 448.º, quer a qualificação respeite à incriminação, quer a circunstâncias modificativas da pena;

2.º Quando o representante do Ministério Público junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena, aduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito dias. ‘’

Da análise dos autos, a fls. 991 a 997, resulta a constatação de que o Tribunal Supremo reformulou a pena tendo em atenção o circunstancialismo da aplicação da mesma, ou seja, considerou o facto dos crimes de associação criminosa, furto simples e detenção, porte e uso ilegal de armas proibidas terem sido amnistiados, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, Lei da Amnistia, e, sobretudo, pelo facto de o crime de roubo concorrido com homicídio ser punível com a moldura penal abstracta de 20 a 24 anos de prisão maior, conforme dispõe o artigo 433.º do Código Penal.  

Em obediência ao disposto no § 1.º do artigo 667.º do CPP por se terem verificado as circunstâncias modificativas da pena inicialmente aplicada, o Tribunal Supremo aplicou à Recorrente a pena de 23 anos de prisão maior.

Pelo acima exposto, entende este Tribunal que, a alteração da pena recorrida de 20 para 23 anos de prisão maior, não violou o princípio da proibição da reformatio in pejus

 DECIDINDO     

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 29 de Outubro de 2019

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães (Relator) 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria de Fátima L. A.B da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata