Loading…
Acórdãos > ACÓRDÃO 583/2019

Conteúdo

ACÓRDÃO N.º 583/2019

 

PROCESSO N.º 726-B/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO 

Maria da Imaculada Melo e Colégio Imaculado Coração de Maria melhor identificados nos autos, vieram ao Plenário do Tribunal Constitucional interpor recurso de uniformização de jurisprudência, nos termos do n.º 2 do artigo 46.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), apresentando as alegações que se transcrevem:

“... Os Recorrentes intentaram recurso ordinário de inconstitucionalidade para apreciar em sede de fiscalização concreta a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 292.º do C.P.C. que julga deserto o recurso admitido no Processo n.º 1842/16-B1, alegadamente por pagamento extemporâneo das custas judiciais, apesar de o pagamento ter sido efectuado.

Devidos os termos, procedimentos e remissões legais efectuadas estas guias foram impugnadas por falta de precisão, clareza e determinabilidade das custas não corresponderem às exigências legais, situação que, como se demonstra, não têm por consequência a deserção do recurso por não pagamento atempado, pois mesmo que fosse imputável à parte tal situação, como se presume do entendimento firmado em juízo, a penalidade estipulada por lei é o pagamento das custas em dobro. Daí a questão constitucional que se levanta ao pagamento das custas que foi considerado extemporâneo.

Deste modo, foi impugnada esta situação no decurso do processo e constitui um dos pedidos efectuados no recurso ordinário de inconstitucionalidade, pois pretende-se que se fixe a interpretação das normas constantes do Código das Custas Judiciais em face da reclamação apresentada, bem assim como se declare a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 292.º do CPC na aplicação do caso concreto.

Os embargantes citaram e anexaram jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre matéria e invocaram a violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, que lhes assiste, consagrado no art.º 29.º da CRA.

O recurso ordinário de inconstitucionalidade foi interposto do Despacho de indeferimento liminar, assim designado, mas que se trata de sentença final porquanto põe fim ao processo e apresenta estrutura de sentença como se pode observar nos autos a fls. 12 a 14. Nela constata-se que o Meritíssimo Juiz da causa apresenta os fundamentos aduzidos pelos embargantes, identifica a questão a decidir e tira conclusões com base na exposição e profere por fim a decisão.

Acontece que o presente Acórdão, de que se recorre para o Plenário desse Venerando Tribunal, não aprecia em concreto pedidos efectuados, quais sejam: a interpretação solicitada sobre a exigência da precisão e determinabilidade da cobrança das custas devidas entende que a jurisprudência citada sobre a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 292.º do CPC apenas faz caso julgado no processo em que foi suscitado.

Por isso, o Acórdão conclui que esta norma invocada pelos Recorrentes como ferida de inconstitucionalidade mantém-se em vigor e que o recurso interposto não preenche os requisitos da alínea b) do artigo 37.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, descurando que a arguição da inconstitucionalidade da norma foi efectuada nos termos da al. e) do n.º 2 do art.º 180.º da CRA.

Do exposto resulta que se está perante questão de inconstitucionalidade que foi decidida pela Câmara e que contraria decisões anteriores sobre a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 292.º do CPC proferidas pelo Tribunal Constitucional, relativamente a mesma norma, pelo que pretendem os Recorrentes uniformização de jurisprudência...”.

Terminam solicitando que o recurso seja aceite e prossiga nos termos do artigo 763.º, do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o artigo 2.º da LPC.

Juntam cópias de decisões deste Tribunal Constitucional.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional foi interposto nos termos e com os fundamentos dos artigos 46.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, da LPC, 763.º e seguintes do CPC e 2.º da LPC, pelo que este Tribunal é competente para conhecer da questão.

III. LEGITIMIDADE

Os Recorrentes são Réus numa acção de execução para pagamento de quantia certa.

Assim sendo, os Recorrentes têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da LPC.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é saber se existe oposição de julgados entre o Acórdão n.º 559/2019, proferido pela 2.ª Câmara deste Tribunal e os Acórdãos nºs 393/2016 e 387/2016, proferidos pelo Plenário deste mesmo Tribunal, que possa justificar a pretendida uniformização de jurisprudência.

V. APRECIANDO 

Nos termos do disposto no artigo 690.º do Código de Processo Civil (CPC) é jurisprudência corrente dos Tribunais Superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

Como é sabido, os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais não incumbe averiguar a intenção dos recorrentes, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame.

As conclusões das motivações não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos, mas constituir uma resenha clara que proporcione ao Tribunal Superior uma correcta compreensão do objecto dos recursos.

No caso concreto, os Recorrentes não apresentaram as necessárias conclusões, mas das alegações consegue perceber-se as questões que pretendem ver decididas.

 Assim, nesta fase processual e nos termos do artigo 766.º do CPC, tem-se como única questão a conhecer, a existência ou não de oposição que sirva de fundamento ao recurso. 

São requisitos substanciais da admissibilidade e prosseguimento dos recursos de fixação de jurisprudência conforme resulta do artigo 763.º do C.P.C. :


- a fixação de soluções opostas para a mesma questão de direito;
- que as decisões em oposição sejam expressas;

- que as situações fácticas em ambas as situações sejam idênticas; e 

- que tenham sido proferidas no âmbito do mesmo regime jurídico.

 
Da leitura das alegações, do Acórdão recorrido e dos dois acórdãos juntos pelos Recorrentes que serviram de fundamento, não se vislumbra que se esteja em presença de Acórdãos que tenham versado de modo oposto sobre a mesma questão jurídica, pressuposto indispensável para que se verifique oposição de julgados. Antes pelo contrário.  

Quando a lei se refere a soluções opostas, pressupõe que entre os Acórdãos seja semelhante a situação de facto, que não tenha ocorrido similitude a nível da decisão jurídica e haja contradição de julgamentos relativamente à mesma questão de direito. 

Existem soluções opostas quando se fazem interpretações antagónicas da mesma norma jurídica, levando a aplicação diversa daquela a factos idênticos, ou seja, em presença de factos semelhantes são proferidas decisões contrárias. 
Também, o Professor Alberto dos Reis refere que: “Dá-se a oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão for resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas”in Breve Estudo Sobre a Reforma do Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 166.

Feita esta breve resenha e por ser relevante para a compreensão do que se solicita a este Tribunal, transcreve-se parte do acórdão recorrido da 2.ª Câmara deste Tribunal Constitucional: “... A fiscalização concreta da constitucionalidade tem um papel relevante do ponto de vista jurídico-constitucional, na medida em que afirma a subordinação dos Tribunais à Constituição e transforma todos os indivíduos e entidades envolvidos em processos judiciais em guardiães da Constituição e do Estado de Direito.

Têm tratamento, em processo constitucional, os recursos de decisões que apliquem normas já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, nos termos da alínea c) do artigo 36.º da Lei n.º 3/08 da LPC. 

A Lei do Processo Constitucional estabelece pressupostos de recurso para o Tribunal Constitucional e especificamente nos artigos 36.º e do § único do artigo 49.º da LPC. 

No caso concreto, o recurso ordinário de inconstitucionalidade não é o recurso adequado para atacar o Despacho que indeferiu os embargos e o agravo interposto do despacho. 

As alegações invocadas pelos Recorrentes teriam fundamento na acção declarativa, nos termos da alínea b) do artigo 37.º, o que não ocorreu, perdendo, assim, os Recorrentes o direito de recorrer por não reunir o pressuposto da alínea b) do n.º 1, do artigo 36.º e, por força do n.º 3 do artigo 36.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, a sentença ter transitado em julgado. 

Em relação à jurisprudência citada pelos Recorrentes, a decisão apenas faz caso julgado no processo em que foi suscitada, conforme n.º 1 do artigo 47.º da LPC. 

A norma invocada pelos Recorrentes como ferida de inconstitucionalidade, artigo 292.ª do CPC, mantém-se em vigor. 

O recurso interposto não preenche os requisitos da alínea b) do artigo 37.º e deve ser indeferido por força do n.º 3 do artigo 36.º, ambos da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (LPC) ”.

Relevantes são também os acórdãos fundamento, anexos pelos Recorrentes às suas alegações com os Acórdãos nºs 393/2016 e 387/2016, que se pronunciam sobre a deserção do recurso decorrente da falta de pagamento das custas e não apresentação atempada das alegações, caso em que se entende estar desconforme aos princípios constitucionais.

Com efeito, no Processo n.º 396-A/2013 diz-se o seguinte: “... Nesta esteira a primeira parte do número 1 do artigo 292.º do CPC quando estabelece que “os recursos são julgados desertos pela falta de pagamento das custas” não está conforme a Constituição, pois o novo ordenamento jurídico – constitucional angolano não se compagina com a regra da deserção do recurso por falta de pagamento das custas.

Este Tribunal, enquanto Tribunal dos direitos fundamentais e garante da Constituição, entende que, ponderados os valores em causa e sem prejuízo do pagamento das custas devidas com as respectivas multas, a tutela jurisdicional deve ser de facto efectiva, em respeito ao artigo 29.º da CRA, o que não ocorreu no caso concreto. Com efeito, a norma do artigo 292.º do CPC na parte que sanciona com deserção o recurso por falta de pagamento de custas judiciais, não está conforme à CRA, por desatender a princípios constitucionais de protecção do direito ao recurso e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º) do direito a julgamento justo e conforme (artigo 72.º), sacrificando desproporcionalmente estes valores constitucionais...”.

O outro Acórdão, acima referenciado, conclui como o anterior, sempre que a falta de apresentação de alegações atempada, comine na deserção do recurso.

No caso em análise, no Acórdão recorrido deste Tribunal Constitucional, decidiu-se não admitir o recurso por falta dos pressupostos da alínea b) do n.º 1 artigo 37.º e n.º 3 do artigo 36.º, ambos da Lei n.º 3/08, ou seja, porque os Recorrentes não suscitaram a inconstitucionalidade da norma perante o Tribunal que proferiu a decisão (o Tribunal da 1ª Instância) e porque o recurso ordinário de inconstitucionalidade só se pode interpor da decisão final, o que não é manifestamente o caso.

O Acórdão do Tribunal Constitucional só lateralmente se refere ao artigo 292.º, porque referido pelos Recorrentes, para dizer que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeitos erga omnes, mas sem que tenha a ver com a questão em análise.

Por sua vez, os Acórdãos fundamento foram proferidos no âmbito de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, espécie diferente, pronunciando-se apenas quanto à inconstitucionalidade do mencionado artigo 292.º sempre que comine a deserção de recurso por falta de pagamento de custas ou apresentação atempada de alegações, mas que, como salienta este Tribunal Constitucional e bem, não vincula o julgador noutros processos (vide n.º 1 do artigo 47.º da LPC).

A divergência entre os Acórdãos em causa está no facto de terem sido apreciadas questões jurídicas distintas: num caso estava em causa o recurso ordinário de constitucionalidade quanto à norma do artigo 292.º do CPC e, nos demais, um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, porquanto a interpretação deste dispositivo viola princípios constitucionais, mormente, o direito ao recurso, o que manifestamente não é a mesma situação jurídica.  
A divergência de decisões justificativa de fixação de jurisprudência tem que se reportar ao núcleo essencial do problema jurídico solucionado, separando-se dele o que não passa de mero pormenor, sem relevância para a solução adoptada num e noutro Acórdão, como foi o caso, quando se fez referência ao artigo 292.º do CPC.

Uma vez que nas ditas decisões em oposição se apreciaram situações concretas distintas, os Acórdãos em causa não expressam soluções antagónicas quanto à mesma questão fundamental de direito, ou seja, não se está perante soluções opostas para a mesma questão de direito. 
Daí se conclui que, faltando um dos requisitos substanciais que é a inexistência de oposição de julgados, deve ser rejeitado o recurso de uniformização de jurisprudência.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:  

Custas pelos Recorrentes, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, LPC. 

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Novembro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) ­

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima L. A B. da Silva 

Dr. Simão de Sousa Victor (Relator) 

Dra. Victória Manuel da Silva Izata