ACÓRDÃO N.º 591/2019
PROCESSO N.º 715-C/2019
(Processo relativo a Partidos Políticos e Coligações)
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Fernando Pedro Gomes, Ndonda Nzinga, Borges Marcos e outros, com os demais sinais de identificação nos autos, vêm interpor recurso do Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 21 de Maio de 2019, constante de fls. 16 e 17 dos autos, que indeferiu o pedido de anotação do Congresso Extraordinário Inclusivo da FNLA, realizado de 20 a 24 de Junho de 2018, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho-Lei do Processo Constitucional (LPC), conjugado com o artigo 29.º da Constituição da República de Angola (CRA), o artigo 680.º do Código do Processo Civil (CPC) e os n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º e o n.º 2 do artigo 20.º, ambos dos Estatutos da FNLA.
Para o efeito, apresentaram a seguinte argumentação:
Os Requerentes terminam a sua exposição pedindo o seguinte:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II. COMPETÊNCIA
Cabe ao Presidente do Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o pedido apresentado pelas partes, e da sua decisão, enquanto órgão singular, caberá recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, enquanto órgão colegial.
Tratando-se de um recurso de uma decisão proferida pelo Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, cabe ao Plenário deste órgão pronunciar-se, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da LPC, aqui aplicado com as devidas adaptações.
III. LEGITIMIDADE
Para intervir no processo, afigura-se necessário a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. Os Requerentes são militantes da FNLA e foi nesta qualidade que realizaram um Congresso que não foi anotado pelo Tribunal Constitucional, de cuja decisão de rejeição de anotação interpuseram recurso para o Plenário desta instância judicial.
Assim, os Requerentes têm interesse directo no andamento do processo, e em consequência, legitimidade para nele praticarem quaisquer actos permitidos por lei.
IV. OBJECTO
O objecto do presente processo é o Despacho proferido pelo Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, que indeferiu o pedido de anotação do Congresso Extraordinário Inclusivo, realizado por alguns militantes do Partido FNLA, por incumprimento do disposto na alínea r) do n.º 9 do artigo 34.º dos Estatutos.
V. APRECIANDO
A questão central do presente recurso reside em aferir o cumprimento dos requisitos legais e estatutários na realização do congresso em causa para, por fim, o Plenário deste Tribunal decidir manter, ou não, o Despacho recorrido.
Para a realização de um congresso extraordinário, temos a referir que os Estatutos e a lei estabelecem os seguintes pressupostos:
Na verdade, decorre da lei o dever de os partidos políticos, após a realização de um congresso extraordinário ou reunião análoga, no prazo de 45 dias, remeterem ao Tribunal Constitucional os documentos referentes ao acto, com vista à sua anotação e registo.
Assim, temos a citar os seguintes requisitos, consagrados no n.º 1 do artigo 21.º da LPP, que são, via de regra, objecto de análise por parte deste Tribunal para efeitos de anotação, ou não, dos congressos:
Importa esclarecer que a anotação dos congressos tem um efeito similar ao da legitimidade, ou seja, se estes não forem anotados pelo Tribunal Constitucional, não produzirão os efeitos pretendidos pelas partes, na medida em que poderemos estar diante de irregularidades, violações da lei, que impedem que se reconheça e se aceite o que foi decidido nestas reuniões partidárias.
O pedido apresentado pelos Requerentes foi indeferido devido a violações de normas legais e estatutárias.
A convocatória é o documento que leva a informação aos seus destinatários sobre um evento, tratando-se na verdade de uma formalidade que, pela sua importância, deve ser entendida e classificada como essencial. A validade do Congresso pode ser posta em causa se forem detectadas falhas, ou irregularidades no acto da sua convocação.
No âmbito do princípio democrático em que a acção dos partidos políticos se deve nortear, o n.º 6 do artigo 20.º da LPP exige que as convocatórias dos congressos sejam publicadas num jornal de grande tiragem, cujo âmbito de distribuição abarque uma área considerável do território nacional. A este requisito deve anteceder um outro, relativo à competência para convocar congressos.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 22.º da LPP, 50%+1 dos membros do Comité Central, em pleno exercício das suas funções, podem convocar congressos extraordinários, desde que a situação o exija. Assim, exige-se dois requisitos cumulativos; não basta que os membros do Comité Central convoquem, é ainda necessário que a situação objectiva do partido o exija. No caso, terá de haver inércia dos órgãos de gestão do partido, incumprimento grave e reiterado das normas legais e estatutárias.
Nestas situações poderemos ter reuniões extraordinárias que, pela sua natureza, serão convocadas para tratar de aspectos específicos e concretos e que não entram para o quadro de actos correntes praticados pelas entidades que gerem o Partido.
A situação ora em apreciação não justifica a convocação de um congresso extraordinário, visto que o último conclave do Partido FNLA foi realizado em 2015 pelo, que após 4 anos (2019) deve ser realizado um outro Congresso ordinário.
Nos termos da alínea m) do n.º 3 do artigo 26.º dos Estatutos, 50% + 1 dos membros do Comité Central podem propor ao Presidente do Partido a convocação de congressos extraordinários, quando for necessário.
Contudo, para que a convocação seja estatutariamente válida, urge que existam três requisitos, nos termos das alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 22.º dos Estatutos conjugados com o disposto na alínea m) do n.º 3 do artigo 26.º dos Estatutos, nomeadamente:
Os Requerentes afirmam, no seu documento, que o Presidente do Partido não anuiu à proposta apresentada pelos membros do Comité Central. Entende-se que os membros do Comité Central apenas propõem, o Presidente do Partido não é obrigado a aceitar, pelo que se este negou, apenas exerceu uma faculdade que lhe está estatutariamente conferida.
O não cumprimento de um dos requisitos é suficiente para que a convocação seja considerada irregular, pelo que, neste sentido e faltando um dos pressupostos, a convocatória para o Congresso não pode ser considerada válida.
O n.º 2 do artigo 22.º dos Estatutos da FNLA prevê a possibilidade de a convocação do Congresso extraordinário ser feita pelos membros do Comité Central, nas situações em que o Presidente está impedido de o fazer. Nestes casos e porque as reuniões devem ser realizadas, há outros mecanismos para garantir o normal funcionamento do Partido que, em função das exigências democráticas e organizacionais, não pode ficar refém da vontade de uma única pessoa. Nesta situação, justifica-se a actuação dos membros do Comité Central como solução de última ratio, de modo a evitar males maiores. Está-se perante uma dimensão de proporcionalidade que não deve, de maneira nenhuma, ser ignorada, meio que se vai utilizar para o alcance de um bem maior.
Além de não existir uma situação extraordinária, nos termos legais e estatutários, ao ponto de justificar a convocação de um Congresso, os factos apresentados pelos Recorrentes não devem proceder na medida em que o Congresso Ordinário que resultou na eleição do actual Presidente em 2015 foi anotado pelo Tribunal Constitucional, reconhecendo a sua validade.
Assim, o mandato deve ser respeitado e, uma vez sabendo que este tem a duração de 4 anos, nos termos do nº 2 do artigo 34.º dos Estatutos, o próximo congresso para eleição do novo Presidente deve ser realizado dentro do período legal, pelo que o actual Presidente deve manter o exercício do seu mandato, pois, não foram verificadas situações susceptíveis de os militantes afastá-lo do cargo, nos termos da LPP e dos Estatutos.
Ademais, o “anúncio da convocação do Congresso Extraordinário deve ser feito em reunião ordinária ou extraordinária do Comité Central, com as causas devidamente fundamentadas”, nos termos do nº 3 do artigo 23.º dos Estatutos.
As reuniões do Comité Central são convocadas ordinariamente de 12 em 12 meses e, extraordinariamente, sempre que for necessário. Apenas o Presidente do Partido tem o poder para convocar as reuniões do Comité Central, independentemente da sua natureza, ouvido o Bureau Político, tal como estabelece o artigo 28.º dos Estatutos. Ao Presidente compete, ainda, dirigir as reuniões do Comité Central, nos termos do que vem consagrado no n.º 2 do artigo 28.º e da alínea t) do n.º 9 do artigo 34.º dos Estatutos.
Analisados os documentos que os Requerentes remeteram ao Tribunal Constitucional, verifica-se que não houve cumprimento das regras acima referidas, não houve reunião do Comité Central e nem foi anunciada a realização de um Congresso Extraordinário.
Realça-se que o que os Recorrentes apresentam para justificar o pedido, de facto, é um documento assinado por alguns militantes, através do qual se constituiu, de modo ilegítimo, um grupo de trabalho para preparar o Congresso Extraordinário.
Assim, mesmo que por mera hipótese existissem razões para se considerar válido o referido Congresso, questões estatuariamente obrigatórias que devem anteceder à sua realização não foram cumpridas, pelo que, tal qual efeito cascata, tal conclave também não deve ser considerado válido.
De enfatizar que, contrariamente às alegações dos Recorrentes, o constante no presente recurso não se confunde com o que foi apreciado pelo Tribunal Constitucional e que culminou no Acórdão n.º 383/2016, em que este Tribunal se pronunciou sobre um conflito interno que envolvia militantes do PDP-ANA, na medida em que este Partido, por factos imputáveis ao seu antigo líder, Sidiangani Mbimbi, estava mergulhado numa letargia crónica, que punha em causa os objectivos que justificaram a sua criação enquanto agremiação política.
Em face da situação existente, que ao mesmo tempo configurava violação grave e flagrante das normas constitucionais e legais aplicáveis aos Partidos Políticos, o Tribunal Constitucional, enquanto guardião da Constituição, teve de tomar uma posição, com o objectivo de repor a constitucionalidade e a legalidade.
É pertinente considerar que, no referido Acórdão, o Tribunal Constitucional, a respeito da referida situação pronunciou-se nos seguintes termos:
“É convicção deste Tribunal que a convocação do Comité Central pelo Secretário-geral adjunto resultou de uma omissão voluntária reiterada e sistemática do Presidente do Partido que tem o mesmo efeito da deliberada recusa da sua convocação. Uma omissão não apenas sem fundamento, mas à revelia da Lei dos Partidos Políticos, dos Estatutos do PDP-ANA, da Constituição e de uma decisão do próprio Tribunal Constitucional. Uma negação tácita, implícita numa conduta omissiva que se confunde e se equipara ao abandono de funções e ao impedimento definitivo do Presidente que, de motu próprio, se excluiu da vida partidária do PDP-ANA ao ponto de arriscar a extinção do próprio Partido.”
Face ao acima aduzido, o Tribunal Constitucional considera que a questão da convocação para a realização do Congresso Extraordinário Inclusivo não obedeceu às regras legais e estatutárias sobre a matéria.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Dezembro de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) - Declarou-se impedido.
Dr. Guilhermina Prata (Vice-Presidente e Relatora)
Dr. Carlos Alberto Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dr.ª Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dr.ª Maria da Conceição Almeida Sango
Dr.ª Maria de Fátima da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata