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  ACÓRDÃO N.º 593/2019

 

PROCESSO N.º 720-D/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Júlio Kakuti, com os demais sinais de identificação nos autos, veio junto do Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do processo n.º 1812/18.

O Recorrente foi acusado, pronunciado e condenado em primeira instância na pena única de 6 (seis) anos de prisão maior, pelo crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo n.º 2 do artigo 435.º do Código Penal (CP).

Discordando da sentença, interpôs recurso junto do Tribunal Supremo.

Em sede daquela instância, o processo foi à vista do Ministério Público que, no seu parecer, promoveu o agravamento da pena.

O Tribunal Supremo em concordância com o parecer do Ministério Público, agravou a pena do Recorrente de 6 (seis) para 12 (doze) anos de prisão maior.

Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou, em síntese, as seguintes alegações:

  1. O Tribunal ad quem violou gravemente as disposições constitucionalmente consagradas nos termos do n.º 1 do artigo 67.º conjugado com o n.º 2 do artigo 174.º da CRA, porquanto o direito substantivo penal proíbe a reformatio in pejus, porém consagra a excepção… o tribunal ad quem, deveria notificar o réu, para defender-se desta alteração da pena que culminou com a modificação de 6 (seis) anos de prisão para 12 anos de prisão maior;
  2. O Tribunal Supremo postergou de forma inequívoca a Constituição em detrimento da apetência para condenar o réu.

O Recorrente terminou as alegações, pedindo que se declare inconstitucional o Acórdão do Tribunal Supremo, por este ter violado de forma clara as disposições constantes da alínea g) do artigo 63.º, o n.º 1 do artigo 67.º e o n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA, bem como o n.º 2 do § 1.º do artigo 667.º e o 415.º, ambos do Código de Processo Penal (CPP).

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é apelante no processo n.º 1812/18, que deu lugar à decisão recorrida, pelo que tem legitimidade para apresentar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade nos termos da alínea a) do artigo 50.º LPC, que dispõe: “têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto apreciar a constitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo que agravou a pena do Recorrente, de 6 (seis) para 12 (doze) anos de prisão maior.

V. APRECIANDO

O Recorrente sustenta nas suas alegações que o Acórdão do Tribunal Supremo, ao decidir como decidiu, violou princípios e garantias constitucionais constantes da alínea g) do artigo 63.º do n.º 1 do artigo 67.º e o n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA, bem como o n.º 2 do § 1.º do artigo 667.º e  415.º,  ambos do Código de Processo Penal (CPP).

Consta dos autos que o Recorrente, não satisfeito com a decisão do tribunal a quo, interpôs recurso junto do Tribunal Supremo.

De acordo com os autos, constata-se, a fls. 103, que o Ministério Público junto do Tribunal Supremo emitiu um parecer no sentido do agravamento da pena.

O Tribunal Supremo decidiu agravar a pena, reformando a mesma de 6 (seis) para 12 (doze) anos de prisão maior.

O Recorrente em sede de alegações junto do Tribunal Constitucional alega que “O Tribunal ad quem violou gravemente as disposições constitucionais … porquanto o direito substantivo penal proíbe a reformatio in pejus, porém consagra a excepção… o tribunal ad quem, devia notificar o réu, para defender-se desta alteração da pena que culminou com a modificação de 6 (seis) anos, para 12 (doze) anos de prisão maior”.

Tendo em consideração o exposto, coloca-se a questão de saber, se a decisão do Tribunal Supremo está em conformidade com a Constituição e a lei.

A). Sobre a Violação do Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus 

O princípio da proibição da reformatio in pejus  consiste no impedimento imposto ao tribunal ad quem de agravar a pena, quando o recurso é impetrado pelo réu ou pelo Ministério Público, ou por ambos no interesse exclusivo do arguido.

A proibição da reformatio in pejus tem como escopo fundamental evitar que  o arguido, perante a possibilidade de ver a pena agravada, tenha receio de recorrer da sentença condenatória que considere injusta ou infundada.

O referido princípio visa salvaguardar não só as garantias de defesa do arguido mas, sobretudo, o princípio constitucional do direito de recurso.

O artigo 667.º do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que “Interposto recurso ordinário de uma sentença ou acórdão somente pelo réu, pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, ou pelo réu e pelo Ministério Público nesse exclusivo interesse, o tribunal superior não pode, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrente;

1.º Aplicar pena que, pela espécie ou medida, deva considerar-se mais grave do que a constante da decisão recorrida;

2.º Revogar o benefício da suspensão da execução da pena ou o da sua substituição por pena menos grave;

3.º Aplicar qualquer pena acessória, não contida na decisão recorrida, fora dos casos em que a lei impõe essa aplicação:

4.º Modificar, de qualquer modo, a pena aplicada pela decisão recorrida.

  • 1.º A proibição estabelecida neste artigo não se verifica:

1.º Quando o tribunal superior qualificar diversamente os factos, nos termos dos artigos 447.º e 448.º, quer a qualificação respeite à incriminação, quer a circunstâncias modificativas das penas;

2.º Quando o representante do Ministério Público junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena, aduzindo logo fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito dias.

Segundo o Professor Grandão RAMOS “Ao Ministério Público compete fundamentalmente defender a legalidade e a ordem jurídica em geral, a realização correcta do direito penal substantivo e pugnar por sentenças justas. …” Noções Fundamentais, Direito Processual Penal, pág. 333.

O Tribunal Constitucional conclui que, não tendo havido recurso no exclusivo interesse do Réu, não se verifica violação no principio da proibição da reformatio in pejus, conforme dispõe o artigo 667.º do CPP. 

B). Sobre o Princípio do Contraditório

Compulsados os autos, verifica-se que o Recorrente não foi notificado do parecer do Ministério Público que no seu visto inicial promoveu o agravamento da pena. Ora, não foi dada ao Recorrente, a oportunidade de defesa, conforme estabelece o n.º1 do artigo 67.º e  o n.º 2 do artigo 174.º da CRA.

A omissão da notificação do Recorrente sonegou o seu direito ao contraditório, isto é, o seu direito de dizer de sua justiça sobre a posição do Ministério Público, quanto a agravação da pena, pelo que a omissão viola o princípio constitucional da igualdade de partes no processo.

O Tribunal Supremo ao proferir o Acórdão não atendeu o princípio do contraditório baseando-se unicamente na posição de uma das partes do processo, o que contraria o espírito da igualdade de armas que deve presidir a todo processo.

O Tribunal Constitucional entende que o Acórdão recorrido violou o direito à defesa, consagrado no n.º 1 do artigo 67.º, e o direito ao contraditório, vertido no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA, bem como o n.º 2 do § 1.º do artigo 667.º e do artigo 415.º ambos do CPP, pelo que devem os presentes autos ser remetidos ao Tribunal Supremo para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da LPC.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 03/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 19 de Dezembro de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

 Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango (Relatora)

Dra. Maria de Fátima L. A B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata