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ACÓRDÃO N.º 594 /2020

 

PROCESSO N.º 722 –B /2019

Recurso Extraordinário de inconstitucionalidade – Habeas Corpus

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Constantino de Jesus César, melhor identificado nos autos veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 014/19, que negou provimento à providência de Habeas Corpus, ao confirmar a decisão exarada pelo Tribunal Provincial do Huambo, na sequência da substituição da medida de coacção pessoal de termo de identidade e residência, para a medida de prisão preventiva.

O Recorrente alegou no essencial que:

  1. Foi indiciado por suspeita da prática do crime de peculato, previsto e punível nos termos da conjugação dos artigos 313.º, 437.º e 421.º n.º 5, todos do Código Penal (CP), tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção pessoal de termo de identidade e residência, com a obrigação de apresentação semanal junto ao Gabinete do Magistrado do Ministério Público adstrito ao processo, bem como a interdição de saída do país sem prévia autorização;
  2. O Ministério Público, sem para tal apresentar fundamentação bastante, alterou a medida de coacção para a de prisão preventiva, medida corroborada pelo Juiz de Turno e posteriormente pelo Tribunal ad quem;
  3. O Tribunal ad quem reconhece no seu Acórdão a ilegalidade da decisão, ao referir que a alteração da medida de coacção deve ser feita mediante apresentação dos factos que indiciam a verificação dos pressupostos da prisão preventiva, e não apenas limitar-se à utilização de expressões genéricas para justificar a alteração da medida de coacção;
  4. Resulta da lei que a não fundamentação do despacho, torna ilegal a medida aplicada, sendo que a mera invocação da gravidade do crime, do perigo de continuação da actividade criminosa e da necessidade de conservação da prova, como justificativos para a manutenção da medida, atentam contra o princípio constitucional da presunção de inocência e de um processo penal construído para a defesa dos direitos, liberdades e garantias;
  5. O Tribunal ad quem justifica a manutenção da medida alegando que enquanto o ora Recorrente se encontrava sob a medida de coacção pessoal de termo de identidade e residência, outros processos foram sendo instruídos, estando o aqui Recorrente também envolvido; no entanto, tais processos nada mais eram do que meras declarações prestadas por outrem, sem que tivesse sido feita qualquer acareação com o aqui Recorrente de modo a respeitar o princípio do contraditório;
  6. A manutenção da medida de coacção de prisão preventiva é um claro atropelo aos procedimentos e fundamentos que subjazem à aplicação desta mesma medida, mostrando-se assim excessiva e inconsistente e por isso ilegal.

O Recorrente termina pedindo a declaração de inconstitucionalidade do acórdão recorrido e a alteração da medida de coacção pessoal de prisão preventiva, por violação dos princípios da legalidade, do contraditório e da presunção de inocência e por violação do dever de fundamentar as decisões, nos termos dos artigos 6.º, 26.º, 63.º, 64.º, 67.º, 72.º e do n.º 2 do artigo 174.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA).

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir. 

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, de “Sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.

Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

A legitimidade para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade cabe, no caso de sentença, à pessoa que, de harmonia com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, possa dela interpor recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.

Igualmente tem legitimidade para recorrer, aquele que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, nos termos do nº 1, do artigo 680.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicado ex vi do artigo 2.º da LPC, que estabelece a aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil aos processos de natureza jurídico-constitucional.

Ora, o Recorrente é parte no Processo nº 014/19, que correu termos na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, pelo que tem legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto analisar, se o Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo - Processo nº 014/19, que corroborou a alteração da medida de coacção de termo de identidade e residência (TIR), interdição de saída do país e obrigação de apresentação semanal junto ao Gabinete do Magistrado do Ministério Público, confirmada pelo Juiz de Turno do Tribunal Provincial do Huambo, para a medida de coacção pessoal de prisão preventiva, viola direitos e princípios consagrados constitucionalmente.

V. APRECIANDO

É submetido à apreciação do Tribunal Constitucional o Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo - Processo nº 014B/19, que manteve a medida de coacção anteriormente aplicada ao ora Recorrente pelo Juiz de Turno do Tribunal Provincial do Huambo.

O aqui Recorrente foi constituído arguido por despacho exarado pelo referido Juiz de Turno, que decretou a substituição das medidas de termo de identidade e residência (TIR), interdição de saída do país e obrigação de apresentação semanal junto ao Gabinete do Magistrado do Ministério Público, para a medida de coacção pessoal de prisão preventiva.

Para o efeito, o Juiz de Turno do Tribunal Provincial do Huambo, sob o Processo Nº 3297/2018  fundamentou  o seu despacho, referindo a fls 14 que, No entanto, após o co-arguido Constantino de Jesus César ter sido constituído arguido e submetido a aplicação da medida de coacção pessoal de TIR, com as exigências de apresentação periódica, bem como a não perturbação da instrução preparatória dos autos, à Procuradoria-geral da República local, foram dando entrada de outros processos-crime no qual está claramente envolvido, cujas acções criminosas tiveram a comparticipação dos também co-arguidos João Sérgio Raul, Victor Chissingui, Claudino Sicato Fernandes Isaías, Alberto Firmino Canganjo Pintar e outros.

Ora,

Atendendo a gravidade dos crimes pelos quais o co-arguido Constantino de Jesus César vem indiciado, valorando os avultados valores descaminhados ao erário público, até ao momento não suficientemente esclarecidos, o Digno Magistrado do Mº Pº adstrito ao processo, entendendo que a medida de coacção pessoal de TIR então decretada ao co-arguido não era suficiente pois, caso permanecesse em liberdade poderia perturbar a instrução preparatória dos autos, a produção e integridade da prova, bem como encontrar terreno fértil para a continuação da actividade criminosa, no dia 20 de Dezembro de 2018 considerou quebrada a primeira medida, aplicando-lhe em substituição a medida mais gravosa que é a de prisão Preventiva, nos termos do art.º 16.º al. G), 19.º al. B) e C) e 36.º nº1, todos da Lei nº 25/15, de 18 de Setembro”.

O referido Magistrado Judicial continuou referindo a fls. 15 “ser necessária, adequada e proporcional para salvaguardar a normal tramitação do processo em sede de investigação criminal, garante a conservação e integridade da prova, bem como afasta o perigo de continuação da actividade criminosa por parte do co-arguido Constantino de Jesus César”.

Inconformado com a decisão do Juiz de Turno, o Recorrente interpôs uma providência de habeas corpus junto ao Tribunal Supremo, que julgou improcedente, referindo o Acórdão recorrido daquela suprema instância judicial, sob o nº 033/19, a fls. 62 verso, que “o despacho recorrido, exarado pelo Meritíssimo Juiz de Turno, que confirma a medida de coacção (de prisão preventiva) aplicada pelo Magistrado do Ministério Público ao arguido Constantino César apresenta fundamentação suficiente para que não seja declarado nulo, não obstante, não nos parecer ser uma daquelas situações em que o recurso a Expressão genérica constantes do art.º 19.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, para alterar a medida de coacção aplicada, sobrepondo a mais gravosa, justifica-se por causa do carácter secreto da instrução preparatória, quando o magistrado não pode avançar mais dados sobre provas que estiver a ser carreadas aos autos com busca a fundamentar a acusação ou a sua abstenção (…)”.

O Acórdão nº 033/19 refere ainda a fls. 63 que em perfeita sincronia com o artigoº 36º da Lei nº 25/15, de 18 de Setembro, sem precisar de alicerçar-se no artigoº 22.º da mesma lei, como faz o Ministério Público junto desta instância, se novas provas carreadas no processo ou processos correlacionados justificarem a retirada do arguido de circulação, deve assim proceder o Juiz de Turno, confirmando o despacho do Magistrado do Mº Pº, que decreta a prisão e este fundamento encontra-se claro no douto despacho recorrido a fls. 11, visto que o crime em que o arguido é indiciado é um crime com alta censura no que se refere a reprovação social, tendo em conta o bem jurídico violado, sendo mesmo punível com pena de prisão maior e acresce a isto, a chegada de novos elementos de provas, permitindo assim a perfeita aplicação do artigoº 36.º da Lei das  Medidas Cautelares  acima já referenciada”(….)

“Pelo que confirmam a decisão recorrida”.

Face ao indeferimento da providência cautelar de habeas corpus através do Acórdão sob o Processo nº 014/19, proferido pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, o ora Recorrente interpôs um recurso extraordinário de inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional, que urge ora apreciar.

Os autores Maia Gonçalves e Germano Marques da Silva definem o habeas corpus como um modo de impugnação de detenções ou prisões ilegais que funciona quando, por virtude do afastamento de qualquer autoridade da ordem jurídica, os meios legais ordinários deixam de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos, é um direito subjectivo (direito – garantia) reconhecido para a tutela de um outro direito fundamental, dos mais importantes, o direito à liberdade pessoal, respectivamente.

Segundo António B. Alves o habeas corpus é o “remédio constitucional, contra o acto de ilegalidade, ou de abuso de poder, configurador de constrangimento à liberdade de locomoção”.

Em sede da doutrina e da jurisprudência a grande questão que se levanta quanto à natureza jurídica e finalidade do habeas corpus, é de saber se o mesmo habeas corpus é um recurso ou é simplesmente uma providência extraordinária (direito à tutela jurisdicional efectiva).

Será o habeas corpus, um recurso ou uma providência extraordinária?

No entender do Professor Germano Marques da Silva, o habeas corpus, é uma providência extraordinária para protecção da liberdade e não um processo de reparação de direitos ofendidos.

Assim, se a finalidade do habeas corpus é proteger e não reparar, pode-se considerar estar-se perante uma providência, com fim cautelar e não de um recurso, com fim meramente restabelecedor dos direitos violados.

Em boa verdade, aos recursos compete a função de obter a reforma de uma decisão eventualmente injusta, pelo que ao Tribunal Constitucional é vedado substituir-se ao tribunal detentor da jurisdição do processo. Deste modo, e como o habeas corpus não pode ter por objecto a apreciação da bondade ou irregularidade das decisões judiciais, pode-se concluir que o mesmo é uma providência extraordinária e que a intervenção do poder judicial nesta matéria, como que constitui o remédio extraordinário para pôr fim a eventuais abusos de poder, que sejam ofensivos do direito à liberdade.

Assim, legitimamente, todo o cidadão tem direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, nos termos do artigo 68° da CRA, conjugado com o § único do artigo 315° do Código de Processo Penal (CPP), conformando-se numa garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa do direito à liberdade, enquanto direito fundamental.

No entanto, na ordem jurídica angolana o legislador preocupou-se em fazer vincar literalmente o seu carácter de excepcionalidade, atribuindo-lhe requisitos e critérios específicos de aplicabilidade dentro de parâmetros rigidamente fixados e previstos na lei.

Ora, nos termos do artigo 68.º da CRA, o interessado pode requerer, perante o Tribunal competente, a providência do habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal.

  1. São exigidos, alternativamente, dois requisitos:
  • Abuso de poder, lesivo do direito à liberdade;
  • Detenção ou prisão ilegal.

Daí que a ilegalidade da prisão, nos termos do § único do artigo 315.º do CPP, pode advir de:

  1. Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tal não tenha competência legal;
  2. Ser motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão;
  3. Manter-se além dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a formação de culpa;
  4. Prolongar-se além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.

A interposição da providência de habeas corpus só é possível, caso se verifiquem estes requisitos e só pode ser deferida, caso se confirme a existência de, pelo menos, algum deles.

Neste recurso, o Recorrente alega que o Ministério Público, sem fundamentos bastante, alterou a medida de coacção anteriormente aplicada (Termo de Identidade e Residência, Obrigação de Apresentação Periódica às Autoridades e a Interdição de Saída do País), por outra medida de coacção pessoal mais gravosa, no caso a Prisão Preventiva, todas previstas respectivamente nas alíneas a), b), e) e g) do artigo 16.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal. (LMCCP)

E, por o Recorrente entender que não estão preenchidos os requisitos gerais do artigo 19.º da LMCCP, vem requerer que se declare inconstitucional o acórdão do Tribunal Supremo, que confirmou a decisão e pede, que o Tribunal Constitucional altere a medida de coacção pessoal de prisão preventiva, pois segundo aquele, a referida medida violou os princípios da legalidade, do contraditório, da presunção de inocência e o dever de fundamentar as decisões.

Neste caso, a situação configurada na lei afasta-se sobremaneira dos fundamentos aludidos pelo Recorrente para fazer jus à sua pretensão, na medida em que para a obtenção de deferimento neste tipo de providência, cabe ao Recorrente o ónus da prova da existência de qualquer um dos pressupostos elencados, o que servirá para satisfazer o pedido.

Contudo, no presente recurso o Recorrente não alega a violação de qualquer uma das alíneas supramencionadas e nem da análise dos autos resulta estarmos perante o incumprimento de qualquer um daqueles requisitos materiais,

Porquanto:

  1. A prisão do Recorrente foi efectuada e ordenada por alguém legalmente competente; foi motivada por facto pelo qual a lei autoriza a prisão;
  2. Está dentro dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a formação de culpa e, não se prolongou além do tempo fixado por decisão judicial, para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.

Ou seja, os fundamentos da ilegalidade não se verificam.

Atento ao exposto, afere-se que o princípio da taxatividade e do numerus clausus conformam a admissão da providência de habeas corpus, enquanto processo expedito, célere, legal, extraordinário e excepcional que assegura garantias de defesa efectiva e de reposição imediata da ilegalidade nos casos de detenções ou prisões arbitrárias, destinado a pôr termo o mais rápido possível a situações ilegais de privação da liberdade.

A ilegalidade a que se refere o Recorrente não tem como base alguns dos pressupostos do § único do artigo 315.º do Código de Processo Penal (CPP), pois, da análise do requerimento de interposição do recurso é possível por via de uma observação rápida e superficial, inferir facilmente que a motivação que levou à privação da liberdade, não encontra na lei base de sustentação bastante para se considerar abusiva a medida decretada.

Ademais, não se vislumbra em momento alguma qualquer indicação expressa de algum dos fundamentos contidos no § único do artigo 315.º do CPP, o que dita a inconsistência e a irrazoabilidade da pretensão do Recorrente.

Na verdade, a referida ilegalidade tem como escopo a verificação dos requisitos gerais de aplicação da medida de coacção pessoal de prisão preventiva.

Para verificação dos requisitos gerais de aplicação da medida de coacção e consequente reapreciação da medida de coacção, o instrumento jurídico idóneo a que se deve lançar mãos é o recurso ordinário a interpor junto do tribunal competente, para que este aprecie o mérito ou demérito da decisão no seu todo, pois, este Tribunal não está vocacionado a emitir decisões que conheçam do mérito da questão, visto que a ele compete em geral administrar a justiça em matéria jurídico-constitucional.

De realçar que a providência de habeas corpus, não tem a prerrogativa a que o Recorrente lhe pretendeu atribuir, pois, conforme já decorre da jurisprudência firmada no Acórdão n.º 236/13, deste Tribunal O habeas corpus não é um recurso, é uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade”.

Pelo que, não pode o Recorrente usar este expediente para conseguir um fim que só é alcançável com o recurso ordinário, que é a alteração da medida da coacção.

Ao interpor recurso para este Tribunal com este escopo, o Recorrente criou conflitos materiais, pois, nem a providência de habeas corpus serve para requerer a alteração da medida de coacção pessoal aplicada, nem o Tribunal Constitucional tem competência para o efeito.

O Recorrente confundiu a ratio do recurso ordinário com a da providência do habeas corpus.

Ademais, o Recorrente em vez de se preocupar em trazer aos autos os elementos constitutivos da providência de habeas corpus, limitou-se a apresentar factos que induzem indevidamente o Tribunal Constitucional a apreciar e discutir se os indícios da prática do ilícito são ou não suficientes para a prisão preventiva decretada, ou se os requisitos gerais de aplicação da medida de coacção estão preenchidos, nomeadamente o “fumus comissi delicti” e o “periculum libertatis”.

A ser assim, fluem dos princípios jurídicos acima mencionados (taxatividade e numerus clausus) duas consequências especialmente importantes:

  1. A providência de habeas corpus só obtém provimento em caso de observância individual ou cumulativa dos pressupostos consagrados na lei;
  2. O Recorrente tem o direito de contradizer e rebater as causas da sua detenção, mas não pode lançar mão do habeas corpus quando deve recorrer a outro meio de reacção, seguindo o expediente de recurso ordinário, que a ordem jurídica postula como meio de impugnação.

Deste modo, o Recorrente ao utilizar a providência de habeas corpus como meio de impugnação das questões suscitadas, próprias de um recurso ordinário, extravasa o âmbito material dessa providência, uma vez que os fundamentos apresentados não cabem nos requisitos previstos no artigo 315.º do CPP e no seu § único.

Conforme foi acima já referido, a alteração da medida de coacção teve como base a existência do fundado perigo de perturbação da instrução do processo, nomeadamente, à produção, conservação e integridade da prova, porquanto, o sucesso da investigação exigia ausência de contactos entre os arguidos, para que actos de simulação, de falsos álibis e a concertação entre todos de uma determinada versão dos factos, pudessem ser evitados.

Em suma, só em casos de existência de abuso lesivo do direito à liberdade e detenção ou prisão ilegal, desde que a detenção ou prisão seja: efectuada ou ordenada por quem para tal não tenha competência legal; motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão; mantida além dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a formação de culpa e prolongada além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação, é que a interposição da providência de habeas corpus será possível, ficando o seu deferimento condicionado pela confirmação da existência de, pelo menos, algum deles.

Pelas razões expostas, considera o Tribunal Constitucional que o presente recurso é improcedente, por não se verificarem os requisitos de forma do § único do artigo 315.º do Código de Processo Penal, obrigatórios para a apreciação da providência de habeas corpus. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas (nos termos do artigo 15º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 14 de Janeiro de 2020

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dr.ª Guilhermina Prata (Vice-Presidente) – Relatora 

Dr. Carlos Burity da Silva

Dr.  Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr.ª Josefa Antónia dos Santos Neto

Dr.ª Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dr.ª Victória Manuel da Silva Izata