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ACÓRDÃO N.º 601/2020

PROCESSO N.º 727-C/2019

Recurso para o Plenário (Processo relativo a Partidos Políticos e Coligações)

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

A Comissão Instaladora da UNIÃO DOS REINOS DE ANGOLA – PARTIDO POPULAR MONÁRAQUICO (URAPPM), com os demais sinais de identificação nos autos, representada pelo seu Coordenador, Carlos Alberto Contreiras Gouveia, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 18.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), interpor o presente recurso do Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, que rejeitou a inscrição do Partido e cancelou o credenciamento da respectiva Comissão Instaladora, por não ter preenchido os requisitos legais.

Notificada para alegar, tempestivamente, apresentou em síntese o seguinte:

  1. Que no dia 7 de Junho de 2018, a Comissão Instaladora da URAPPM, nos termos dos artigos 12.º e 14.º da Lei dos Partidos Políticos (LPP), requereu o credenciamento do seu partido, tendo sido, o pedido, deferido a 20 de Junho de 2018.
  2. Apresentou com o seu requerimento um processo com todos requisitos exigidos por lei para constituição de partido político.
  3. A 21 de Dezembro de 2018, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 12.º e dos nºs 1 e 2 do artigo 14.º, ambos da LPP, apresentou os Estatutos, Programa, extracto da Assembleia Geral que elegeu o corpo directivo, fotocópias de bilhetes de identidades de 10.500 cidadãos subscritores com as respectivas assinaturas, igual número de cartões de eleitor, atestados de residência individuais e colectivos, passados pelas respectivas administrações locais das 18 províncias de Angola, bem como o comprovativo do valor de kzs 500 000 00 (quinhentos mil kwanzas), correspondente ao património para o início das actividades do URAPPM.
  4. Em resposta ao Despacho de 19 de Fevereiro de 2019 do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, que exigia o suprimento da documentação em falta, a Comissão Instaladora apresentou ao Tribunal Constitucional um número superior aos documentos que faltavam e concluiu 22 mil assinaturas. Portanto, número superior ao previsto no n.º 1 do artigo 14.º da LPP, sendo estas acompanhadas da respectiva documentação, nomeadamente, atestados de residência, cópias de bilhetes de identidade e fichas de militantes subscritores.
  5. Apesar de tudo, o Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional rejeitou o pedido de inscrição do partido político em formação e, consequentemente, cancelou o credenciamento da respectiva Comissão Instaladora, ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 16.º e da parte final da norma do n.º 6 do artigo 12.º, ambos da LPP. Ora, a Comissão Instaladora não concorda com tal decisão, por isso, considera injusta a decisão do Juiz Presidente.
  6. Não colhe a fundamentação de falta de documentos e requisitos, assim como a acusação de falsificação referida no Despacho de indeferimento do Juiz Presidente, por não ser verdadeira e não reflectir o acervo documental apresentado pela Comissão Instaladora.
  7. A Comissão Instaladora acredita que terá havido por parte do Tribunal Constitucional algum lapso ou, na pior das hipóteses, terá havido extravio do dossier entregue. Por isso, requer que seja revisto o seu processo, a bem da justiça, pois foram violados os seus direitos consagrados na Constituição e na lei.

A Recorrente termina pedindo a revisão do processo de inscrição da URAPPM e, consequentemente, a nulidade do despacho impugnado e a sua inscrição como partido político.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 14.º da LPP, das alíneas a) e b) do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, ambos da Lei do Processo Constitucional (LPC), compete ao Tribunal Constitucional credenciar as comissões instaladoras e inscrever ou rejeitar os partidos políticos mediante despacho do Juiz Conselheiro Presidente.

Ao abrigo do n.º 1 do artigo 18.º Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), cabe recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do acto que ordene ou rejeite a inscrição de um partido político.

Assim, o Plenário deste Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, por força da alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da LPC.

III. LEGITIMIDADE

Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da LPC, conjugado com o n.º 2 do artigo 18.º da LPP, determina a legitimidade da Recorrente. Tem, assim, a Recorrente, na qualidade de Comissão Instaladora, legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, de fls. 4 a 7 dos autos, que rejeitou a inscrição da União dos Reinos de Angola - Partido Popular Monárquico e, consequentemente, cancelou o credenciamento da respectiva Comissão Instaladora.

Ao Plenário do Tribunal Constitucional caberá analisar se o referido Despacho violou ou não o direito à inscrição da Recorrente.

V. APRECIANDO

A Recorrente veio interpor o presente recurso do Despacho que rejeitou o pedido de inscrição do URAPPM e, em consequência, cancelou o seu credenciamento com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 16.º, conjugado com a parte final do n.º 6 do artigo 12.º, ambos da LPP.

A Recorrente discorda do teor do douto Despacho que pôs termo à fase do processo de inscrição por acto do Juiz Conselheiro Presidente deste Tribunal Constitucional, razão pela qual vem trazer a questão à apreciação do Plenário.

A Recorrente, nas suas alegações, argumentou que apresentou a documentação completa, em número superior ao exigido por lei e, como tal, toda ela verdadeira, por isso, terá havido algum lapso por parte do Tribunal Constitucional. Reforçou, ainda, que não é verdade que houve falsificação de documentos.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Antes de apreciarmos a conformidade ou não do Despacho ora impugnado, importa fazer uma resenha histórica sobre a aqui Recorrente.

Aos 9 de Abril de 2018, a Comissão Instaladora da URAPPM requereu o seu credenciamento, tendo este Tribunal constatado, ab initio, que a mesma não tinha cumprido com os requisitos legais exigíveis, nos termos das alíneas c), d) e e) do artigo 12.º, conjugado com a alínea f) do n.º 2 do artigo 14.º, ambos da LPP. Entre as várias irregularidades, podemos elencar as seguintes: a falta de fichas de inscrição dos membros da Comissão Instaladora, do endereço completo, do contrato de arrendamento ou factura da compra do património, extracto bancária contendo valor mínimo de kzs 500 000, 00 (quinhentos mil kwanzas). Sobre estas irregularidades recaiu um Despacho de aperfeiçoamento, datado de 19 de Abril de 2018.

Em resposta àquele Despacho, a 7 de Junho de 2018, a Comissão Instaladora, supriu as irregularidades dos pressupostos requeridos nos nºs 1 e 2 do artigo 12.º da LPP, tendo sido credenciada a 20 de Junho daquele mesmo ano. O referido Despacho impunha ao partido político em formação a apresentação do requerimento da sua inscrição no prazo legalmente estabelecido de 6 meses, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º, combinado com o artigo 14.º, ambos da LPP.

Posteriormente, a Recorrente apresentou a sua inscrição. Da apreciação dos documentos que deu entrada, este Tribunal constatou que foram apresentadas 9311 assinaturas contra as 10.500 indicadas no requerimento. Dentre estas assinaturas, 5.325 foram consideradas não conforme e, apenas 3.986 consideradas conforme, não tendo, por isso, atingido o número mínimo de subscritores na ordem de 7.500 assinaturas exigidas pelo n.º 1 do artigo 14.º da LPP.

A par deste incumprimento, constatou-se, ainda, que a maioria das cópias de bilhetes de identidade e dos cartões de eleitor apresentados era ilegível, as fichas de inscrição continham uma única grafia, ou seja, as fichas não possuíam as assinaturas dos proponentes, violando, assim, o princípio da declaração expressa do cidadão subscritor, previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP. Para além disso, a Comissão Instaladora não preencheu o princípio do carácter e âmbito nacionais, conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º da Constituição da República de Angola (CRA), conjugado com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da LPP, e não apresentou declarações colectivas ou individuais de residência dos subscritores, como estabelecem as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 14.º, igualmente, da LPP. Entretanto, por Despacho de 19 de Fevereiro de 2019, a Recorrente foi notificada para suprir as irregularidades supra referidas.

A 23 de Maio de 2019, a Recorrente deu entrada de um leque de documentos que, supostamente, viria suprir as insuficiências já mencionadas. Porém, o Tribunal Constitucional confirmou um número de 13.049 subscrições, das quais 7.150 apresentaram-se não conforme e apenas 5.899 foram consideradas conforme, número este inferior a 7.500 assinaturas, que é uma cifra numérica mínima exigida, para efeitos de inscrição de um partido político, à luz do n.º1 do artigo 14.º da LPP.

Por outra, a Recorrente atingiu apenas 150 assinaturas válidas em algumas províncias, estando em falta nas seguintes províncias: Malanje (143 assinaturas); Lunda - Sul (149 assinaturas); Lunda – Norte (103 assinaturas) e Cuanza Norte (139 assinaturas), violando, deste modo, o disposto no n.º 1 do artigo 14.º da LPP.

APRECIAÇÃO STRICTO SENSU

Os partidos políticos, enquanto organizações de cidadãos, resultam do princípio constitucional da liberdade de constituição, previsto no artigo 55.º da CRA, como consequência do Estado democrático de direito, ex vi do artigo 1.º da CRA. Nesta ordem de ideias, os partidos políticos gozam de “liberdade interna”, referente à sua organização e funcionamento e de “liberdade externa”, que diz respeito à liberdade de fundação, ex vi da alínea b) do artigo 17.º da Lei Fundamental. Entretanto, esta última liberdade está sujeita ao controlo de legalidade imposto pela Constituição e pela Lei dos Partidos Políticos, com o fim de assegurar o respeito pelos outros princípios e valores que, no entender do legislador constituinte, representam idêntica ou superior relevância (vide, Correia José de Matos, in Introdução ao Direito Processual Constitucional, pág. 210,Universidade Lusíada Editora, 2011). Tal observância e sujeição à lei decorrem dos princípios da supremacia constitucional e da legalidade previstos no artigo 6.º da Constituição.

Importa ressaltar que a Recorrente não preencheu os requisitos formais consagrados no n.º 1 do artigo 14.º da LPP que, de forma clara, determina, como requisitos para a admissão à inscrição de partidos políticos, o requerimento subscrito por no mínimo 7.500 cidadãos, maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 residentes em cada uma das províncias que integram o País e igual número de documentos correspondentes, que devem acompanhar o requerimento de inscrição de um partido político.

Este facto é notório, na medida em que a Comissão Instaladora da URAPPM não atingiu o número mínimo de 150 assinaturas válidas nas províncias de Malanje, Lunda-Sul, Lunda-Norte e Cuanza-Norte, o que viola, evidentemente, o princípio da representatividade mínima consagrado no n.º 1 do artigo 14.º da LPP e, igualmente, por não ter presença nas províncias acima referenciadas a Comissão Instaladora em causa não preencheu o requisito de “carácter nacional”, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º da LPP, conjugado com a alínea a) do artigo 17.º da CRA.

A par das irregularidades já descritas, a Comissão Instaladora apresentou fichas com assinaturas e carimbos falsos das administrações municipais do Porto Amboim, Moçâmedes, Calandula, Chitato, Saurimo, Luena e Dande. Estes factos foram denunciados por àquelas autoridades por via de ofícios enviados a este Tribunal, tais como Ofício n.º/ REF.º 609/GABV/2019, do Governo de Malanje e Ofício n.º 08/AOLSU100101/A.MS/2019, do Governo da Lunda-Sul.

A Recorrente, nas suas alegações, afirmou ter dado entrada de um total de 22 mil subscrições, acompanhadas com as respectivas cópias dos bilhetes de identidades e atestados de residência. Todavia, este Tribunal constatou que as suas alegações não correspondem à verdade, porquanto, foram recepcionados apenas 13.049 assinaturas, conforme resultado da análise técnico-administrativa dos documentos. Dentre estes, somente 5.899 fichas estão conforme.

Apesar da aludida experiência que o Coordenador da Comissão Instaladora da Recorrente alega ter, não colhe o argumento da mesma, segundo o qual o problema só pode ter ocorrido nos serviços deste Tribunal, tão pouco a hipótese deste órgão ter incorrido em lapso ou extravio do processo, uma vez que o número de assinaturas entregues corresponde ao total de cidadãos cujos nomes constam da lista nominal apresentada pela Comissão Instaladora.

Pelo acima exposto, não restam dúvidas que a Comissão Instaladora não reuniu os elementos essenciais estabelecidos no artigo 14.º da LPP, sendo estes “conditio sine qua non ” para inscrição do Partido Político URAPPM que, após ter sido notificada duas vezes, não supriu as irregularidades. Ipso facto, estão reunidas as condições que justificam a rejeição da inscrição do URAPPM, nos termos do artigo 16.º da LPP.

Nestes termos, é entendimento deste Tribunal que a rejeição da inscrição não violou o direito fundamental à inscrição, na medida em que a Comissão Instaladora do URAPPM não observou os princípios da legalidade, da representatividade, do âmbito e carácter nacional, bem como, por não ter apresentado o número mínimo de 7.500 assinaturas válidas.

Assim, conclui-se que o pedido de inscrição da Comissão Instaladora não preencheu os elementos essenciais previstos nos artigos 5.º e 14.º da LPP e não observou os princípios fundamentais consagrados no artigo 17.º da CRA.

A constatação, por este Tribunal, da falsificação de documentos por parte da coordenação da Comissão Instaladora, deve ser comunicada ao Ministério Público para efeitos de eventual instauração do competente procedimento para responsabilização criminal dos envolvidos.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas, nos termos artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Fevereiro de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente- declarou-se impedido)

Dra. Guilhermina Prata (Vice Presidente- declarou-se impedida)

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator) 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria Fátima da Silva 

Dr. Simão de Sousa Victor