ACÓRDÃO N.º 608 /2020
PROCESSO N.º 782-B/2019
Processo Relativo ao Contencioso Parlamentar
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
WELWITSCHEA JOSÉ DOS SANTOS Deputada à Assembleia Nacional, com demais sinais de identificação nos autos veio, ao abrigo das disposições da alínea i) do artigo 3.º, combinadas com o artigo 60.º e alínea a) do artigo 61.º todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), impugnar a Deliberação de 29 de Outubro de 2019 da Assembleia Nacional, por via da Resolução n.º 63/19, que aprovou a Perda de Mandato da ora Requerente, publicada na I Série do Diário da República, n.º 148 de 21 de Novembro de 2019.
A Requerente discorda da deliberação que aprovou a perda do seu mandato, por ter excedido o limite de faltas legalmente permitido, apresentando em resumo os seguintes argumentos:
1.1 Consciente dos seus deveres enquanto Deputada da Assembleia Nacional, atento ao disposto na alínea k) do artigo 19.º do Estatuto do Deputado, sempre comunicou por escrito os motivos que a impossibilitaram de participar em reuniões para as quais tivesse sido convocada;
1.2 Em face às situações de doença da própria e dos seus filhos (descendentes), remeteu e comunicou as ausências, devidamente comprovadas por atestados médicos;
1.3 A s justificações foram apresentadas reiteradamente às entidades competentes, desde Janeiro de 2018 até a presente data, embora a situação de doença de que padece e os seus familiares ainda permanece.
1.4Que não foi até a presente data comunicada sobre relevação ou não das faltas em face dos documentos justificativos apresentados
1.5 Não existiu o competente processo disciplinar, comunicação com a nota de culpa para que pudesse pronunciar ou defender-se
1.6 Que a sanção da perda de mandato ocorreu ao arrepio dos mais elementares direitos consagrados constitucionalmente e basilares de um Estado de Direito, sendo que, agindo-se desde modo preteriu-se direitos constitucionais denegrindo-se o Estado de Direito, e que a falta de audição da Requerente constitui uma nulidade insuprível do processo;
1.7 Preterindo formalidades essenciais e fundamentais para a emissão do seu parecer, a Comissão de Trabalho Especializada inquinou de forma absoluta os termos da deliberação dos Deputados, coarctando-os de uma decisão reflectida, ponderada e legal.
1.8 Que face ao estado de doença superior a 90 dias implicando tratamento no exterior, que poderia o Presidente da Assembleia Nacional ou mesmo o partido político da Deputada requerer a suspensão de mandato.
1.9 O preceito constitucional que estabelece a supremacia da Constituição (artigo 6.º da CRA) impõe que os actos do Estado só sejam válidos se conforme à Constituição.
1.10 Que o direito de participação dos interessados, enquanto garantia de defesa constitucionalmente consagrado, impõe a obrigação de criar as condições indispensáveis para assegurar uma participação efectiva e útil dos destinatários do acto, nos casos em que seja projectada a emissão de uma decisão de sentido desfavorável aos seus interesses, não devendo reconduzir-se num mero acto de rotina ou no cumprimento de uma mera formalidade, sem consequências ao nível da ponderação dos interesses co-envolvidos no procedimento;
1.11 Pedindo em conclusão que ao Tribunal Constitucional invalide a deliberação da Assembleia Nacional, referente a perda de mandato e consequentemente a Resolução n.º 63/19 que aplica a medida disciplinar de perda de mandato da Deputada Welwitschea José dos Santos, por violação dos imperativos constitucionais e demais diplomas legais, enfermando de nulidade e de nenhum efeito legal.
2.1 Procuração;
2.2 Bilhete de Identidade.
O requerimento da Deputada Requerente foi admitido a 20 de Dezembro de 2020, por despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (LPC), tendo igualmente, ordenado o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 62.º da mesma Lei, mandando notificar o Presidente da Assembleia Nacional para que, querendo, se pronunciar quanto ao requerimento de impugnação da deliberação, de igual modo, para os mesmos efeitos o Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA.
O Presidente da Assembleia Nacional pronunciou-se sobre o pedido da Deputada Requerente, contestando, no essencial o seguinte:
4.1 Por excepção de caducidade extinguiu-se o direito da Requerente recorrer em tempo oportuno, pois estabelece o artigo 32.º do Código de Ética e Decoro Parlamentar, aprovado pela Lei n.º 16/12, de 16 de Maio que da decisão do Presidente da Assembleia Nacional, a Requerente pode reclamar ou interpor recurso ao Plenário;
4.2 A Requerente, sem justificação plausível, não participou da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª e 10ª Reuniões Plenárias Ordinárias e da 5ª e 6ª Reuniões Plenárias Extraordinárias da II Sessão Legislativa, conforme as actas enviadas pela Secretaria da Mesa e publicadas no Diário da Assembleia Nacional;
4.3 O Presidente da Assembleia Nacional, em função das informações sobre a assiduidade e participação da Requerente nas actividades do Parlamento e verificando que a Requerente não cumpriu os deveres previstos nas alíneas c), h) e k) do artigo 19.º do Estatuto do Deputado, por via do despacho n.º 0126/03/PAN/2019, mandou instaurar um procedimento disciplinar, conforme fls. 223 a 224;
4.4 O Presidente da Assembleia Nacional incumbiu às Comissões de Mandatos, Ética e Decoro Parlamentar e de Assuntos Constitucionais e Jurídicos, da instrução e condução do processo disciplinar, nos termos dos números 5 e 6 do artigo 26.º do Código de Ética e Decoro Parlamentar;
4.5 A Comissão elaborou a notificação e nota de culpa, na qual foram narrados os factos de que a Deputada vinha acusada (fls. 229 a 232);
4.6 A 21 de Agosto de 2019, a Comissão Disciplinar, pela notificação 1/19, convocou a Requerente para comparecer na Comissão de Mandato, Ética e Decoro Parlamentar, no dia 11/09/2019, pelas 10 horas;
4.7 A Requerente foi notificada através da Comissão de Cultura, Assuntos Religiosos, Comunicação Social, Juventude e Desportos e pelo Grupo Parlamentar do MPLA e na sua residência, tendo o guarda recusado a receber a notificação e a nota de culpa, alegando não estar autorizado a fazê-lo (fls. 238 a 240), ao que não compareceu;
4.8 Procedeu-se a uma segunda notificação por edital, acompanhada da nota de culpa, publicadas no Diário da Assembleia Nacional, n.º 33, II Série, de 20 de Setembro de 2019, para que a Requerente comparecesse ou se se fizesse representar, no dia 27 de Setembro de 2019 (fls. 241 a 249);
4.9 A comissão criada para instruir o procedimento disciplinar notificou a Requerente na sua residência, no domicílio profissional, no escritório pessoal, por e-mail e por edital do Diário da Assembleia Nacional;
4.10 Pelas diligências efectuadas pela Comissão foi notória a intenção da Requerente de obstruir o processo, porquanto os mecanismos utilizados pela Requerente para justificar as faltas foram os mesmos para a notificar, porém, sem sucesso;
4.11 A comissão instruiu e conduziu o Processo à luz das disposições combinadas do Código de Ética e Decoro Parlamentar e do Estatuto do Deputado;
4.12 A Requerente não compareceu e não se fez representar, sem qualquer justificação após duas notificações dentro dos dez dias estabelecidos por lei;
4.13 Findo o prazo estabelecido, a Comissão sugeriu ao Presidente da Assembleia nacional, a medida disciplinar, em conformidade com as disposições combinadas da Constituição da República de Angola, do Código de Ética e Decoro Parlamentar e Estatuto do Deputado (fls. 255 a 258);
4.14 O Presidente da Assembleia Nacional, por Despacho n.º 0142/03/PAN/2019, aplicou a medida disciplinar de perda de mandato e remeteu o processo às Comissões de Mandatos, Ética e Decoro Parlamentar e de Assuntos Constitucionais e Jurídicos para cumprimento das formalidades previstas no artigo 195.º e seguintes do Regimento da Assembleia Nacional (fls. 260 a 261);
4.15 Foram observados todos os procedimentos para aplicação da medida disciplinar à Requerente;
4.16 O espírito do n.º 2 do artigo 28.º do Código de Ética e Decoro Parlamentar vai no sentido contrário ao que a Requerente pretende. Esta norma não se aplica quando o acusado deixe de comparecer ou não se faça representar, sem causa justificativa. Neste caso, o Código de Ética e Decoro Parlamentar permite, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º que se possa propor imediatamente a medida disciplinar;
4.17 Em conclusão, a Assembleia Nacional requer ao Tribunal Constitucional que:
O Grupo Parlamentar do MPLA no seu pronunciamento, assegurou que tudo fez para que a Requerente não perdesse o mandato de Deputada, com os seguintes fundamentos:
5.1 Em conformidade com a alínea g) do artigo 5.º do Regimento do Grupo Parlamentar do MPLA (RGP/MPLA) e da alínea c) do n.º 3 do artigo 95.º do Estatuto do MPLA (E/MPLA), “compete ao Grupo Parlamentar do MPLA, entre outras, concertar as suas posições e as formas de actuação na actividade parlamentar”, o que acontece em reuniões ordinárias e extraordinárias, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º RGP/MPLA, e em jornadas Parlamentares do Grupo Parlamentar do MPLA, em conformidade com o artigo 20.º RGP/MPLA, onde, salvo as ausências devidamente justificadas, devem estar presentes todos os Deputados que compõem o Grupo Parlamentar do MPLA;
5.2 A Requerente, n.º 50 da Lista de efectivos do Círculo Nacional apresentada pelo MPLA, foi eleita Deputada à Assembleia Nacional e integrou o Grupo Parlamentar do MPLA;
5.3 A Requerente foi vista pela última vez a participar na Cerimónia dos Cumprimentos de Fim de Ano de 2018 ao Senhor Presidente da Assembleia Nacional, no dia 14 de Dezembro de 2018, tendo deixado de aparecer às reuniões e às outras actividades do Grupo Parlamentar do MPLA;
5.4 No dia 07 de Maio de 2019, a Direcção do Grupo Parlamentar do MPLA, reunida em Sessão Extraordinária para analisar a situação da ausência prolongada da Requerente das reuniões e actividades do Grupo Parlamentar do MPLA e da Assembleia Nacional, por um período superior a 140 (cento e quarenta dias), deliberou aconselhar a Requerente a suspender o seu mandato, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Estatuto do Deputado, aprovado pela Lei Orgânica n.º 17/12, de 16 de Maio, tendo presente os justificativos médicos relativos ao tratamento de seu filho menor no exterior do país;
5.5No mesmo dia 07 de Maio de 2019, o Grupo Parlamentar do MPLA, com conhecimento da Vice – Presidente do MPLA, dirigiu e expediu uma carta, pelo correio electrónico, para a Requerente, e entregou um exemplar da referida carta ao senhor Welson Chagas, a comunicar-lhe a deliberação da Direcção do Grupo Parlamentar do MPLA (fls. 25 a 29);
5.6A Requerente acusou a recepção do “nosso” e-mail e não respondeu oficialmente. Para “nossa surpresa”, a Requerente publicou a Carta e vários áudios nas redes sociais, declarando, peremptoriamente que, não iria pedir suspensão do seu mandato;
5.7 O Grupo Parlamentar do MPLA termina afirmando que fez tudo para que a Requerente suspendesse o seu mandato e não o perdesse.
Cumprindo-se o disposto nos nºs 2, alínea d) e 3 do artigo 62.º da LPC, cabe agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para julgar em matéria de deliberações da Assembleia Nacional, referentes ao Contencioso Parlamentar, de acordo aos termos previstos na alínea g) do artigo 16º e 32º da Lei (LOTC) com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 15.º da Lei n.º 24/10 de 3 de Dezembro nos termos do Regimento Interno da Assembleia Nacional e da alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º LPC, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 15.º da Lei n.º 25/10 de 3 de Dezembro, assim como nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição que lhe confere a competência para exercer a jurisdição sobre questões de natureza jurídico – constitucional nos termos da Constituição e da Lei.
Destarte, o Tribunal Constitucional é competente para conhecer do presente processo.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos das disposições combinadas da alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º e alínea a) do artigo 61.º da LPC, o Deputado, cujo mandato esteja em causa, tem legitimidade para impugnar no Tribunal Constitucional deliberações da Assembleia Nacional, com fundamento em violação da Constituição, das leis ou Regimento Interno da Assembleia Nacional. Está aqui enquadrado o caso da Requerente.
IV. OBJECTO
O objecto do presente processo de contencioso parlamentar é de verificar se a deliberação adoptada na Resolução n.º 63/19 de 29 de Outubro de 2019, que aprovou a Perda de Mandato da Requerente, configura violação da Constituição, das leis ou de normas do Regimento Interno da Assembleia Nacional (n.º 1 do artigo 60.º da LPC).
V. APRECIANDO
O processo referente ao contencioso parlamentar é um processo constitucional especial que se destina a “julgar, em última instância, a requerimento de Deputado da Assembleia, os recursos relativos à perda, à substituição, à suspensão e à renúncia do mandato na Assembleia Nacional”, conforme o disposto na alínea h) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e no n.º 1 do artigo 60.º da LPC.
No caso vertente, sucede que, notificado o Presidente da Assembleia Nacional para se pronunciar nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 62.º da LPC, veio este Órgão invocar a excepção de caducidade, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 510.º, 493.º e 496.º todos do Código do Processo Civil, por força da aplicação subsidiária prevista no artigo 2.º da LPC; cumpre antes de mais decidir sobre a excepção invocada.
A excepção é a forma de defesa no processo, que consiste na alegação de factos que obstam à apreciação do mérito da causa (excepção dilatória) ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo Autor- Requerente da petição inicial, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (excepção peremptória).
Designa-se por caducidade a extinção não retroactiva de efeitos jurídicos em virtude da verificação de um facto jurídico stricto senso, isto é, independentemente de qualquer manifestação de vontade. Como forma de extinção de direitos, a caducidade opera quando o direito não é exercido dentro de um prazo estabelecido na lei ou convenção (Ana Prata - Dicionário Jurídico: Direito Civil, Direito Processual Civil, Organização Judiciária. 2.ª ed. Almedina Editora, Vol. I, 2008.)
No seu pronunciamento nestes autos, a fls. 39, o Presidente da Assembleia Nacional, antes de mais, contesta que se extinguiu o direito da Requerente recorrer, em tempo oportuno, pois estabelece o artigo 32.º do Código de Ética e Decoro Parlamentar, aprovado pela Lei n.º 16/12, de 16 de Maio (LACEDP), que, da decisão do Presidente da Assembleia Nacional, a Requerente pode reclamar ou interpor recurso ao Plenário, no entanto a Requerente nada fez, não tomou posição no decurso do tempo estabelecido pela lei, extinguindo-se com esta atitude o seu direito de recorrer em tempo oportuno.
Ora, atendendo o conteúdo da disposição acima referenciada, no essencial dela resulta que, da decisão final proferida pelo Presidente da Assembleia Nacional, cabe reclamação a interpor no prazo de sete dias, sendo que, sobre as matérias não atendidas nesta reclamação, ainda cabe recurso ao Plenário da Assembleia Nacional. Com efeito, a Deputada-Requerente não reclamou contra a decisão proferida nos termos da disposição legal em nota, pelo contrário tomando conhecimento da mesma decidiu impugnar a medida disciplinar aplicada pelo Presidente da Assembleia Nacional directamente ao Tribunal Constitucional.
Poderia fazê-lo?
Na realidade, é convicção deste Tribunal que, decorrido o prazo para a Requerente proceder à reclamação prevista no artigo 32.º da LACEDP, nada a impedia de, contenciosamente, impugnar a medida disciplinar que lhe foi aplicada, considerando que a acção interposta junto do Tribunal Constitucional, não está dependente do esgotamento das vias graciosas de reclamação e recurso previstas neste preceito legal.
Quanto mais não seja, não existe na Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), prazo especialmente previsto para interpor recurso relativo à decisão de perda de mandato à Assembleia Nacional, recaindo na falta de especificação, a regra geral sobre os prazos para interposição de recursos de inconstitucionalidade previstos no n.º 1 do artigo 38.º e artigo 52.º ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).
Num outro aspecto, julgamos não ser correcto o entendimento segundo o qual, tanto a reclamação dirigida ao Presidente da Assembleia Nacional como a interposição do recurso ao Plenário deste órgão legislativo não seja facultativo, isto mesmo no sentido de se conceder a oportunidade ao interessado de fazer dele competente uso ou não.
Tal como bem o refere Cremildo Félix Paca, em Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, pág. 31, neste caso “o recurso hierárquico é facultativo e ficará a mercê do interessado interpô-lo, já que, mesmo que não se verifique a sua interposição, não afecta, em todo caso, a posterior sindicância contenciosa”, ou seja, permanecendo à disposição do Deputado sancionado disciplinarmente a interposição da aludida reclamação e o recurso ao Plenário da Assembleia Nacional, antes da interposição do recurso contencioso ao tribunal competente, neste caso, ao Tribunal Constitucional.
Mais se inferindo que o entendimento contrário não seria possível, tendo em linha de consideração o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no n.º 1 do artigo 29.º da (CRA), tal como concebido, como um dos princípios inclusos no regime geral dos direitos fundamentais, na medida em que não é permitido que se impeça ao cidadão de recorrer directamente aos tribunais, pese embora legalmente beneficie da possibilidade de antes recorrer administrativamente de um acto, não lhe sendo por conseguinte exigível que esgote antes os recursos hierárquicos permitidos.
Dito de modo diverso, em homenagem a este princípio constitucional, a tutela jurisdicional efectiva ocorre, não ser necessariamente obrigatório o procedimento do esgotamento dos recursos graciosos, previstos pela LACEDP, para que o interessado recorra directa ou imediatamente à via contenciosa que, no caso, é competência específica do Tribunal Constitucional, por força do disposto da alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LPC.
Pelo que, nos termos expostos, improcede a alegada excepção de caducidade.
Assim sendo, cumpre apreciar:
Por seu lado, a Deputada Requerente vem invocar neste recurso referente ao contencioso parlamentar, a inconstitucionalidade da Resolução da Assembleia Nacional n.º 63/19, para tal denunciando violação de imperativos constitucionais, e de diplomas legais, designadamente do Estatuto do Deputado e do Código de Ética e Decoro Parlamentar, em virtude de alegada preterição do seu direito de audição.
V.1- Violação da Constituição.
No entender da Requerente, a deliberação da Assembleia Nacional que aprovou a perda de mandato, violou cumulativamente o n.º 2 do artigo 152.º, o n.º 1 do artigo 153.º e o artigo 6.º todos da (CRA), uma vez que, consciente dos seus deveres enquanto Deputada à Assembleia Nacional e atenta ao disposto na alínea k) do artigo 19.º do Estatuto do Deputado, sempre comunicou, por escrito, os motivos que a impossibilitaram de participar em reuniões para as quais tinha sido convocada, apresentando à entidade competente o respectivo justificativo, nos termos da alínea h) do mesmo artigo.
Que as justificações apresentadas pela própria desde Janeiro de 2018, até à presente data às entidades competentes, têm sido reiteradas, mas nunca a relevação das faltas lhe foi, até ao momento, comunicada; muito menos informada da aceitação, ou não, dos documentos justificativos que enviou.
Refere a Requerente que o preceito constitucional que estabelece a supremacia da Constituição, artigo 6.º da CRA, impõe que os actos do Estado só são válidos se conformes à Constituição.
Porém, entende este Tribunal que não se vislumbra qualquer violação da Constituição na Resolução em causa, partindo da premissa de que o n.º 2 do artigo 152.º da CRA, concretamente a alínea b), prescreve que o Deputado perde o mandato sempre que exceda o número de faltas previstos por lei, como o caso em apreço. No mesmo diapasão, a alínea b) do n.º 1 do artigo 153.º da CRA reforça a disposição antes citada.
De outro modo explicado, para se aferir a violação dos preceitos constitucionais invocados pela Requerente, seria, antes de mais, necessário demonstrar-se no processo disciplinar, de que foi alvo, que não teve o número de ausências registadas ou que as tivesse todas justificadas. No entanto, compulsados os autos, verifica-se que das 9 (nove) Sessões Plenárias Ordinárias e 2 (duas) Extraordinárias, totalizando 11 (onze) Sessões realizadas na 2ª Sessão Legislativa, da IV Legislatura da Assembleia Nacional, somente foram justificadas 4 (quatro) ausências, conforme fls. 220 do Processo Disciplinar junto pela Assembleia Nacional (PDAN).
Quanto à Comissão de Cultura, Assuntos Religiosos, Comunicação Social, Juventude e Desporto (7ª Comissão) da qual fazia parte a Requerente, no período de 15 de Outubro de 2018 a 15 de Fevereiro de 2019, das 4 (quatro) reuniões ordinárias e 4 (quatro) extraordinárias realizadas neste fórum, a Requerente apenas comunicou uma única vez ao Presidente da Comissão o motivo da ausência nas actividades da mesma passados cinco meses (vide fls. 15 do PDAN), ou seja, Julho de 2019, a 7ª Comissão continuou a registar ausências permanentes da Deputada-Requerente, tendo esta, remetidos dois (2) justificativos de ausências (fls. 216 do PDAN).
Relativamente ao Grupo das Mulheres Parlamentares, em que a Requerente era membro e 1ª Vice - Presidente, ocorreu que deixou de comparecer nas suas actividades desde Dezembro de 2018, tendo o referido Grupo recebido duas (2) justificações de ausências (fls. 208 a 214 do PDAN).
Não tendo a Requerente provado que todas as faltas cometidas haviam sido justificadas e considerando que o excesso de faltas conduz à perda de mandato, consagrada na Constituição, é a mesma que está prevista na lei, ou seja, no Estatuto do Deputado, na sua alínea c) do artigo 12.º, o qual dispõe que: o Deputado perde o mandato sempre que deixe de comparecer a 4 reuniões plenárias numa sessão legislativa, sem justificação aceite pelo Presidente da Assembleia Nacional, não restam dúvidas de que não houve qualquer violação à Constituição pelo Plenário da Assembleia Nacional.
Na mesma senda, não se vislumbra a violação da Constituição tendo como base o artigo 6.º da CRA, uma vez que o acto praticado pela Assembleia Nacional tem respaldo legal vinculado à Constituição.
V.2 - Violação da Lei n.º 17/12, de 16 de Maio (Estatuto do Deputado)
A Requerente refere que sempre comunicou, por escrito, os motivos que a impossibilitaram de participar em reuniões para as quais tivesse sido convocada, apresentando à entidade competente o respectivo justificativo, demonstrando, deste modo, o cumprimento do dever de Deputado, previsto nas alíneas k) e h) do artigo 19.º do Estatuto do Deputado, mas, no entanto, não lhe foi comunicada a relevação ou não das faltas.
A citada alínea k) do artigo 19.º dispõe o seguinte: “…comunicar, com a devida antecedência e por escrito ao Presidente da Assembleia Nacional, sempre que ocorra a impossibilidade de participar em reuniões para as quais tenha sido convocada”.
Ora, decorrem deste preceito legal dois pressupostos fundamentais que não foram observados pela Requerente, designadamente: - O facto de que a comunicação deve ser feita com a devida antecedência; - ser dirigida, por escrito, ao Presidente da Assembleia Nacional.
Os autos não reportam meios probatórios de que a Requerente tenha cumprido com os pressupostos acima referidos, antes pelo contrário, as justificações de ausências foram intempestivas e dirigidas a entidades sem competências para relevação das faltas, conforme fls. 208 a 214 e 216 do PDAN. Nos termos do n.º 2 do artigo 25.º da Lei 16/12, de 16 de Maio, que aprova o Código de Ética e Decoro Parlamentar, só o Presidente da Assembleia Nacional tem competências para relevação de faltas dos Deputados. Logo, as faltas não tendo sido relevadas, não devem ser consideradas justificadas.
A Requerente invoca ainda que, face ao estado de doença superior a 90 dias que implica tratamento no exterior, poderia o Presidente da Assembleia Nacional ou mesmo o seu partido político ter requerido a suspensão do mandato, nos termos do artigo 7.º do Estatuto do Deputado. Medida que se revelaria mais apropriada e conducente à real situação de impossibilidade temporária para o exercício do mandato, sem culpa da Requerente e sem juízo de censura ético-sancionatória que a perda de mandato implica para dignidade e bom nome da Deputada que, pauta a sua vida a causa pública e ao serviço do seu país.
A esse respeito, a alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Estatuto do Deputado é suficientemente claro, preceituando que cabe ao Deputado ou ao seu partido político requerer a suspensão do mandato. A Requerente foi aconselhada pelo seu partido político a suspender o mandato, porém, não se mostrou interessada a proceder da forma que se lhe impunha (pontos 7, 8 e 9 de fls. 22 e 23).
V.3- Violação da Lei n.º 16/12, de 16 de Maio (Código de Ética e Decoro Parlamentar)
Resta verificar se foi observado o procedimento legal para aprovação da deliberação de perda de mandato, previsto no Código de Ética e Decoro Parlamentar, tal como é questionada na fundamentação da Requerente. No essencial, trata-se em saber se houve a instauração de um processo disciplinar, se o processo disciplinar foi instruído pela Comissão de Trabalho Especializada, se houve notificação e audição da Requerente.
A este respeito dispõe o n.º 4 do artigo 26.º, o seguinte: “O Presidente da Assembleia Nacional quando considerar que os factos presenciados ou participados, praticados pelo Deputado, são passíveis de constituírem infracção disciplinar, manda instaurar, por despacho, o respectivo procedimento disciplinar, incumbindo à Comissão de Trabalho Especializada competente, a instrução e condução do processo”.
No caso sub judice, a Requerente alega não ter havido procedimento disciplinar, pois não foi notificada, não lhe foi enviada a nota de culpa e muito menos foi ouvida.
Considera, pois, este Tribunal que não lhe assiste qualquer razão uma vez que o Presidente da Assembleia Nacional, através do Despacho n.º 0126/03/PAN/2019, de 15 de Agosto, mandou à Comissão competente instaurar o procedimento disciplinar, nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 26.º do Código de Ética e Decoro Parlamentar (vide fls.41).
Acerca da notificação, envio da nota de culpa e audição da Requerente, este formalismo legal foi observado pela Comissão de Trabalho Especializada, seja a Comissão de Mandatos Ética e Decoro Parlamentar, por conseguinte, a Requerente foi notificada por 3 (três) vezes para comparecer junto da Comissão Disciplinar constituída para instruir o processo, sendo que na primeira se procedeu ao envio da nota de culpa mas, todavia, a Requerente não compareceu, restando à referida Comissão propor a medida disciplinar, tal como prevê o n.º 3 do artigo 28.º do diploma supra citado (vide fls. 41 a 44).
Consequentemente, por Despacho n.º 0142/03/PAN/2019, de 02 de Outubro, o Presidente da Assembleia Nacional aplicou a medida disciplinar de Perda do Mandato da Requerente, conforme o disposto na alínea e) do artigo 22.º do Código de Ética e Decoro Parlamentar (fls. 45).
Concluindo, entende este Tribunal que, no caso em apreço, não se verificou qualquer violação à Constituição nem aos demais diplomas legais, nomeadamente o Estatuto do Deputado e o Código de Ética e Decoro Parlamentar.
DECIDINDO
Nestes termos
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Sem custas nos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 15 de Abril de 2020.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) declarou-se impedida
Dr. Carlos Alberto Bravo Burity da Silva
Dr. Carlos Magalhães
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Maria de Fátima de Lima D’ A. B. Silva (Relatora)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (declarou-se impedida).