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ACÓRDÃO N.º 609/2020

 

PROCESSO N.º 738-B/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 

Em nome do Povo acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

João José dos Santos, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, prolactado no âmbito do Processo n.º 699/18, que julgou procedente a medida de despedimento disciplinar contra si aplicada, ao revogar o despacho saneador-sentença da 1ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, que decidiu pela nulidade do referido despedimento.

O Acórdão recorrido resulta de uma acção de recurso em matéria disciplinar intentada pelo Recorrente, na qualidade de trabalhador da empresa Sumitomo Corporation, que visou impugnar, com fundamento no artigo 228.º da Lei n.º 2/00, Lei Geral do Trabalho (LGT), vigente à data dos factos, um alegado despedimento verbal determinado pelo Director Geral da empresa, na sequência de um desentendimento referente à utilização de uma viatura.

Em contestação, a Sumitomo Corporation, por seu turno, alegou ter o desentendimento dado lugar à aplicação de uma medida de admoestação registada, alicerçada na violação de norma interna sobre a utilização de viaturas, que foi notificada ao Recorrente numa altura em que este se recusava a comparecer ao trabalho, apesar de instado a fazê-lo, por insistir que havia sido despedido verbalmente pelo Director Geral. Em consequência e, segundo o alegado, foi-lhe, posteriormente, instaurado procedimento disciplinar, com fundamento em ausência injustificada ao trabalho, que culminou com a aplicação da medida de despedimento disciplinar.

Ao julgar o recurso em matéria disciplinar, o Tribunal a quo considerou procedentes as alegações da Sumitomo Corporation no que tange à aplicação da medida de admoestação registada e ao despedimento disciplinar, ao contrário do alegado pelo Recorrente. Decidiu, no entanto, pela nulidade desse despedimento por entender verificar-se “certa semelhança entre os factos que constam da medida de admoestação registada aplicada no dia 24.03.15 e os constantes da medida de despedimento….”. Concluiu, assim, esta primeira instância que o aqui Recorrente foi objecto de duas medidas disciplinares diferentes por factos contínuos e interligados, trazendo à liça o n.º 2 do artigo 53.º da LGT, então vigente, que acolhe o princípio da unidade, isto é, o da inadmissibilidade de aplicação de mais de uma medida disciplinar por uma mesma infracção, abrangendo as designadas infracções continuadas, entendendo-se como tal as praticadas até à data da comunicação que o (Recorrente) convoca para a entrevista (cfr. artigo 50.º, n.º 2, alínea a) lê-se a págs. 84 dos autos.

No aresto objecto da presente sindicância, que decorre de um recurso de Apelação interposto pela Sumitomo Corporation, enquanto parte vencida, o Tribunal Supremo acolhe a posição da primeira instância relativamente à procedência do despedimento disciplinar, mas não a sua nulidade.

Entre outros fundamentos, o Tribunal ad quem defende que o despedimento resulta dos factos provados e que se verificou indisciplina grave do trabalhador no cumprimento do contrato de trabalho, que se consubstancia em justa causa disciplinar.

À luz dos argumentos acima enunciados, o Tribunal Supremo decidiu pela revogação do despacho saneador-sentença prolactado pela 1.ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda e pela absolvição dos pedidos formulados contra a Sumitomo Corporation, que consistiam na reintegração do Recorrente e no pagamento dos salários e complementos devidos.

Inconformado com esta decisão, o Recorrente fundamenta a inconstitucionalidade do aresto ora impugnado com base no que, em síntese, a seguir se enuncia:

  1. A decisão do Director Geral da Sumitomo Corporation deve ser considerada uma sanção disciplinar se se partir do princípio que a mesma visou reagir contra uma conduta que o Director qualificou como violadora dos deveres a que estava adstrito (ele Recorrente).
  1. As sanções disciplinares só podem ser tomadas no âmbito de um processo e, tendo a medida disciplinar sido tomada fora desse âmbito, a mesma devia ser considerada nula nos termos do artigo 228.º da Lei n.º 2/00, LGT, na altura vigente.
  1. A Sumitomo Corporation não podia, por falta de legitimidade, aplicar ao Recorrente a medida de admoestação registada, uma vez que já o havia despedido, bem como não podia instaurar também processo disciplinar por faltas injustificadas, como o fez.
  1. O direito ao contraditório não foi exercido no processo disciplinar por ausência injustificada, na medida em que este foi instaurado numa altura em que já não era trabalhador da Sumitomo Corporation e, por essa razão, não estava vinculado à obrigação de a ele (processo) se sujeitar.
  1. O Tribunal a quo, como o Tribunal ad quem, distanciaram-se do objecto da acção de recurso disciplinar, já que esta visou impugnar a decisão do Director Geral da Sumitomo Corporation, facto que configura violação ao n.º 1 do artigo 661.º do Código do Processo Civil (CPC).

Ancorado neste último argumento, o Recorrente termina sustentando a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido na violação do n.º 2 do artigo 6.º da Constituição da República de Angola, CRA, que estipula que “ o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis”.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea a) do artigo 49.º, da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos.

A decisão proferida pelo Tribunal Supremo esgota, deste modo, a cadeia recursória em sede de jurisdição comum.

III. LEGITIMIDADE

A legitimidade para a interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade é atribuída ao Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário, conforme disposto na alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC.

O Recorrente é parte vencida no recurso impetrado junto do Tribunal Supremo e tem, consequentemente, legitimidade para recorrer, ex vi do artigo 680º, n.º 1 do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional, nos termos do artigo 2.º da LPC.

IV. OBJECTO

Constitui objecto deste recurso o Acórdão da Câmara do Trabalho Tribunal Supremo por alegada violação ao princípio da legalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 6.º da Constituição da República de Angola (CRA).

V. APRECIANDO

Como resulta dos autos, no cerne do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade está a questão de saber se a decisão impugnada viola ou não o princípio da legalidade, pelo facto de, na apreciação do mérito da causa e consequente prolação da decisão, não ter sido observado o estatuído no n.º 1 do artigo 661.º do CPC, disposição legal que define os limites da condenação e que pode ser subsidiariamente aplicável ao processo laboral, por virtude do n.º 1, do artigo 59.º, do Decreto Executivo Conjunto n.º 3/82, de 11 de Janeiro. Estipula, assim, o artigo ora em referência (artigo 661.º do CPC) no seu n.º 1 que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pediu. ….”, sob pena de nulidade (vide  alínea e), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC).

Grosso modo, vem esta norma dizer que a decisão a proferir deve ater-se aos termos do pedido (ne eat iudex ultra petita partium), tanto em substância, como em quantidade, valoração interpretativa que igualmente materializa o princípio do dispositivo, reflectido no artigo 264.º do CPC, que atribui às partes, autor e réu, legitimidade para iniciar e impulsionar o processo judicial, assumindo-se, deste modo, como os domini litis.

Assim sendo, ao autor é conferida a prerrogativa de invocar os factos juridicamente relevantes que conformam a causa petendi e que vão sustentar o efeito jurídico que pretende ver judicialmente reconhecido, ou seja, o pedido. Ao réu, por seu lado, é atribuído o direito de se defender, tanto por impugnação, como por excepção, quer contradizendo os factos e respectivos efeitos jurídicos articulados pelo autor, quer alegando, explicitamente, factos que obstem à apreciação do mérito da acção ou que sirvam de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor (vide artigo 487.º do CPC).

Em síntese, resultará que o objecto do processo será definido tanto pelo pedido (assente na causa de pedir), como pela defesa deduzida, cabendo ao Tribunal julgar e decidir com base na prova dos factos, tendo em consideração a conformação do referido objecto processual e os inerentes elementos objectivos e subjectivos constitutivos da tutela jurisdicional requerida.

Nesta lógica processual e ainda em 1ª instância, a Sumitomo Corporation impugnou os factos articulados pelo aqui Recorrente relacionados com o alegado despedimento verbal, trazendo ao processo a questão do procedimento disciplinar instaurado por faltas ao serviço e que culminou com a medida de despedimento, por violação às alíneas a), d) e f) do artigo 225.º da então LGT, que se refere às infracções disciplinares que constituem justa causa para o despedimento disciplinar.

No âmbito da sua contestação, esta empresa formulou, também, pedido reconvencional para o pagamento de um valor em dívida.

Deste modo, o Tribunal a quo na construção do seu raciocínio lógico-jurídico para a fixação da matéria de facto dada como provada e consequente decisão sobre o mérito da causa, teve em consideração, entre outros, (i) o facto de ter sido aplicada ao Recorrente uma medida de admoestação registada na sequência de desentendimento com o Director Geral de Empresa (prova documental), (ii) o facto de o Recorrente ter entendido que havia sido despedido verbalmente após o referido desentendimento e não mais ter comparecido ao trabalho (provado por confissão), (iii) o facto de a Sumitomo Corporation ter considerado a atitude do Recorrente como sendo de ausências injustificadas e (iv) o facto de a Sumitomo Corporation ter instaurado procedimento disciplinar por faltas injustificadas. Nos termos deste procedimento, o Recorrente recusou-se a exercer o direito ao contraditório, não tendo assinado a convocatória para a entrevista, nem nesta tomado parte, o que deu lugar ao despedimento (prova documental- processo disciplinar anexo).

Ora, foi com base nos factos acima apurados que o Tribunal a quo, ainda que em saneador- sentença, alicerçou os fundamentos da sua decisão, tendo elencado como questão principal a decidir a de saber se a Sumitomo Corporation havia cumprido o formalismo legalmente imposto no processo de despedimento, pressupondo-se, obviamente, estar aqui em causa o pedido formulado pelo Recorrente no sentido de ser aferida a nulidade do alegado despedimento verbal, por inobservância do preceituado no artigo 228.º da LGT, vigente à data dos factos,

Como já antes assinalado, o pedido está indissoluvelmente ligado à causa de pedir, na medida em que o autor deve, na petição com que propõe a acção, expor os factos e as razões de direito que lhe (acção) servem de fundamento (vide artigo 467.º do CPC). No entanto, a composição da lide, a fixação da matéria a decidir no processo, integrará igualmente os factos impugnados por aquele contra quem é proposta a acção, ou seja, o réu/a ré, definindo-se, deste modo e salvaguardada a regra do iura novit curia (vide artigo 664.º do CPC), o objecto do processo que vai condicionar o objecto da decisão. Em suma, é no âmbito do objecto do processo que se irá delimitar o thema decidendum e também o thema probandum.

No caso em apreço e pelo que se retira dos autos, não parece evidente que o Tribunal a quo se tenha equivocado ao fixar a matéria de facto objecto da acção de recurso disciplinar, pese alguma ambiguidade na relação fundamentação e decisão, como ajuizado pela instância recorrida.

No aresto do Tribunal Supremo, aqui impugnado, é aflorada a eventualidade de contradição entre a fundamentação de facto que foi subsumível ao disposto n.º 2 do artigo 53.º da LGT, então aplicável, e a decisão nulidade do despedimento. Esta questão não foi, entretanto, apreciada, porque considerada como não compreendida no objecto da sindicância requerida pela Sumitomo Corporation. A este propósito pode ler-se, a págs. 149 dos autos, o seguinte:“ … serem os factos constantes da comunicação da medida disciplinar de admoestação registada os mesmos que estiveram na base da instauração do processo disciplinar para a aplicação da medida disciplinar de despedimento imediato, parece-nos um exercício infeliz. Aliás, reconhece a Mmª Juíza a quo, na fundamentação de facto a fls. 83 e está dado como assente que uma coisa é a aplicação da medida de admoestação registada pelo facto de o Apelado (aqui Recorrente) se recusar a dar explicações convincentes pela utilização indevida da viatura e outra, completamente diferente, é a instauração de processo disciplinar com fundamento nas faltas injustificadas dadas, de tal sorte que, em nosso entender, estamos perante uma contradição entre o fundamento e a decisão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC, que levaria a nulidade da sentença. Porém, não é isso que nos é pedido. Pelo que não estamos perante a aplicação, ao Apelado (ora Recorrente), de duas medidas diferentes por factos contínuos e interligados. Estamos, sim, perante factos diferentes, cujas responsabilidades devem ser aferidas, sob pena de se estar a inverter a pirâmide da posição das partes na relação jurídico- laboral.

Em todo o caso, em sede do Tribunal a quo, não resultou provado o alegado despedimento verbal que, se tido eventualmente como procedente e ante a natureza unilateral e irrevogável do acto jurídico de despedimento, acarretaria, efectivamente, a extinção da relação jurídico-laboral e, por consequência, a extinção do poder disciplinar da Sumitomo Corporation contra o Recorrente, como este último alega.

Nessa medida, a instauração de um qualquer procedimento disciplinar subsequente teria de ser julgado ineficaz. Ora, não foi o que ocorreu pela prova carreada ao processo e pela convicção formada pelo julgador a propósito, que decidiu sindicar todas as questões emergentes do conflito submetido à sua apreciação.

Assim, entendendo-se que o objecto do recurso é sempre uma decisão impugnada, foi tendo em conta o conteúdo do saneador-sentença, nos seus termos e fundamentos, e as conclusões das alegações das partes, que o recurso interposto pela Sumitomo Corporation, parte vencida na acção de recurso em matéria disciplinar, foi julgado em sede do Tribunal Supremo, que definiu como questões a apreciar e decidir, entre duas outras, as seguintes: (i) saber se o Tribunal a quo cometeu ou não um erro na apreciação da prova ao entender que se tratou de uma mesma infracção pela qual o Recorrido (ora Recorrente) foi duplamente punido; (ii) saber se o Tribunal a quo reconheceu ou não que o formalismo processual do despedimento do Recorrido (aqui Recorrente) foi cumprido na íntegra e (iii) saber se o despedimento é ou não procedente.

Por imperativo legal, a questão trazida à apreciação deste Tribunal Constitucional (inobservância do estatuído no n.º 1 do artigo 661.º do CPC) não foi, obviamente, suscitada (vide artigo 680.º, n.º 1 do CPC). Por outro lado, e também por imperativo legal, impendia sobre o Tribunal Supremo a obrigação de conhecer do recurso ainda que a decisão da 1ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda estivesse ferida da nulidade ora arguida pelo Recorrente junto desta Instância Constitucional (vide artigo 715.º do CPC).

Nesta conformidade, o Tribunal Supremo, em reapreciação da factualidade dada como provada, não contrariou o juízo decisório da primeira instância relativamente a não verificação do alegado despedimento verbal, nem quanto à observância do formalismo para o despedimento disciplinar.

Este Tribunal, também, torna evidente que não foi negado ao Recorrente o direito de defesa no âmbito do procedimento disciplinar. Ao contrário, foi este quem se colocou à margem de todo o processo, ao recusar-se receber a convocatória para a entrevista e nela comparecer, pelo que a consequência do não exercício deste direito não deve ser imputada à Sumitomo Corporation, extrai-se do acórdão recorrido.

Por outro lado, à luz dos factos apurados e provados e de uma interpretação e qualificação jurídicas dos mesmos distinta da acolhida pela primeira instância, como acima exposto, o Tribunal Supremo decidiu pela procedência do despedimento efectivamente ocorrido, o disciplinar, ao considerar que o comportamento do Recorrente (reflectido nos autos e no processo disciplinar apenso) configurou “uma conduta censurável e reprovável que justifica a aplicação da medida disciplinar de despedimento imediato prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 49.º da LGT (Lei n.º 2/00, aplicável à data dos factos), subsumindo-se às alíneas a), d) e f) do artigo 225.º da LGT e constituindo justa causa disciplinar, não sendo, consequentemente, de exigir do empregador a continuação da relação jurídico-laboral.

Ante o que acima se expende, não se vislumbra em que medida o exercício de controlo efectuado pelo Tribunal ad quem tenha extravasado os limites do seu poder de decisão, em face da necessária correlação que deve existir entre o pedido, a causa de pedir e a sentença, aspecto que materializa o também chamado princípio da congruência que, como é sabido, está directamente relacionado com o princípio do dispositivo.

Além de tudo, importa igualmente ter em conta que, em sede de alguma doutrina, jurisprudência e também da lei, é admissível, no domínio da relação processual de trabalho, um desvio ao princípio do dispositivo no que tange aos limites de decisão, que se concretiza na possibilidade de condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso, a também designada condenação extra vel ultra petitum.

Esta possibilidade, como já aflorado em jurisprudência deste Tribunal, decorre da própria natureza do direito do trabalho, regido que é, entre outros, pelo princípio da protecção do trabalhador, sendo, pois, consequência necessária da imperatividade e indisponibilidade das normas que simultaneamente protegem o trabalhador e constroem a paz social (…) e um dos reflexos processuais da irrenunciabilidade dos direitos substantivos do trabalhador, nas palavras de Raúl Ventura (Princípios Gerais de Direito Processual do Trabalho, in Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 48).

Impõe-se, assim, extrair conclusão sobre a alegada inconstitucionalidade do Acórdão recorrido por violação do princípio da legalidade, plasmado no n.º 2 do artigo 6.º da CRA.

Da jurisprudência deste Tribunal Constitucional retira-se o entendimento segundo o qual o princípio da legalidade é também reconhecido, em sede do ordenamento jurídico-constitucional angolano, como estruturante do estado democrático de direito, servindo de parâmetro de validade de toda acção dos poderes públicos, que deve subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade, respeitando e fazendo respeitar as leis.

Este princípio traduz, assim, a ideia do dever ser (tal como os demais princípios constitucionais) bem como a de garantia de segurança jurídica que, no dizer de JJ Gomes Canotilho, está relacionada com elementos objectivos da ordem jurídica, ou seja, a garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pág. 257) e a ideia de limitação do poder dos titulares dos órgãos de soberania, onde se incluem, obviamente, os tribunais.

No quadro da actividade jurisdicional, o princípio da legalidade impõe, deste modo, a vinculação imperativa da actividade do Juiz à Constituição e à lei, postulado acolhido igualmente pelo artigo 175.º da CRA, que estabelece que “no exercício da função jurisdicional, os Tribunais são independentes e imparciais, estando apenas sujeitos à Constituição e à lei”. JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram, a propósito da sujeição dos tribunais à lei, que esta obrigação incorpora dois tipos de limites de que decorrem, por um lado, a necessidade de os tribunais se sujeitarem ao Direito no seu conjunto, como sistema de ordem jurídica, e não apenas como lei enquanto fonte unilateral do Estado e, por outro, a necessidade de os tribunais averiguarem, na aplicação das normas que regulam o processo ou a decisão, quais as normas válidas do ponto de vista da sua hierarquia (Fundamentos da Constituição, pág. 795, em citação de Bacelar Gouveia e Sérvulo Correia, em Princípios Constitucionais).

Por conseguinte, também a decisão judicial é obviamente parametrizada por este princípio, devendo, consequentemente, reflectir a sua conformidade com a lei, incluindo a Lei Maior, sob pena de afectação da sua validade, como igualmente tem sido reiterado por este Tribunal Constitucional.

Assim, no processo de prolação da decisão judicial que implica, latu sensu, aplicar a norma jurídica ao caso concreto submetido à apreciação do Tribunal, o Juiz deve, pois, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes aos factos previamente considerados provados, (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, pág. 129), exercício em que se concretiza o princípio da legalidade, na sua dimensão de princípio da legalidade da decisão judicial.

Por outro lado, associado ao princípio da legalidade acima expresso, é mister que a decisão judicial esteja devidamente fundamentada, embora, como é sabido, o Tribunal não esteja vinculado às alegações das partes, de harmonia com o que dispõe o artigo 664.º do CPC, já antes aflorado, sendo que os argumentos por estas (partes) avançados com vista à solução pretendida não podem ser confundidos nem com os pedidos formulados, nem com a respectiva causa de pedir.

Temos assim que a vinculação do Juiz/Tribunal à lei deve, em termos gerais, ser percebida no plano da fundamentação e do direito aplicado ao caso concreto, devendo este ser resolvido mediante uma ponderação argumentativa racionalmente orientada que conduz, por isso mesmo, a uma solução comunicativamente fundada, que permita um controlo da decisão pelos seus destinatários (Castanheira Neves, Metodologia Jurídica, pág. 32).

No caso sub judice, este Tribunal considera que os critérios acima identificados foram tidos em conta pelo Tribunal ad quem, cuja decisão é o objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

 Ao proceder à reapreciação dos factos relevantes para o processo e fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal Supremo subsumiu esses factos às normas jurídicas da LGT então aplicáveis à lide, extraindo, deste modo, a consequência jurídica que, em resultado da sua ponderação, se impunha. In casu, a procedência do despedimento, em face da impossibilidade de manutenção da relação laboral, decorrente da aplicação da medida de despedimento disciplinar, por comportamento grave do Recorrente, consubstanciado em justa causa disciplinar.

 DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

 Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho e do n.º 5 do artigo 7.º da Lei n.º 9/05, de 17 de Agosto – Lei sobre a Actualização das Custas Judiciais e de Alçada dos Tribunais.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda aos 15 de Abril de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora) 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima Lima D´ Almeida B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata