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ACÓRDÃO N.º 613/2020

 

PROCESSO N.º 760-D/2019

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO 

Fernando Hernani Mateus da Luz, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Proc. n.º 2047/18, que o condenou na pena de 4 anos e 6 meses de prisão maior.

Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou as seguintes alegações:

  1. Foi condenado em primeira instância e, por isso, recorreu para o Tribunal Supremo que, igualmente, confirmou a decisão recorrida, da qual foi notificado a 5 de Agosto de 2019 e, no dia seguinte, isto é, a 6 de Agosto, o Juiz da causa ordenou a prisão do Recorrente mediante mandado de condução à cadeia.
  2. A decisão do Juiz da causa em mandar de imediato o Recorrente recolher à cadeia viola o preceituado nos nºs 1 e 6 do artigo 67.º da Constituição da República de Angola (CRA), que consagra o direito de interpor recurso da decisão contra si proferida, pelo que, tal decisão preenche os requisitos para procedência do presente recurso que é a ilegalidade da prisão por ter sido motivada por facto pelo qual a lei não permite, cfr. § único do artigo 315.º do Código de Processo Penal (CPP).
  3. Viola, igualmente, o direito à ampla defesa, o direito ao recurso, os princípios da legalidade, da presunção de inocência e do due process, pelo facto de não se ter esgotado a cadeia recursória extraordinária, uma vez que ao Recorrente ainda assiste o direito de interpor um recurso extraordinário de inconstitucionalidade da decisão proferida pelo Tribunal ad quem, no prazo de oito dias, a contar da data da notificação, conforme dispõe a alínea a), do n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).
  4. A decisão recorrida viola o princípio do contraditório, pois, ao não lhe ter sido dada a oportunidade de oferecer as razões de facto e de direito que podiam influenciar a seu favor a decisão final, foi negado ao Recorrente a participação directa e activa no processo.
  5. É jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 506/2018, que o direito ao recurso extraordinário não pode ser restringido, pois com o acórdão do Tribunal ad quem, ficam apenas esgotados os recursos ordinários nos tribunais comuns. Assim, o trânsito em julgado daquela decisão só se verificaria passados oito dias, conforme aludido na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º da LPC, conjugado com o § único do artigo 49.º da mesma lei. Por isso, andou mal o Juiz da causa ao mandar o Recorrente para a cadeia, sem dar-lhe a oportunidade de interpor o último recurso de que tinha direito.
  6. Foi violado o direito de ir e vir, que é um direito fundamental que deveria ser assegurado e defendido pelos tribunais, nos termos do n.º 2 do artigo 174.º da CRA.
  7. O acórdão recorrido é inconstitucional por não ter apreciado todas as alegações apresentadas, pois o Recorrente não cometeu o crime de que foi acusado e pelo qual foi condenado, como resultado da provocação do ofendido Edvânio Celso César Calunjije, sendo esta uma circunstância atenuante que não foi tida em conta, violando-se gravemente o artigo 370.º do Código Penal (CP).
  8. É injusto e ilegal que o Recorrente cumpra uma pena por factos não verdadeiros, uma vez que o ofendido não perdeu a visão como foi aludido no acórdão, pois, este trabalha normalmente como efectivo da Polícia Nacional. Por isso, é imperioso que o Tribunal ordene que se efectuem diligências, nos termos do Decreto-Lei n.º 4-A/96 de 5 de Abril, junto do Ministério do Interior para que forneça o relatório médico do lesado no sentido de se provar a real situação visual do mesmo.
  9. O acórdão viola gravemente o princípio da verdade material, pelo facto de o Tribunal não ter esgotado todas as diligências necessárias para verificar a situação real do ofendido e não foram tidas em conta várias circunstâncias atenuantes. Por isso, requer uma análise ponderada e se profira uma sentença harmoniosa, porque a pena de 4 anos é excessiva.

O Recorrente terminou solicitando que este Tribunal dê provimento ao presente recurso e declare inconstitucional o acórdão do Tribunal Supremo.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º ambos da LPC. 

III. LEGITIMIDADE

 O Recorrente foi Réu no Processo n.º 2047/18, que correu os seus trâmites na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, pelo que tem direito de contradizer, segundo dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), que se aplica, subsidiariamente, ao caso em apreço, por previsão do artigo 2.º da referida LPC.

Assim sendo, o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da LPC. 

IV. OBJECTO 

O presente recurso tem por objecto o acórdão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, prolactado no âmbito do Processo n.º 2047/18, cabendo verificar se tal decisão violou ou não princípios e direitos constitucionais.

V. APRECIANDO

O Recorrente Fernando Hernani Mateus da Luz, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade sustentando que o acórdão do Tribunal Supremo violou o seu direito ao recurso extraordinário na medida em que foi mandado recolher à cadeia logo após a notificação da decisão do Tribunal Supremo, sem que esta tivesse transitado em julgado, porquanto tinha oito dias para dela recorrer.

Compulsados os autos, este Tribunal verificou que o juiz da causa expediu mandado de soltura aos 16 de Outubro de 2019, tendo o Réu, ora Recorrente, sido restituído à liberdade no dia 24 de Outubro de 2019. Com este “aliud pro alio”, torna-se despiciendo ao Tribunal conhecer desta questão, uma vez que o Recorrente já foi posto em liberdade.

O Recorrente alega, ainda, a ilegalidade e violação do princípio da verdade material pelo facto de o Tribunal Supremo não ter esgotado todas as diligências necessárias e cabíveis para verificar a situação real do ofendido, não ter tido em conta circunstâncias atenuantes e o pedido por si formulado, relativamente à análise ponderada da medida da pena.

Entende este Tribunal que o acórdão não viola os princípios constitucionais da legalidade, do contraditório, da presunção da inocência e do julgamento justo e conforme, alegados pelo Recorrente, visto que da análise dos autos constata-se que o Réu confessou a prática do crime de que resultou a sua condenação, conforme denotam as fls. 245 dos autos, artigo 24.º das suas alegações.

Considerando, pois, que o julgador forma o juízo de certeza com base nos factos submetidos à sua apreciação, a lei confere a este uma livre apreciação e valoração das provas. Ademais, não é competência do Tribunal Constitucional aferir se o juiz “ad quem” procedeu a uma correcta apreciação da prova, conforme ensina o Professor Carlos Blanco de Morais, “esta não é uma instância suprema de mérito, ou um Tribunal de super-revisão, não lhe compete aferir a justeza da decisão jurídica segundo o direito ordinário aplicado ao processo…”(vide, Morais, Carlos Blanco, in Justiça Constitucional TOMO II O Direito do Contencioso Constitucional, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág.619 Lisboa 2011,)

No entanto, por não se tratar de uma terceira instância de jurisdição comum, cujas competências estão escalpelizadas nas disposições conjugadas dos artigos 180.º da CRA com o artigo 16.º da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho (redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10 de 3 de Dezembro), que são estritamente as de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, não pode este Tribunal pronunciar-se sobre o mérito da decisão da causa.

Por tudo quanto foi dito e analisado, este Tribunal Constitucional julga improcedente o presente recurso, por não se vislumbrar na decisão recorrida, qualquer violação de normas ou princípios constitucionais.

DECIDINDO

Nestes termos,                   

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em: 

 Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 29 de Abril de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

 Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator) 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria Fátima da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata