ACÓRDÃO N.º 615/2020
PROCESSO N.º 732-B/2019
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
HELENA DE FÁTIMA AUGUSTO, ora viúva de Paulo da Conceição Santana Sobrinho, ambos devidamente identificados nos autos, veio interpor, a fls. 293, um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, relativamente ao Acórdão proferido pela Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo no âmbito do Proc. n.º 918/05.
Notificada da admissão do recurso, veio a Recorrente a este Tribunal apresentar as alegações que a seguir se resumem:
A Recorrente termina as suas alegações, pedindo a revogação da douta decisão do Tribunal Supremo.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, de “sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.
Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional "as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
A Recorrente é parte vencida no Proc. n.º 918/05, que correu termos junto da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, pelo que tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional.
IV. OBJECTO
Constitui objecto do presente recurso, o acórdão proferido pela Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo por, alegadamente, ter violado princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 1.º, 2.º n.º 2, 6.º n.º 2, 21.º alínea b), 28.º n.º 1, 29.º n.ºs 4 e 5, 31.º n.º 2, 56.º nºs 1 e 2, 57.º n.º1, 58.º nºs 1 e 5 alínea d), 82.º, 84.º e 85.º todos da CRA.
V. APRECIANDO
Questão prévia
No presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, impõe-se verificar, antes de apreciar e decidir, se a decisão impugnada (proferida pelo Tribunal Supremo) violou algum princípio constitucional contido nos artigos acima referidos ou algum direito, liberdade e garantia fundamental, saber se o presente recurso ainda pode ser objecto de apreciação pelo Plenário do Tribunal Constitucional em face do momento da sua interposição. Porquanto, vejamos:
Por sentença judicial, de 13 de Maio de 2002, proferida pela 3.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, o juiz da causa decidiu a favor dos autores (Alfredo Antunes Correia Pinto e esposa), devolvendo a estes o imóvel em disputa, por entender serem os reais proprietários, conforme consta de fls. 154 - 161 dos autos. Desta decisão da 1.ª instância, os autores dela foram notificados no dia 25 de Junho de 2002, (fls.164), enquanto os réus; Helena de Fátima Augusto (ora Recorrente) e o já falecido Paulo da Conceição Santana Sobrinho notificados no dia 12 de Fevereiro de 2003. (fls. 164 verso).
Todavia, não se conformando com a referida decisão, os réus interpuseram recurso de agravo, no dia 17 de Fevereiro do ano de 2003 (fls. 165). Tendo havido erro na espécie de recurso, não constituindo causa de indeferimento nos termos do artigo 474.º do CPC, o juiz da causa, em obediência ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo, mandou seguir o processo, procedendo à devida rectificação, de agravo para o recurso de apelação.
Assim, sobre este recurso recaiu uma decisão da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, vertida no Acórdão de 3 de Outubro do ano de 2008. Deste Acórdão, foram os autores notificados no dia 15 de Fevereiro do ano de 2009, (fls. 245), ao passo que os co - réus foram notificados apenas no dia 2 de Junho do mesmo ano (fls. 249), na sequência de precedente certidão negativa (fls. 246).
Mais uma vez inconformados, desta feita com a decisão que coube do recurso de apelação, interpuseram um recurso de revisão e cassação, aos 8 de Junho de 2009, tendo-lhes sido notificado o indeferimento por falta de fundamento, aos 10 de Dezembro do mesmo ano (fls. 272).
De seguida, contado o processo e notificados os Recorrentes, ainda no ano de 2009, para pagar as taxas de justiça liquidadas, estes, ao invés de proceder ao devido pagamento, invocaram incapacidade de o fazer, suscitando o incidente de assistência judiciária que culminou aos 6 de Abril do ano de 2018, conforme o despacho de fls.288, no qual o Tribunal Supremo reiterava o anterior despacho, seja, indeferindo o recurso de cassação e o pedido de assistência judiciária.
A Recorrente foi notificada deste despacho aos 30 de Julho do ano de 2018 fls. 291, reagindo com a interposição do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, somente aos 6 de Agosto do ano de 2018 (fls. 293).
No que respeita ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade
Importa frisar que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, Lei de alteração à Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, LPC, o critério do trânsito em julgado não era o que determinava o momento em que a parte interessada podia lançar mão a este recurso de inconstitucionalidade, mais sim o momento da notificação da sentença, aliás entendimento igualmente vertido nos Acórdãos nºs 121/10 e 122/10, deste Tribunal.
Tratava-se, pois, de uma espécie de desvio à regra de impugnação das decisões jurisdicionais, porque diante da eventual lesão de princípios, direitos, liberdades e garantias por uma decisão judicial, o lesado tinha a liberdade de imediatamente recorrer ao Tribunal Constitucional e, se assim o fizesse, seria completamente aceitável, na medida em que a lei do processo constitucional vigente à data nada dispunha em contrário.
Deste modo, os co-réus esgotaram os recursos ordinários cabíveis para apreciação da questão em discussão, sendo que a partir daquela decisão, dispunham do prazo de 8 dias para interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 51.º da LPC.
Ora, ao invés disso, lançaram mão do recurso de revisão e cassação que é, como se sabe, um recurso extraordinário do direito processual civil, cujos fundamentos são os que vêm previstos nos artigos 771.º e seguintes do CPC.
Os recursos de revisão e o extraordinário de inconstitucionalidade têm de comum apenas o aspecto de serem ambos pedidos de reapreciações extraordinárias de determinadas decisões. Porém, em boa verdade, são dois mecanismos processuais de natureza e objecto distintos e cumprem funções diversas (cfr. GUERRA, Rosa Maria, “O Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade: Problemas da Configuração, do Regime e da Natureza Jurídica”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, pp. 209, 224).
É este mesmo entendimento que se extrai da leitura e interpretação da norma prevista no artigo 49.º da LPC. Ou seja, nos termos do que aí se dispõe, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem o seu objecto limitado a questões de incidência constitucional que lesem direitos fundamentais e que coloquem em causa a força normativa e vinculativa da Constituição. Por esta razão se lhe atribui características específicas funcionando na ordem jurídica angolana como um recurso especial (cfr. o Acórdão n.º 239/2013, (deste Tribunal), dirigido única e exclusivamente à defesa de direitos fundamentais e princípios constitucionais consagrados na lei fundamental e se lhe impõe um prazo de 8 dias, contados a partir do dia imediatamente a seguir à data da notificação do acórdão, conforme disposto no n.º 1 do artigo 51.º da LPC mas que, actualmente implica o prévio esgotamento, nos tribunais comuns e demais tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos para a situação em análise, concretizando, deste modo, o sistema difuso de controlo da constitucionalidade vigente em Angola, paragrafo único do artigo 49.º da LPC, com a redacção dada pelo artigo 13.º da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro.
A ser assim, não pode proceder a pretensão da Recorrente em solicitar a intervenção do Tribunal Constitucional com o objectivo de ver a decisão da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo revogada. Esta decisão, que foi proferida aos 3 de Outubro de 2008, há muito transitou em julgado. Quer dizer, tendo sido notificada dessa decisão no dia 2 de Junho do ano de 2009, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º da LPC, a Recorrente tinha até ao dia 10 de Junho do mesmo ano para lançar mão ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ou fazer uso da prerrogativa legal estabelecida no n.º 4 do artigo 145.º do CPC, seja, invocando o justo impedimento.
Ora, não o tendo feito, o direito da Recorrente ao recurso, ficou irremediavelmente comprometido, isto é, extinguiu-se o seu direito pelo decurso do prazo e não pode mais lançar mão deste mecanismo processual constitucional.
A contrário sensu, apreciar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade para julgar uma decisão que se tornou inalterável pelo trânsito em julgado (cfr. artigo 677.º do CPC), constituiria isso sim, uma grave violação aos princípios da certeza e segurança jurídicas.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Custas pela Recorrente nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho da LPC.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Maio de 2020.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto Burity da Silva
Dr. Carlos Magalhães
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima A. B. da Silva (Relatora)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata