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ACÓRDÃO N.º 619/2020

PROCESSO N.º 769-A/2019

Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO 

Borges Marcos, Célcio da Purificação Maria e outros, com os demais sinais de identificação nos autos, vêm impugnar a VIII Reunião Ordinária do Bureau Político e a V Reunião Ordinária do Comité Central realizadas pela direcção central do Partido, nos dias 9, 10 e 11 de Setembro de 2019, alegando a violação da lei e dos Estatutos da FNLA.

Para o efeito, os Requerentes apresentaram as seguintes alegações:

  1. As convocatórias para as reuniões ordinárias do Comité Central e do Bureau Político não foram entregues nominalmente, com a antecedência de 30 (trinta) dias.
  1. Não houve quorum na reunião do Bureau Político, porque Ndonda Nzinga foi impedido de participar dela e, por solidariedade, 20 (vinte) membros do Bureau Político desistiram, abandonando a sala.
  1. Os Estatutos do Partido Político FNLA exigem, no artigo 24.º, o quorum de 207 para as reuniões do Comité Central. O Comunicado Final da reunião do Comité Central da FNLA refere que houve um quorum de 208 membros, incluindo os comissários da Comissão Nacional Eleitoral e os Primeiros Secretários Provinciais. Acontece que estes não contam para a determinação do quorum, por não serem membros do Comité Central, sendo que, na verdade, estes representam apenas um número de 207 membros.
  1. Um Secretariado do Bureau Político, emanado do Congresso Extraordinário do Huambo, usurpou as competências do Congresso e do Comité Central, reajustando a composição dos órgãos centrais. Com isso, violou a alínea b) do n.º 2 do artigo 20.º e a alínea n) do n.º 3 do artigo 26.º, ambos dos Estatutos, e a alínea c) do artigo 8.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP).
  1. Os comissários participaram nas reuniões do Bureau Político e do Comité Central, colidindo com as incompatibilidades. Além disso, a LPP, no artigo 8.º, e os Estatutos, nos artigos 20.º e 22.º, são claros quanto à periodicidade de renovação de mandatos do Presidente e dos membros do Comité Central.
  2. O pacto de reconciliação da FNLA viola o princípio democrático, previsto no artigo 17.º da Constituição da República de Angola (CRA). Com o referido pacto, a FNLA pretende realizar um Congresso não electivo, sem Comissão Preparatória, com listas de delegados indicados, violando os artigos 22.º e 23.º dos Estatutos.
  1. O Acórdão n.º 543/2019 explica que “em obediência à tutela dos direitos constitucionais, os princípios da legalidade e da igualdade material impõem aos partidos políticos o dever de respeito à CRA e à lei, em paridade de circunstâncias. Assim, o Partido FNLA é impelido ao seu acatamento, sob pena de nulidade dos actos que pratique ou das deliberações que adopte, ao abrigo do artigo 294.º do Código Civil”.

Os Requerentes solicitam, por fim, que sejam anuladas as referidas reuniões do Bureau Político e do Comité Central, que ora impugnam.

Ouvido o Requerido Lucas Benghim Gonda, Presidente do Partido Político FNLA, veio este dizer, em oposição, o seguinte:

  1. O que os Requerentes alegam não condiz com a verdade. As reuniões foram adiadas por razões técnicas, mas acabaram por ser realizadas nos dias 9, 10 e 11 de Setembro de 2019, com o quorum exigido pelos Estatutos e as convocatórias enviadas nominalmente.
  2. Os Requerentes alegam não ter havido quorum, relevando a presença na reunião de Secretários Provinciais, por não serem membros do Comité Central, e a desistência dos membros que participavam da reunião do Bureau Político. Mas os desistentes, após esclarecimento, participaram da reunião do Comité Central no dia seguinte.
  3. Os Secretários Provinciais e outras individualidades que participam nas reuniões são convidados e, como tal, não contam para o quorum e nem têm direito de voto.
  4. Tão logo foi eleita a actual direcção no IV Congresso Ordinário de 2015, os inconformados constituíram o movimento dos 50%+1 membros, dirigido por Fernando Pedro Gomes e Ndonda Nzinga, ambos autointitulados Presidente e Secretário Geral da FNLA, respectivamente, abdicando dos direitos e das obrigações de militante.
  5. São eles que, volta e meia, impugnam os actos da direcção legítima do Partido, como se pode ver no Processo n.º 654-B/2018 e noutros. Portanto, dúvidas não restam de que se está perante a figura de litigância de má-fé, previsto no n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil (CPC).
  6. À luz dos Estatutos, os congressos ordinários servem para a renovação de mandatos e devem ser convocados 12 meses antes, ouvido o Comité Central. Logo, de Setembro a Dezembro de 2019, não seria possível a realização do conclave.
  7. As reuniões do Bureau Político e do Comité Central, realizadas nos dias 9, 10 e 11 de Setembro de 2019, tiveram o quorum necessário para o efeito, como se pode conferir nas listas, em anexo.

Em resumo, o Requerido pede que a presente acção seja julgada improcedente e, em consequência, sejam as reuniões do Bureau Político e do Comité Central declaradas conforme a Lei e os Estatutos do Partido Político FNLA.  

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

 II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para apreciar e julgar as acções e reclamações sobre conflitos internos de partidos políticos e de coligações que resultem da aplicação dos seus Estatutos, nos termos das disposições combinadas da alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), e do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos.

III. LEGITIMIDADE

A legitimidade processual activa é aferida mediante o interesse directo que a parte tem em demandar, e a legitimidade processual passiva decorre do interesse directo da contra-parte em contradizer. Os Requerentes são militantes do Partido FNLA, como provam os autos de fls. 28 a 30, logo, têm interesse directo em demandar e o Requerido é o Presidente do Partido Político FNLA, com interesse directo em contradizer, como resulta do artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.

IV. OBJECTO

O objecto da presente acção é a verificação da conformidade jurídico-legal e estatutária das reuniões do Bureau Político, de 9 de Setembro de 2019, e do Comité Central, dos dias 10 e 11 do referido mês e ano, impugnadas pelos Requerentes.

V. APRECIANDO 

  1. Relativamente à convocatória das reuniões no quadro dos Estatutos

 Os Requerentes nas suas alegações afirmam que as convocatórias das reuniões ordinárias do Bureau Político e do Comité Central não foram entregues nominalmente, com a antecedência necessária de 30 dias, além de ter havido uma distribuição selectiva das convocatórias a que os membros dos órgãos de direcção têm direito de receber (a fls. 117 e 118 dos autos).

Ora, o princípio da organização e funcionamento democráticos, consagrado na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º da Constituição, ocupa-se de toda a fase da vida interna dos partidos e coligações e serve de mecanismo jurídico para orientar a criação de condições de participação efectiva de militantes nos actos políticos.

Este princípio encontra-se reflectido em muitas normas dos Estatutos da FNLA, como se pode constatar nas disposições estatutárias do n.º 5 do artigo 23.º, em que se lê o seguinte: “as convocatórias para as reuniões ordinárias do Comité Central e do Bureau Político devem ser elaboradas e entregues nominalmente aos seus membros com antecedência de trinta (30) dias”.

Da leitura dos autos de fls. 28, 30 e 32, este Tribunal verifica que as convocatórias foram enviadas nominalmente e, apesar de a notificação ter sido feita no dia 3 de Setembro de 2019, ou seja, seis (6) dias antes da realização dos actos, e não 30 dias, conforme orientam os Estatutos, os Requerentes participaram das reuniões convocadas e assinaram as listas de presença.

Segundo regras gerais sobre a invalidade dos actos, a omissão de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, como resulta da disposição do artigo 201.º do CPC.  

Assim, a convocatória entregue tardiamente não acarreta vícios que possam influir na decisão da causa, porque ficou confirmada a presença dos Requerentes nas reuniões convocadas, embora se reitera que tenha havido irregularidade na sua distribuição.

Apesar de ser esta a jurisprudência firmada, como está patente nos Acórdãos nºs 509/2018 e 548/2019, este Tribunal entende que uma das características essenciais dos partidos políticos é a necessidade de cumprimento dos deveres consagrados nos Estatutos e na lei.

Por isso, é obrigação da direcção do Partido Político FNLA adoptar uma postura de compromisso pelo respeito à Constituição e à lei, prezando os seus militantes e não violando os Estatutos no âmbito da organização e funcionamento dos seus órgãos.

  1. Sobre a usurpação de poderes e listas de presenças contendo comissários da CNE

Os Requerentes alegam, ainda, que os poderes dos órgãos centrais da FNLA foram usurpados por um Secretariado do Bureau Político saído do invalidado Congresso Extraordinário realizado no Huambo, de 25 a 27 de Junho de 2018, que reformulou a composição do Comité Central e do Bureau Político, tendo, deste modo, seleccionado os membros de direcção que acabaram por participar das reuniões em causa.

De acordo com os Estatutos da FNLA, os membros do Comité Central são eleitos pelo Congresso e os integrantes do Bureau Político resultam da eleição protagonizada pelo Comité Central, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 20.º e da alínea h) do n.º 3 do artigo 26.º, ambos dos Estatutos.

Por outro lado, convém referir que, segundo a alínea t) do n.º 9 do artigo 34.º e do n.º 5 do artigo 23.º dos Estatutos, “compete ao Presidente da FNLA convocar as sessões do Bureau Político e do Comité Central …”, cujas “convocatórias… devem ser elaboradas e entregues nominalmente…”.

Daqui se infere que cabe ao Presidente do Partido, e não ao Secretariado do Bureau Político, o poder de assinar as convocatórias das reuniões e ordenar a sua entrega aos membros do Bureau Político e do Comité Central.

Este Tribunal constata, assim, que nos autos de fls. 28 a 32, as convocatórias enviadas, inclusive aos Requerentes, foram subscritas pelo Presidente da FNLA e contêm nomes e números dos membros do Bureau Político e do Comité Central, que participaram das reuniões, inclusive os aqui Requerentes.

Desta forma, não tendo as ditas convocatórias sido subscritas pelo Secretário Geral, que é quem preside às reuniões do Secretariado do Bureau Político, mas pelo Presidente da FNLA, não suscitam a este Tribunal outra conclusão, que não seja a inexistência de usurpação de poderes.

De igual modo, a presença de comissários da Comissão Nacional Eleitoral às reuniões do Bureau Político e do Comité Central não representa uma violação das disposições legais do n.º 2 do artigo 143.º, do n.º 3 do artigo 147.º e do n.º 3 do artigo 149.º, todos da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (LOEG).

Este diploma legal proíbe a integração dos Comissários Nacionais, Provinciais e Municipais da Comissão Nacional Eleitoral nos órgãos de direcção, a qualquer nível, dos partidos políticos e coligações de partidos políticos.

Contudo, os autos de fls. 158 e 165 denotam que não houve a violação da proibição de integração de comissários nos órgãos directivos do Partido Político, porquanto, tendo embora o direito de participar das reuniões dos órgãos de direcção do partido, como convidados, os militantes da FNLA, na qualidade de comissários eleitorais ou primeiros secretários provinciais, não assinaram as listas de presença, tais como aquelas referidas acima, onde este Tribunal constatou apenas a existência das assinaturas dos membros efectivos do Bureau Político e do Comité Central.

  1. Quanto à legalidade das reuniões do Bureau Político e do Comité Central

Aqui chegados, urge saber se as reuniões impugnadas pelos Requerentes reuniram quorum participativo e deliberativo, isto é, se obedeceram aos requisitos previstos na lei e nos Estatutos da FNLA, para que sejam consideradas válidas.   

A Lei Fundamental define a República de Angola como “um Estado democrático de direito que tem como fundamento …. o primado da Constituição e da lei…”, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Constituição.

A Lei dos Partidos Políticos, por sua vez, obriga as agremiações de carácter partidário a usarem as regras e critérios referentes à observação da democraticidade interna, à semelhança do que estabelece o artigo 24.º dos Estatutos da FNLA, quanto ao quórum, para que as reuniões dos órgãos sejam consideradas válidas.

Os Requerentes alegam também que as reuniões impugnadas não tiveram quorum, dado o facto de alguns membros do Bureau Político terem abandonado a sala do evento.

Na verdade, para que seja aferido o quorum de ambas as reuniões, é indispensável a verificação de que a lista tenha sido subscrita por 2/3 ou por 50%+1 dos membros do Bureau Político ou do Comité Central. É este o sentido que resulta da leitura do princípio da representatividade, previsto no artigo 24.º dos Estatutos da FNLA.

Todavia, é mister considerar que o n.º 1 do artigo 29.º e o n.º 1 do artigo 37.º, ambos dos Estatutos, enunciam que o Bureau Político é composto por 81 membros, sendo 74 efectivos e 7 suplentes, ao passo que o Comité Central é formado por 411 membros, entre os quais 374 são efectivos e 37 são suplentes. 

Apreciando a lista de presença, a fls. 165, este Tribunal certifica ter a reunião do Comité Central conta com a participação de um total de 188 membros, tendo, assim, o Partido FNLA observado a cifra numérica para formar o quorum de 50%+1 em face dos 374 membros efectivos.

Deste número, que formou o quorum estatutariamente exigível constam, verbi gratia, os Requerentes Borges Marcos, na posição n.º 60 da lista por si subscrita, e António Mambela, com o n.º 42 da lista que contém a sua assinatura.

Quanto ao Requerente Célcio da Purificação Maria, por ser apenas membro suplente, pertencente ao círculo provincial do Cuanza-Norte e destacado na posição n.º 386 da lista de presença, participou da reunião do Comité Central sem direito de voto e sem poder integrar o quorum.

No mesmo sentido, 46 membros efectivos do Bureau Político, representando um número superior à metade de 74 integrantes deste órgão de direcção, formaram o quórum de 50%+1 previsto nos Estatutos, como faz prova bastante a lista dos autos de fls. 158.    

Assim sendo, entende este Tribunal que não assiste razão aos Requerentes, quanto ao pedido formulado de anulação dos actos praticados pelos órgãos de direcção do Partido Político, por alegado incumprimento de regras da democracia interna, porquanto não foram violadas as disposições dos artigos 17.º da Constituição, 20.º da LPP e 24.º dos Estatutos da FNLA.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 21 de Maio de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

 Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães (Relator) 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria Fátima de Lima A. B da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata