ACÓRDÃO N.º 622/2020
PROCESSO N.º 755-C/2019
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Eduardo Isaac Kumandala, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 2821/19, de 16 de Maio, da 3ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo.
Em alegações de recurso veio, em conclusão, apresentar, em síntese, o seguinte:
Termina solicitando a revogação do acórdão recorrido.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, de “…sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.
Ademais, foi esgotado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente tem legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da LPC, por ser Réu no Processo de cujo Acórdão se recorre para este Tribunal.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é o acórdão do Tribunal Supremo por, alegadamente violar os princípios do direito ao recurso, direito à tutela jurisdicional efectiva e direito ao processo.
V. APRECIANDO
No caso concreto, o Recorrente vem invocar, em sede de alegações e conclusões, a violação de diversos princípios constitucionais, nomeadamente: a violação do direito ao recurso (nºs 1 e 6 do artigo 67.º), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º) e do direito ao julgamento justo e conforme (artigo 72.º), todos da CRA e os preceitos que se relacionam com os normativos processuais que regulam os prazos.
Uma vez que estes princípios se encontram todos eles correlacionados, vai-se proceder à sua análise conjunta.
Está aqui em causa um acórdão proferido no âmbito de um processo-crime que julgou deserto o recurso por extemporaneidade das alegações.
Compulsados os autos, verifica-se que o ora Recorrente foi, de facto, notificado no dia 11 de Julho de 2017, para apresentar as alegações no prazo de oito dias, com a cominação de que se o não fizesse seria o recurso julgado deserto.
Acabou por fazê-lo no dia 20, ou seja, um dia depois de decorrido aquele prazo que o próprio Recorrente admite ser peremptório, mas que pode comportar excepções.
Também, o aresto impugnado assim o entendeu e cominou com a deserção.
O n.º 6 do artigo 67.º da CRA reconhece a qualquer pessoa condenada o direito de interpor recurso ordinário ou extraordinário no tribunal competente e os nºs 1 e 4 do artigo 29.º consagra o acesso ao direito de todos os cidadãos para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como o direito a um processo equitativo.
São, pois, direitos fundamentais que devem ser protegidos num Estado democrático de direito, maxime pelos tribunais que são garantes desses direitos.
A falta de apresentação de alegações no prazo legal não pode constituir fundamento para impedir que o Recorrente possa ver reapreciada a decisão numa 2.ª instância, pois isso viola de facto o direito de acesso aos tribunais e o princípio da tutela efectiva, enquanto fundamentos do direito geral à protecção jurídica que se traduz na possibilidade de deduzir junto de um órgãos independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão que, no caso, é o direito a recorrer de uma decisão da qual se discorda.
O direito ao recurso pretende assegurar aos particulares a possibilidade de sindicarem as decisões judiciais de molde a conseguirem uma decisão mais justa.
É, por isso, obrigação de todos os Estados de direito democrático garantirem este acesso à justiça.
Deste modo, tem entendido este Tribunal que a sanção de deserção do recurso, prevista no n.º 1 do artigo 291.º do CPC, é manifestamente desproporcional no seu conteúdo e efeitos, quando confrontada a natureza de falta (não essencial) com a relevância constitucional de tutela do direito constitucional no recurso (n.º 6 do artigo 67.º da CRA).
No caso presente, esta violação do direito ao recurso é manifestamente desproporcional quando o Recorrente até apresentou as alegações com apenas um dia de atraso.
A deserção do recurso, por falta de apresentação de alegações contraria o espirito da CRA.
Assim, remetam-se os autos ao Tribunal Supremo para efeitos do disposto n.º 2 do artigo 47.º da LPC.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em: DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO POR CONTRARIAR OS NºS 1 E 6 DO ARTIGO 67.º DA CRA.
Sem custas.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Maio de 2020.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel Dos Santos Teixeira
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor (Relator)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata