Loading…
Acórdãos > ACÓRDÃO 628/2020

Conteúdo

ACÓRDÃO N.º 628/2020

PROCESSO N.º 788-D/2020

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO  

Francisco Higino Lopes Carneiro, melhor, identificado nos autos, veio ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 49.º, alínea a); 50.º, alínea a); 51.º, n.º 1; 52.º, n.º1, 41.º; 42.º e 44.º, todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpôr o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão da 3ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 384/19.

O Recorrente fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, o seguinte:

  1. Pelo Magistrado do Ministério Público, lhe foram aplicadas medidas de coacção pessoal. Inconformado, por considerar tais medidas ilegais, tendo em vista a sua qualidade de Deputado à Assembleia Nacional, bem como a incompetência de quem as ordenou, além de que já tinha decorrido mais de 6 meses sem que fosse notificado de qualquer acusação formal, a 5 de Setembro de 2019, solicitara o levantamento de tais medidas de coacção junto do Tribunal Supremo.
  2. O Juiz da causa, no Tribunal Supremo, indeferiu o pedido e, consequentemente, o Recorrente interpôs recurso para Câmara do Tribunal Supremo que, igualmente, negou provimento ao seu pedido.
  3. O Ministério Público, como fiscalizador da legalidade democrática, por força da lei tinha a obrigação de ordenar o levantamento oficioso das medidas de coacção pessoal, de harmonia com o preceito da alínea f) do artigo 186.º da Constituição da República de Angola (CRA), em conjugação com os preceitos dos artigos 24.º, 25.º, 26.º, 32.º, 39.º, 40.º e 42.º, todos da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP), mas não o fez. Por sinal, promoveu a acusação justamente a 12 de Agosto, dia em que terminou o prazo legal da vigência das mesmas medidas.
  4. Ao abrigo dos nºs 2 e 3 do artigo 40.º da LMCPP o prazo legal é de seis meses acrescidos de mais dois meses. Estranhamente, o Juiz da causa, no seu despacho proferido no dia 11 de Outubro do ano 2019, diz …” que não estão esgotados os prazos legais, inexistindo circunstâncias de facto e de direito que justifiquem alteração das medidas de coacção impostas nos autos”, quando à data da interposição do habeas corpus já tinham passado mais de 9 meses.
  5. As medidas de coacção pessoal, objecto desta providência, são também atendíveis em sede do pedido de habeas corpus, tendo em conta a Jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional alicerçada no seu Acórdão n.º 384/2016, bem como pela caducidade dos prazos legais retro mencionados, uma vez que o Recorrente encontra-se nesta situação há um ano.
  6. Interpôs, nos presentes autos, de recurso extraordinário de inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Supremo, com fundamento na violação dos princípios da igualdade, legalidade, da presunção da inocência, do contraditório e do acusatório, nos termos dos artigos 6.º; 175.º; 179.º, n.º 1; 23.º; 67.º, n.º 2 e 174.º, todos da CRA, conjugados com os artigos 17.º e 18.º da LMCPP, pelo facto de ter sido constituído arguido sem nunca antes ter sido notificado.
  7. A decisão recorrida viola o princípio da presunção de inocência prevista no n.º 2 do artigo 62.º da CRA, o direito ao julgamento justo, célere e conforme a lei; o direito de petição e reclamação e o direito à providência de habeas corpus. Viola ainda as normas dos artigos 6.º; 23.º; 67.º, nºs 1 e 2; 68.º; 72.º; 73.º; 175.º e 179.º, todos da CRA, e 94.º; 315.º, § único, e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), bem como os artigos 24.º, 25.º, 26.º, 32.º, 39.º, 40.º e 42.º, todos da LMCPP. Pelo facto de não ter respeitado os prazos legais, viola o princípio da legalidade.
  8. Ao manter-se a situação jurídico-processual do Recorrente, estaríamos perante uma confirmação antecipada da condenação à margem da Constituição e das leis vigentes, colocando em crise não só o princípio da presunção da inocência, mas também o direito à defesa, o direito à providência de habeas corpus, porque a decisão recorrida não tem suporte legal no ordenamento jurídico angolano.

O Recorrente termina pedindo a este Tribunal Constitucional que declare nulo o Acórdão recorrido por violação dos princípios supra mencionados, bem como por violação dos artigos 6.º, 23.º, 67, 68.º, 72.º, 73.º, 175.º, 179.º, todos da CRA, e dos artigos 94.º, 315.º, § único, e seguintes do CPP. Pede por isso que se dê provimento à providência requerida e consequentemente se ordene o levantamento das medidas de coacção pessoal em causa.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º, e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

 III. LEGITIMIDADE 

O Recorrente viu negado o seu pedido de habeas corpus pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo.  

Resulta, assim, evidente que o Recorrente tem interesse directo em demandar, pelo que goza de legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com base na alínea a) do artigo 50.º da LPC e no n.º 1 do artigo 26.º do Código do Processo Civil (CPC).

IV. OBJECTO 

O presente recurso tem por objecto o Acórdão da 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, prolactado no âmbito do Processo n.º 384/19, cabendo a este Tribunal verificar se o mesmo violou ou não os princípios constitucionais da legalidade, da presunção de inocência, do julgamento justo e conforme a lei, tal como foi aludido pelo Recorrente.

V. APRECIANDO 

Ao abrigo da LMCPP, a 12 de Fevereiro de 2019, ao Recorrente foram impostas medidas de coacção pessoal, consubstanciadas na apresentação periódica às autoridades, interdição de saída do país e termo de identidade e residência, pelo Director da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal, DNIAP/ PGR.

 Inconformado, a 5 de Setembro de 2019, propôs uma acção de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, tendo este indeferido o seu pedido, fundamentando que ainda não se haviam esgotados os prazos legais e não se justificava a alteração das medidas coacção nos autos, sendo esta decisão datada de 11 de Outubro de 2019.

Devido ao referido indeferimento, veio a este Tribunal interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, alegando no essencial que o Tribunal Supremo violou os direitos do Recorrente enquanto parlamentar, ao negar provimento ao pedido de habeas corpus, pois as medidas de coacção pessoal que lhe foram aplicadas foram decretadas à margem da Constituição e da Lei, derivada da falta de competência do Magistrado do Ministério Público e Director da DNIAP/PGR, que as aplicou e ainda do facto de, à data da interposição do pedido de habeas corpus em que solicitava o levantamento de tais medidas, já se terem esgotado todos os prazos previstos na LMCPP. Por isso, foram violados os princípios da inviolabilidade das imunidades parlamentares, da presunção da inocência, da legalidade e da igualdade, previsto no artigo 23.º da CRA, por havendo jurisprudência firmada por este Tribunal, alicerçada no Acórdão n.º 384/ 2016, que enquadra a providência de habeas corpus “a qualquer restrição abusiva de direito à liberdade individual, em todas as suas manifestações.”

Do exposto cumpre-nos analisar os nos seguintes pontos:

A. DA INVIOLABILIDADE DAS IMUNIDADES PARLAMENTARES DOS DEPUTADOS À ASSEMBLEIA NACIONAL

Relativamente a este facto, importa realçar que, no ordenamento jurídico angolano, os Deputados não podem ser detidos ou presos sem autorização da Assembleia Nacional, com as devidas excepções previstas no n.º 2 do artigo 150.º da CRA. Esta consagração constitucional, não é uma prerrogativa pessoal do Deputado, mas sim uma garantia do Órgão Soberano onde este está inserido, ou seja, como o assevera Carla Amado Gomes, “a inviolabilidade tem por objecto imediato preservar a composição da Assembleia, não permitindo que o Deputado seja afastado ou perturbado no exercício da sua actividade representativa em virtude de procedimentos judiciais.” (cfr. Gomes, Carla Amado, in Imunidades Parlamentares no Direito Português, Coimbra Editora, págs. 42 a 45).

Em Angola, tal competência foi acometida à Assembleia Nacional, como uma garantia de independência daquele órgão face ao poder judicial e aos demais poderes públicos, e não como uma capa para acobertar ou isentar de responsabilização os actos praticados pelos Deputados fora do ciclo parlamentar, sem mínima correspondência com a função e vontade do Parlamento.

Do exposto no articulado constitucional sobre imunidades, constituem notas de realce as expressões “detenção e prisão” pois são estas que o legislador constituinte, seguido pelo ordinário, usaram para consagrar as imunidades dos Deputados, vide o artigo 150.º, n.º 2, da CRA, conjugado com o artigo 46.º da LMCPP. Ora, segundo Dicionário Jurídico, a primeira palavra significa -meio de cerceamento (privação) de liberdade; e a segunda significa igualmente -cerceamento da liberdade; podendo esta última ser antes da culpa formada, ou depois. (vide, VV, Prata, Ana e Veiga, Catarina, in Dicionário Jurídico, Direito Penal e Processual Penal, Vol. II, 3ª Edição).

No passado recente, estas duas palavras (detenção e prisão), à luz dos preceitos processuais penais então vigentes em Angola, eram sinónimas, no dizer do eminente Professor Grandão Ramos, quando aquele académico esclarecia mesmo que “à luz do artigos 63.º e 69.º ambos da CRA, prisão e detenção exprimem a mesma realidade jurídico- penal que é a privação de liberdade do arguido por razões de necessidades puramente processuais”, (cfr. Ramos, Vasco António Grandão, in Direito Processual Penal, Noções Fundamentais, pág. 221 a 222, 2.ª Edição, Escolar Editora).

Esclareça-se que, hodiernamente, com a evolução do regime processual penal, os termos detenção e prisão deixaram de ter o mesmo significado.

 “A detenção é o acto processual de privação precária da liberdade”, que não deve exceder as 48 horas, tendo taxativamente por escopo quatro finalidades, a saber: i) apresentar o detido em flagrante delito ao julgamento em processo sumário; ii) apresentar o detido ao primeiro interrogatório e aplicação de medidas de coacção; iii) presença do detido em acto processual, perante um juiz; iv) garantia de execução de pena de prisão ou de medida de segurança privativa da liberdade – artigos 6.º e seguintes da LMCPP.

A prisão pode dar-se como medida de coacção processual ou como cumprimento de uma pena condenatória privativa da liberdade. Como medida de coacção processual, pode ser prisão domiciliária ou prisão preventiva – alíneas f) e h) do artigo 16.º e artigos 33.º a 42.º da LMCPP. 

Em contraponto, cumpre a este Tribunal enfatizar que ao Recorrente não foi aplicada a detenção nem a prisão, mas sim outras medidas de coacção pessoal (termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e interdição de saída do país) para a aplicação das quais a lei não sujeita a nenhuma autorização da Assembleia Nacional, artigo 46.º da LMCPP.

Entretanto, seguindo à risca a letra e o espírito da lei, não assiste razão ao Recorrente, ao querer equiparar estas medidas de coacção a que se encontra sujeito às de prisão ou detenção, muito embora tenham todas o mesmo fim que é garantir o percurso normal do processo penal. Todavia, do ponto de vista da articulação prática e da hermenêutica constitucional, resulta que os efeitos imediatos de tais medidas são idênticos por cercearem igualmente a liberdade de circulação do aqui Recorrente: muito embora esteja a exercer o seu mandato, enquanto cidadão sente seus direitos coarctados.

Dúvidas não restam que, nos termos da LMCPP que consagra uma panóplia de medidas de coacção pessoal a partir seu artigo 16.º adiante, só mesmo a detenção e a prisão preventiva carecem de autorização da Assembleia Nacional, por serem medidas mais gravosas e a sua aplicação a um Deputado criarem efectivamente constrangimentos à composição e ao funcionamento da Assembleia Nacional. No entanto, seria demasiado burocrático fazer depender todas as medidas de coacção pessoal a uma autorização daquele órgão, o que na verdade fragilizaria o exercício das outras funções do Estado, in casu a judicial que estaria postergada por excesso de formalismos, pelo que não há violação das imunidades parlamentares no caso em apreço.

B. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Quanto a este quesito, importa dizer que as medidas de coacção, que hic et nunc se reclama, são típicas porquanto foram aplicadas pelo Magistrado do Ministério Público ao abrigo dos artigos 16.º, 17.º, 25.º, 26.º, 27.º e 32.º todos da LMCPP, conjugados com os artigos 67.º, n.º 2 e 68.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto. Embora seja questionável a constitucionalidade da referida lei, como alega o aqui Recorrente, estas normas ainda não foram completamente alijadas da ordem vigente, conforme o vertido no Acórdão n.º 467/2017 deste Tribunal Constitucional.

Quanto ao tempo decorrido desde que as medidas concretas foram decretadas, a alegada ilegalidade vislumbra-se in casu, que à data em que foi proferida a decisão recorrida, já estavam esgotados os prazos legais da duração das medidas cautelares. Como bem o disse o ora Recorrente, o prazo máximo admissível sem acusação formal é de seis meses, podendo este ser prorrogado por mais dois meses, vide alínea a) do artigo 40.º da LMCPP. Ipso iure, assiste razão ao Recorrente, porque as medidas que impendem sobre si não podem ter duração indeterminada. Assim, ao abrigo daquela disposição legal, que prevê como uma das causas de extinção da prisão preventiva, o decurso do prazo, verifica-se que, no caso vertente, os prazos máximos previstos no artigo 40.º da LMCPP, foram completamente ignoradas pelo Tribunal Supremo.

A extensão dos prazos de prisão preventiva às outras medidas de coacção vem prevista nos n.º 4 do artigo 26.º e n.º 3 do artigo 32.º ambos da LMCPP, segundo os quais, as medidas de coacção extinguem-se decorridos os prazos de prisão preventiva estabelecidos no artigo 40.º do mesmo diploma legal.

Nos termos do artigo 40.º da LMCPP, as medidas de coacção estão sujeitas aos seguintes prazos:

  1. quatro meses sem acusação do arguido;
  2. seis meses sem o despacho de pronúncia;
  3. doze meses sem condenação em primeira instância

Decorre do mesmo artigo que por despacho devidamente fundamentado, os prazos fixados podem ser prorrogados por mais dois meses, em casos de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos, ou crimes que revistam de especial complexidade.

Porém no caso em análise, independentemente de ter havido eventuais prorrogações, os prazos máximos estão todos largamente esgotados o que acarreta a extinção das medidas de coacção aplicadas,

  Muito embora a inobservância dos prazos das medidas de coacção menos gravosas não esteja tipicamente enquadrada nas causas que justificam a interposição do habeas corpus, previstas no artigo 68.º da CRA, de referir que já é jurisprudência firmada por este Tribunal, que “…qualquer outra restrição abusiva do direito à liberdade individual…pode ser objecto de habeas corpus, conforme Acórdão n.º 384/2016.

Outrossim, conforme o vertido no acórdão supramencionado, “os princípios que regem à liberdade individual consagrados na Constituição e nas Convenções Internacionais a que Angola aderiu, visto o disposto no n.º 2 do artigo 26.º da CRA, apontam, no entanto, no sentido de integrar no âmbito da providência do habeas corpus qualquer outra restrição abusiva do direito à liberdade individual em todas as suas manifestações, como é o caso, especificadamente o direito de circulação, expresso no artigo 46.º da Constituição da República de Angola”…

Ademais, a moderna hermenêutica do regime dos direitos fundamentais consagrada na Constituição, nomeadamente a que conduz para a interpretação que atribua a máxima eficácia, abrangência e efectividade social destas normas relativas aos direitos fundamentais (principio da máxima eficácia), analisadas em conjunto da Constituição, assim como são indicados nos artigos 29.º, 46.º, 57.º e 66.º, impede que a norma prevista no artigo 68º da CRA, relativa ao habeas corpus, seja interpretada apenas no seu sentido literal.

Nesta senda, entendeu o Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º 384/2016, que “ todos têm o direito à providência do habeas corpus contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, mas também, nos demais casos em que consubstanciem restrições abusivas e ilegais à liberdade individual dos cidadãos, como a interdição de saída do país…”

No caso sub judice, o Tribunal Supremo manteve as medidas de coacção pessoal impostas ao Recorrente, não obstante o facto de já terem decorrido os prazos legais previstos nos artigos 26.º n.º 4 e 32.º n.º 3 da LMCPP.

Porém, como já se frisou acima, as restrições abusivas e ilegais à liberdade individual do cidadão, habilitam o cidadão lesado a recorrer a providência do habeas corpus consagrada no artigo 68.º da CRA.

Destarte, pelo já narrado, resulta que se está perante uma inconstitucionalidade pelo facto de o Tribunal Supremo ao indeferido o pedido do Recorrente numa altura em que já haviam decorrido os prazos legais sobre a duração das medidas de coacção, violou os princípios, da constitucionalidade e da legalidade, consagrados nos artigos 6.º e 226.º da CRA, interpretados no sentido mais amplo e em conformidade com a salvaguarda dos direitos fundamentais. O que de per se reclama a aplicação directa e imediata do artigo 68.º da CRA por força do regime específico dos Direitos Liberdades e Garantias previsto no artigo 28.º da CRA.

C. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA.

Quanto à esta narrativa, importa ressaltar que as medidas de coacção distinguem-se claramente das penas e das sentenças condenatórias, elas não visam aferir a culpabilidade ou não do arguido, mas sim garantir a conservação de determinados meios e elementos de prova, ou ainda colocar o arguido à disposição das autoridades a fim de impedir a obstrução ou perturbação da investigação, podendo sempre garantir-se ao arguido a faculdade de se defender, em todas as fases do processo, como ensina Figueiredo Dias, “só podem ser aplicadas ao arguido as medidas que, face ao sentir da comunidade, ainda possam ser consideradas como suportáveis, e enquanto o forem, daí a sua natureza precária, porque a pessoa a elas sujeita pode ser inocente” – Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974).

 Quanto às medidas de coacção, que não são de per si condenatórias, não são admissíveis os argumentos do aqui Recorrente, porquanto nunca foi tratado como culpado, mas sempre como suspeito da prática de alguns ilícitos criminais, tanto mais é que usou de todas as garantias processuais desde o interrogatório inicial até ao presente momento, não se vislumbrando por isso, qualquer violação a este princípio constitucional.

Assim, cumpre a este Tribunal considerar que andou bem o Tribunal Supremo, quando fundamenta na sua decisão que as medidas de coacção pessoal são sempre aplicadas com base nos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade…dito de outra forma, nenhuma medida de coacção pessoal é aplicada isoladamente sem atender outros pressupostos, in casu, houve fortes indícios que justificaram a aplicação de tais medidas, sem que isto signifique sedimentação da culpa do arguido.

Por tudo exposto e analisado, o Tribunal Constitucional conclui que o Acórdão recorrido viola o princípio da legalidade, já que, à data da sua prolação, já se tinha verificado uma das causas de extinção das medidas cautelares que é a caducidade, conforme previsto no artigo 24.º, conjugado com o n.º 3 do artigo 32.º e artigo 40.º, todos da LMCPP, interpretados conforme os artigos 6.º e 66.º, n.º 1 da CRA.   

 Nestes termos,

 DECIDINDO

 Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 30 de Junho de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) ­

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator) 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dra. Maria de Fátima de Lima d´A. B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata