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ACÓRDÃO N.º 632/2020

PROCESSO N.º 807-C/2020

Recurso para o Plenário (Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

A Comissão Instaladora do Partido do Renascimento Angolano – Juntos por Angola – Servir Angola, com a sigla PRA-JA SERVIR ANGOLA, com os demais sinais de identificação nos autos, representada por Abel Epalanga Chivukuvuku, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional interpor o presente recurso do Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, proferido a 17 de Abril de 2020, que rejeitou a sua inscrição e cancelou o seu credenciamento.

A rejeição teve como fundamento o facto de a Comissão Instaladora, ora Recorrente, não ter respeitado o disposto no artigo 17.º da Constituição da República de Angola (CRA) e no artigo 14.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), designadamente:

  1. Não atingiu o número mínimo de 7.500 assinaturas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º da LPP;
  2. Não atingiu o número mínimo de 150 assinaturas válidas de cidadãos residentes nas províncias do Namibe, Lunda-Sul, Moxico, Cuanza-Sul e Cunene, pelo que violou o princípio da representatividade mínima fixada por lei e o princípio do carácter e âmbito nacionais dos partidos políticos, previstos nas alíneas a) e g) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e no n.º 1 do artigo 14.º da LPP;
  3. Apresentou fichas com assinaturas manuscritas sem qualquer correspondência com os bilhetes de identidade e fichas com fotocópias de bilhetes que não pertencem aos cidadãos subscritores;
  4. Apresentou fichas sem fotocópia de bilhetes de identidade e fichas reconhecidas nos notários sem nelas conter assinaturas manuscritas que são o objecto de reconhecimento notarial, mas não exigível para efeitos de inscrição, além de bilhetes de identidade caducados;
  5. Apresentou fichas subscritas por cidadãos em idades compreendidas entre os 16 e 17 anos de idade, contrariando o dever dos subscritores serem maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, violando o n.º 1 do artigo 14.º da LPP;
  6. Apresentou atestados individuais e colectivos de residência não pertencentes aos cidadãos subscritores das fichas e emitidos por entidades da administração local do Estado sem competência para o efeito, não respeitando as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 14.º da LPP.

A Recorrente, inconformada com a sobredita decisão jurisdicional, alegou, no essencial, o seguinte:

  1. A consideração de 25.405 fichas não conforme atenta contra o princípio da boa fé. Elas cumprem com todos os requisitos impostos pela norma, logo existem as 7.500 fichas que satisfazem as exigências da lei.
  2. O cartório de um Tribunal de especialidade não pode atentar contra elementos de subjectividade cidadã (assinaturas), sem anexar a competente peritagem técnica.
  3. A alusão a fichas sem fotocópias de bilhetes de identidade lesa os direitos fundamentais de terceiros de boa fé. A Recorrente cumpriu os preceitos legais e apresentou fichas legalmente reconhecidas pelas administrações municipais e cartórios.
  4. As fichas subscritas por menores de 16 e 17 anos de idade não são imputáveis à Recorrente, bem como a invalidade dos atestados de residência. Existem entes públicos com legitimidade para aferir a autenticidade dos documentos e a idoneidade dos subscritores.
  5. A insuficiência de 150 assinaturas válidas em cinco províncias traduz uma quimera, pois a Recorrente apresentou as assinaturas exigidas e até um número superior.
  6. Os argumentos segundo os quais as fichas não são válidas podem resvalar para o artigo 285.º do Código Penal (CP), portanto é o órgão de tutela que o deveria processar em fóruns competentes sobre a sua não autenticidade. Isto porque a simples alusão sem prova contraria o artigo 10.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), não o tendo feito, não pode imputar o ónus à Recorrente.
  7. As assinaturas manuscritas sem qualquer correspondência com os bilhetes de identidade não podem cair no vácuo jurídico, invalidadas apenas com base nas alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP. Deve existir imparcialidade, em obediência ao princípio da boa fé, que faz jus aos artigos 373.º e 374.º do Código Civil (CC) e ao artigo 92.º do Código de Processo Penal (CPP).
  8. À Recorrente não pode ser imputada responsabilidades dos entes públicos, vide n.º 2 do artigo 375.º do CC e o artigo 10.º da LOTC, logo não colhe o aludido no despacho recorrido.
  9. A ciência jurídica é clara ao afirmar que a falsidade detectada em documento particular ou público em qualquer acto, sem obediência de uma norma, é susceptível de sanção, vide o artigo 221.º, n.º 4 do artigo 216.º do CP e o artigo 12.º da Lei n.º 1/97, de 17 de Janeiro.
  10. O Acórdão n.º 122/2010, às páginas 9 a 13, é peremptório em confirmar a violação do princípio de processo equitativo e do direito a julgamento justo e conforme, nos termos do n.º 2 do artigo 369.º do CP, o que se aplica subsidiariamente ao caso sub judice.
  11. O Tribunal refere-se ao n.º 1 do artigo 14.º da LPP para justificar a falta de 150 assinaturas em cinco províncias, mas, na verdade, a Recorrente obedeceu criteriosamente ao estipulado nas alíneas a) e g) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e no n.º 1 do artigo 14.º da LPP, bem como apresentou fichas reconhecidas pelas entidades afins.
  12. O douto Despacho, ao rejeitar a pretensão da Recorrente e cancelar o seu credenciamento, violou o dever previsto na lei de “publicar em editais, em todas as capitais de província do País, os nomes dos subscritores cujas assinaturas tenham sido consideradas válidas”.

A Recorrente conclui pedindo que este Tribunal dê provimento ao recurso interposto e anule o Despacho recorrido, por violação da Constituição e da lei.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

 II. COMPETÊNCIA

As disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 14.º da LPP, da alínea i) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), consagram o poder do Tribunal Constitucional de, mediante despacho do Juiz Conselheiro Presidente, admitir ou rejeitar o pedido de inscrição de partidos políticos.

Assim sendo, é o Plenário do Tribunal Constitucional competente para apreciar e decidir o presente recurso interposto do despacho de rejeição da inscrição, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da LPP e da alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da LPC.

III. LEGITIMIDADE

A Comissão Instaladora do PRA-JA SERVIR ANGOLA tem interesse directo em que o Plenário do Tribunal Constitucional aprecie a sua causa, após rejeição do seu pedido de inscrição, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da LPP e do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente por força do artigo 2.º da LPC, tem legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, proferido a 17 de Abril de 2020, que rejeitou a inscrição do PRA-JA SERVIR ANGOLA e cancelou o credenciamento da respectiva Comissão Instaladora, nos termos da alínea b) do artigo 16.º e do n.º 6 do artigo 12.º, ambos da LPP.

V. APRECIANDO

A Constituição da República de Angola outorga, na alínea c) do n.º 2 do artigo 180.º, competência ao Tribunal Constitucional para “exercer jurisdição sobre outras questões de natureza jurídico-constitucional, eleitoral e político-partidária (…)”.

A constituição de partidos políticos é uma das liberdades fundamentais que a Lei Magna assegura a todos os cidadãos e representa uma das componentes vitais do Estado democrático de direito defendido nos marcos do n.º 1 do artigo 2.º da CRA.

Por sua vez, a norma do n.º 1 do artigo 14.º da LPP estabelece que “a inscrição de um partido político é feita a requerimento de, no mínimo 7.500 cidadãos, maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 cidadãos residentes em cada uma das províncias que integram o País”.

O n.º 2 do sobredito articulado normativo identifica os documentos que devem suportar o requerimento de inscrição de um partido político e que devem ser apresentados ao Tribunal Constitucional de forma taxativa e cumulativa, de entre os quais as fotocópias de bilhetes de identidade ou de cartões de eleitor, declaração expressa de aceitação de cada um dos 7.500 cidadãos subscritores e os correspondentes atestados de residência.

A Recorrente alega que respeitou, escrupulosamente, o estabelecido na lei quanto ao número necessário de assinaturas, a idade dos subscritores, os atestados de residência e os princípios informadores da constituição de partidos políticos, pelo que, para uma visão substancial, vejamos:

A) Sobre a Conformidade das Assinaturas Apresentadas

Como tem sido regra em todos os pedidos de inscrição formulados pelas comissões instaladoras para efeitos de inscrição de partido político junto do Tribunal Constitucional, as fichas apresentadas pela ora Recorrente foram submetidas a apreciação técnico-jurídica.

O Despacho recorrido refere que, da análise feita às fichas e demais documentos, resultou a confirmação de várias inconformidades, nomeadamente, assinaturas manuscritas sem correspondência com os bilhetes de identidade e bilhetes de identidade não pertencentes aos cidadãos que preencheram as declarações de apoio, factos que violam o princípio da declaração expressa do subscritor, previsto na alínea e), conjugada com a alínea d), ambas do n.º 2 do artigo 14.º da LPP.

Em contraposição, a Recorrente vem alegar que este Tribunal não pode atentar contra o direito subjectivo dos cidadãos que preencheram as fichas sem anexar a competente peritagem técnica.

Desde já, importa aqui referir que o resultado da avaliação das fichas submetidas ao exame consta do Despacho ora recorrido, que contém características descritivas, em termos do quadro das assinaturas consideradas conforme e não conforme, e estatutivas, quanto à decisão que recaiu sobre o pedido de inscrição formulado pela Recorrente, conforme as fls. 24 e 25 dos autos.

O referido Despacho perfilha, ainda, do entendimento deste Tribunal de que a Recorrente incorreu no acto de junção ao processo de fichas assinadas por menores de 18 anos de idade.

Sobre esta questão, a Recorrente nada junta ao presente recurso que possa pôr em causa a avaliação feita pelo despacho recorrido, limitando-se apenas a alegar que a responsabilidade das fichas dos menores de idade não lhe deve ser imputada, porquanto existem entes públicos para aferir a idoneidade dos subscritores.

A par de defender o contrário do que a lei prescreve, uma vez que é dever de qualquer comissão instaladora apresentar subscrições de cidadãos maiores de idade, este Tribunal verifica, ainda, nos anexos aos autos do presente recurso, que a Recorrente, mesmo na fase suplementar, em que entregou 8.583 assinaturas, não cuidou de juntar fichas que deviam ser recolhidas em 2020, sem quaisquer irregularidades, visando promover o seu registo como partido político, como demonstra o seguinte quadro:

N.O

PROVÍNCIAS

ASSINATURAS

CONFORME

ASSINATURAS NÃO

CONFORME

1.

BENGO

292

1.022

2.

BENGUELA

703

2.435

3.

BIÉ

155

694

4.

CABINDA

201

2.559

5.

CUANDO CUBANGO

314

1.119

6.

CUANZA-NORTE

164

827

7.

CUANZA-SUL

131

1.119

8.

CUNENE

132

731

9.

HUAMBO

352

1.289

10

HUÍLA

802

1.999

11.

LUANDA

1.166

3.828

12.

LUNDA-NORTE

381

1.272

13.

LUNDA-SUL

145

929

14.

MALANJE

733

1.368

15.

MOXICO

128

832

16.

NAMIBE

149

1.179

17

UÍGE

485

1.037

18.

ZAIRE

237

1.166

 

TOTAL

6.670

25.405

 

Conforme acima espelhado, a Recorrente não apresentou 7.500 assinaturas válidas e legalmente exigíveis, pois os suplementos depositados para este fim são, maioritariamente, fichas de 2019, recolhidas no prazo dos seis meses inicialmente concedido para requerer a sua inscrição, de cuja análise resultou na rejeição de 19.495 subscrições, por força das inúmeras anomalias.

Sob a lógica da compreensão de que as assinaturas irregulares foram rejeitadas, a Recorrente, conforme denotam os anexos dos presentes autos, optou por apresentar fichas assinadas pelos cidadãos em 2019 e carimbadas nos cartórios notariais em 2020, como forma de atender ao propósito de ser inscrito na fase suplementar, conforme provam os anexos juntos aos autos.

É importante clarificar que o referido expediente não está previsto na Lei dos Partidos Políticos, como requisito de validação de fichas de inscrição, logo não vincula este Tribunal, sobretudo porque os actos dos cartórios notariais, ainda que tenham como objectivo a autenticação de assinaturas apostas nas declarações de cidadãos, não implicam a verificação dos atestados de residência, dos 18 anos de idade dos subscritores, do princípio da filiação única ou de outros pressupostos legalmente exigíveis para que uma assinatura seja considerada válida.

Dito de outro modo, a Recorrente não fez “o trabalho de casa”, com vista a recolher o maior número de novas assinaturas suplementares, sem as incorrecções de vária espécie antes detectadas para, no prazo de três meses que lhe havia sido concedido, formular o novo pedido de inscrição em registo próprio, como decorre da alínea b) do artigo 16.º, conjugado com o artigo 13.º, ambos da LPP.

Contudo, na interposição do presente recurso, a Recorrente veio em sua defesa entregar fotocópias e suporte digital (pen drive) de fichas de inscrição, organizadas em pastas nominadas e numeradas.

Por se tratar de fotocópias de documentos cujos originais a Recorrente entregou no processo que culminou com a rejeição do pedido de inscrição, ressalta à vista deste Tribunal o volume de inconformidades consideradas na fundamentação do Despacho recorrido, tal como no exemplo que se segue:

  1. Fichas de Setembro de 2019, de menor de 18 anos de idade, reconhecidas pelo notário, com assinaturas sem correspondência com os bilhetes de identidade – fichas de letra j) de pasta n.º 59 do município de Capenda Camulemba, província da Lunda-Norte, fichas de letra c) de pasta n.º 2 do município de Cacuaco, província de Luanda, fichas de letra m) de pasta n.º 161, província do Uíge, fichas de letra l) de pasta n.º 271-160 do município do Saurimo, província da Lunda-Sul, fichas de letra s) de pasta n.º 142 do município do Moxico, província do Moxico. O caso mais flagrante é o do cidadão de apenas 16 anos de idade – ficha de letra l) de pasta n.º 72, província da Huíla;
  2. Fichas de Setembro de 2019, com bilhetes de identidade ilegíveis – fichas de letras j) e m) de pasta n.º 3 do município do Cacuaco, fichas de letras a), c), d) e e) de pasta n.º 1 do município do Kilamba Kiaxi, fichas de letra h) de pasta n.º 2, fichas de letras n) e e) de pastas n.ºs 3 e 241, todas do município de Luanda, província de Luanda, fichas de letras c) e d) de pasta n.º 65 e fichas de letra a) de pasta n.º 97, província da Lunda-Norte;
  3. Fichas de Setembro e Outubro de 2019, não assinadas ou com assinaturas sem correspondência com bilhetes de identidade – fichas de letras de a) a s) de pasta n.º 445-2 do Município do Kilamba Kiaxi, província de Luanda, fichas de letra a) de pasta n.º 181 do município do Libolo, província do Cuanza-Sul, fichas de letra l) de pasta n.º 171 do município do Dande, província do Bengo, fichas de letras a), l) e s) de pasta n.º 382 do município de Cabinda, província de Cabinda, fichas de letra r) de pasta n.º 87 do município de Moçâmedes, província do Namibe, fichas de letra a) de pasta n.º 159 do município da Catumbela, província de Benguela, fichas de letras l) e p) de pasta n.º 271-160 do município do Saurimo, província da Lunda-Sul;
  4. Fichas de Setembro de 2019, sem fotocópia integral de bilhetes de identidade ou com bilhetes de identidade caducados à data da entrega das assinaturas suplementares a este Tribunal, a 28 de Fevereiro de 2020 – fichas de letras h), n) e r) de pasta n.º 114 do município de Viana, província de Luanda, fichas de letra l) de pasta n.º 171 do município do Dande, província do Bengo, fichas de letra l) de pasta n.º 536 do município de Cacuaco (4), fichas de letra a) de pasta n.º 536 do município de Cacuaco (3), província de Luanda, e fichas de letra a) de pasta n.º 45 do município de Léua, província do Moxico.

No mesmo alinhamento, por exemplo, relativamente às Eleições Gerais, a jurisprudência deste Tribunal, firmada nos Acórdãos n.ºs 184/2012, de 30 de Junho e 221/2012, de 5 de Julho, é de rejeição dos pedidos de candidaturas com fundamento nas irregularidades constatadas (falta de assinaturas, assinaturas e documentos desconformes).

A enunciação da jurisprudência ilustra as razões fundamentais subjacentes ao posicionamento legal e holístico que o Tribunal Constitucional, desde sempre, tem assumido nas suas decisões sobre essas matérias, pelo que, agindo de forma contrária, estaria a desrespeitar os princípios da legalidade e da igualdade (n.º 2 do artigo 6.º e artigo 23.º, ambos da CRA).

Diante destes factos, este Tribunal, na qualidade de defensor e garante da legalidade constitucional, não pode deixar de salientar que a Recorrente não acatou a orientação plasmada no Despacho de supressão e, em consequência, violou as normas que obrigam a apresentar, de modo cumulativo, fotocópias de bilhete de identidade, declarações expressas de aceitação assinadas por cidadãos maiores de 18 anos de idade e atestados de residência, conforme determinam o n.º 1 e as alíneas d), e) e g) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP.

B) Sobre a Regularidade dos Atestados de Residência

Em termos legais, a validade das assinaturas depende, também, dos atestados de residência, enquanto prova de que os cidadãos apoiantes da causa expressaram a vontade de ver constituído um partido político a partir das 18 províncias em que se encontram e não apenas de certas localidades ou regiões do País, nos termos e para efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º da LPP.

Por sua vez, a Recorrente não reuniu o número suficiente de atestados individuais e colectivos de residência que pudesse sustentar a validação de 7.500 assinaturas. Para além da ínfima quantidade apresentada, a Recorrente juntou ao processo de inscrição certos atestados de residência inválidos, como por exemplo:

  1. Fichas de Setembro de 2019, reconhecidas no notário e suportadas por atestados individuais de residência emitidos pelo Distrito Urbano da Samba – fichas de letras de a) a z) de pasta n.º 241, província de Luanda;
  2. Fichas de Setembro de 2019, reconhecidas no notário e suportadas por atestado colectivo de residência sem número, sem assinatura do administrador municipal e sem carimbo – fichas de letras de a) a v) de pasta n.º 122 do município de Moçâmedes, província do Namibe;
  3. Fichas de Setembro de 2019, suportadas por uma relação nominal de supostos munícipes, sem carimbo e atestados individuais de residência e sem assinatura do administrador municipal – fichas de letras de a) a z) de pasta n.º 59 do município de Capenda Camulemba, província da Lunda-Norte;
  4. Fichas de Dezembro de 2019, acompanhadas de fotocópias de atestados individuais de residência em detrimento dos originais; fichas de letra a) de pasta n. º231, município do Cuanhama, província do Cunene; fichas de letras a) à z) de pasta n. º114 do município de Viana, província de Luanda.

Quanto às supramencionadas declarações de residência apresentadas na fase suplementar, veio a administração municipal do Kilamba Kiaxi (Ofício n.º 393/GAB.ADM.M.KK/2020), sito em Luanda, dizer que os 531 munícipes da lista apresentada pela Recorrente a este Tribunal não declararam apoio ao partido em formação, bem como a perícia administrativa não recebeu as fichas de adesão.

No mesmo sentido, a administração municipal do Libolo, província do Cuanza-Sul, através de cartas de cidadãos e do ofício n.º 42/ADM.MUN.LIB/2020, enviados a este Tribunal, informou ter recebido denúncia de munícipes de que não preencheram fichas de subscrição em apoio à inscrição do PRA-JA SERVIR ANGOLA, mas os seus nomes constam da lista de pedido de atestado colectivo de residência da Recorrente.

Diante destes irrefutáveis dados oficiais dos órgãos administrativos com competência para emitir os atestados de residência, que servem de meio de confirmação do carácter nacional de um partido político, não pode este Tribunal compactuar com a ilegalidade, sobretudo porque os cidadãos denunciam que nunca preencheram as fichas que a Recorrente apresentou a este Tribunal.

Por isso, em face destes factos, os princípios da legalidade, da subordinação do Estado à Constituição e da igualdade material, previstos n. º 2 do artigo 6.º, no n.º 1 do artigo 22.º e no n.º 1 do artigo 23.º, todos da CRA, bem como a jurisprudência firmada nos Acórdãos n.ºs 500/2018 e 553/2019, não permitem a este Tribunal concluir que o Despacho recorrido, neste sentido, lesou os direitos da Recorrente.

Ao contrário, a Recorrente não respeitou o dever de não possuir carácter local ou regional, pois não entregou atestados de residência suficientes para provar que o seu projecto de partido político emana da vontade expressa dos cidadãos residentes em todo o País.

Para além disso, a disciplina reguladora da criação de partidos políticos, previstos no artigo 17.º da CRA e nos artigos 5.º e 14.º da LPP, determina que só deve ser admitido o registo de um partido político desde que tenha âmbito nacional, considerando-se como imperioso o cumprimento do número mínimo exigido de 7.500 assinaturas válidas.

Como se percebe, em sede da natureza do critério referente ao carácter nacional, não é juridicamente relevante nem vinculativo o facto de a Recorrente ter apresentado assinaturas em número superior às exigidas por lei. O que é significativo é que tais assinaturas sejam válidas mediante o cumprimento de elementos taxativos e cumulativos, o que não se verificou no caso presente.

Este Tribunal considera ainda que não assiste razão à Recorrente quanto a alegada violação do dever de publicar os nomes dos subscritores em editais a nível de todas as capitais das províncias do País, porque, da leitura atenta do n.º 5 do artigo 14º e do artigo 17º ambos da LPP, emana o entendimento de que tal procedimento só é atendível quando se trata de aceitação da inscrição de um partido político, o que não é o caso presente. 

C) Sobre o Princípio da Representatividade Mínima Fixada por Lei

A Constituição defende o dever de os partidos políticos respeitarem o princípio da representatividade mínima fixada por lei, ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA.

Na realidade, a República de Angola tem como fundamento o primado da Constituição e da lei e também o pluralismo de expressão e de organização política, o que implica dizer que a livre constituição de partidos políticos acarreta direitos e cumprimento de deveres, tais como o respeito pelo princípio da representatividade mínima fixada por lei.

Este número de representantes que residem em cada uma das 18 províncias é formado por 150 cidadãos maiores de 18 anos de idade e visa concretizar o carácter e âmbito nacionais dos partidos políticos.

Nesta senda de argumentos de razão, Raul Carlos Vasques Araújo e Elisa Rangel Nunes, in Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, 2014, pág. 240, sustentam que a “Constituição estabeleceu como critério o de os partidos necessitarem de uma representatividade mínima fixada por lei. Pretendeu o legislador, com esta medida, impedir a constituição, à partida, de partidos políticos com carácter regional, com o objectivo de se preservar a soberania nacional e a integridade territorial do País. Por esta razão, a legislação ordinária proíbe expressamente a constituição e actividades de partidos políticos que tenham um carácter local ou regional, que fomentem o tribalismo, racismo, regionalismo e outras formas de discriminação dos cidadãos ou ainda que atentem contra a unidade nacional e a integridade territorial”.

A Recorrente alega que apresentou o mínimo de 150 assinaturas em todas as províncias e que, portanto, obedeceu criteriosamente ao estipulado nas alíneas a) e g) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e no n.º 1 do artigo 14.º da LPP.

Ora, na apresentação das assinaturas iniciais, a Recorrente não atingiu o mínimo de 150 assinaturas válidas nas províncias do Bengo, Namibe, Lunda-Sul, Bié, Huambo, Moxico, Cuanza-Sul, Cuanza-Norte, Uíge, Cuando Cubango e Cunene.

No entanto, na sequência da orientação do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, vertida no Despacho de supressão de insuficiências, datado de 13 de Dezembro de 2019, o incumprimento acima relatado foi parcialmente acautelado na fase da entrega de assinaturas suplementares, uma vez que a Recorrente depositou mais de 150 subscrições válidas da maioria das províncias.

Todavia, a Recorrente não atingiu a expressividade numérica de apoio mínimo de 150 cidadãos residentes no Namibe, Lunda-Sul, Moxico, Cuanza-Sul e Cunene, não observando, assim, o princípio da proibição de partidos políticos com carácter local ou regional.

As causas do número de assinaturas não conforme nestas províncias são aquelas já enunciadas nas alíneas supracitadas dos itens A) e B), que retomamos aqui de modo resumido:

  1. Alínea b) do item B) - Sobre a Regularidade dos Atestados de Residência: fichas de Setembro de 2019, reconhecidas no notário e suportadas por atestado colectivo de residência sem número, sem assinatura do administrador municipal e sem carimbo – (…) província do Namibe.
  2. Alínea d) do item B) - Sobre a Regularidade dos Atestados de Residência: fichas de Dezembro de 2019, acompanhadas de fotocópias de atestados individuais de residência em detrimento dos originais – (…) província do Cunene.
  3. Alíneas a) e d) do item A) - Sobre a Conformidade das Assinaturas Apresentadas: fichas de Setembro de 2019, de menor de 18 anos de idade, reconhecidas pelo notário, com assinatura sem correspondência com os bilhetes de identidade e fichas de Setembro de 2019, sem fotocópia integral de bilhetes de identidade ou com bilhetes de identidade caducados – (…) província do Moxico.

Desta feita, é inequívoco relembrar que a invalidade das assinaturas suplementares, relativamente às províncias do Namibe, Lunda-Sul, Moxico, Cuanza-Sul e Cunene, também ficou a dever-se ao facto de as fichas não conterem fotocópias de bilhetes de identidade e terem sido, de modo ilegal, reconhecidas no notário sem que possuíssem assinaturas manuscritas de cidadãos apoiantes.

Portanto, é improcedente o argumento da Recorrente quando, a fls. 15 dos autos, alega que respeitou o que está legalmente estipulado, na medida em que os erros detectados nas fichas que entregou na primeira fase da inscrição, que correspondeu ao segundo semestre de 2019, são aqueles que foram repetidos na oportunidade que lhe foi justamente concedida nos termos da lei para, no primeiro trimestre de 2020, suprimir as insuficiências de requisitos legais. Porém, a Recorrente não atendeu a orientação dada por este Tribunal.

Neste contexto, este Tribunal entende que é incontornável a conclusão de que a rejeição do pedido de inscrição e o cancelamento do credenciamento da Comissão Instaladora do PRA-JA SERVIR ANGOLA têm fundamento na Constituição e na lei, uma vez que a Recorrente não cumpriu a obrigação de apresentar 7.500 assinaturas conforme nem respeitou o princípio da representatividade mínima fixado por lei, consubstanciado no dever de obter 150 subscrições válidas a nível também das províncias do Namibe, Lunda-Sul, Moxico, Cuanza-Sul e Cunene.

Face ao que antecede, o Tribunal Constitucional acresce que:

  1. A não observância da Constituição e da Lei dos Partidos Políticos por parte da Recorrente compagina-se na violação expressa e consequente dos princípios da livre constituição de partidos políticos, da representatividade mínima fixada por lei, do carácter e âmbito nacionais das formações partidárias, da legalidade, da igualdade, todos protegidos pelas disposições do n.º 2 do artigo 6.º, das alíneas a), b) e g) do n.º 2 do artigo 17.º e dos artigos 22.º e 23.º da CRA, bem como do artigo 13.º e dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 14.º, ambos da LPP.
  1. Resulta claro e evidente que não existe, no Despacho recorrido, a violação da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, porque, efectivamente, os requisitos essenciais para a constituição do Partido Político PRA-JA SERVIR ANGOLA não foram respeitados pela Recorrente.
  1. Tendo em atenção o vertido no artigo 14.º da LPP, que estabelece os requisitos para a inscrição de um partido político, sendo que a escassez de um deles implica o não reconhecimento do mesmo, andou bem o Venerando Juiz Conselheiro Presidente ao exarar o Despacho de rejeição da inscrição da formação política em causa, com base no imperativo da alínea b) do artigo 16.º da lei supra referenciada. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 22 de Julho de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS 

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) (Impedido) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dra. Maria de Fátima de Lima D’Almeida Baptista da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Relatora)