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ACÓRDÃO N.º 635/2020

PROCESSO N.º 785-A/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Adilson Patrício Borges e António Cristóvão Filipe Bande, melhor identificados nos autos, vêm interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Militar, no âmbito do Processo n.º 11/2018, que negou provimento ao pedido da revogação da pena acessória de expulsão da corporação da Polícia Nacional (págs. 483 e segs dos autos), nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), por inferirem que ofende os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e necessidade constitucionalmente consagrados no artigo 57.º, n.º 1, em conjugação com os artigos 28.º, 72.º, 73.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA).

Os Recorrentes apresentam, em síntese, as seguintes alegações:                   

  1. São efectivos do Serviço de Investigação Criminal, (SIC), colocados no Comando de Divisão da Polícia da Maianga, chefes de famílias, com filhos menores e em idade escolar, todos dependentes economicamente dos mesmos.
  2. Foram condenados nas penas de 22 meses de prisão e 24 meses de prisão, respectivamente e, a título de pena acessória, foram ambos condenados na pena de expulsão da corporação policial.
  3. Qualquer Estado democrático de direito, como é o caso da República de Angola rege-se pelos princípios da constitucionalidade e da legalidade dos actos do poder público, todas as decisões emanadas pelos órgãos de soberania do Estado, devem estar em conformidade com o conteúdo dos princípios e normas constitucionais, sob pena de serem consideradas inconstitucionais. Ou seja:
  4. Os princípios e normas infraconstitucionais, através das quais se fundam os actos do poder público, com maior realce para os do poder jurisdicional, mais concretamente, as sentenças, os acórdãos e os demais actos praticados pelo poder judicial, devem obediência à Constituição vigente na República de Angola, ao abrigo dos artigos 1.º, 2.º e dos nºs 1, 2 e 3 do artigo 6.º, todos da CRA.
  5. A aplicação das penas acessórias de expulsão da corporação, não teve em consideração o facto de que, os ora Recorrentes, confessaram e arrependeram-se de terem praticado os ilícitos criminais patentes nos autos, nos termos dos artigos 39.º e 9.º do CP bem como a reparação do dano ao ofendido Joaquim Albano, que culminou com a sua total recuperação. Fruto disto é que o mesmo, à data dos factos, confirmou ao Tribunal que se encontrava a trabalhar.
  6. Assim sendo, a confissão e o arrependimento demonstram claramente a existência de uma conduta de ressocialização e reeducada em relação aos Recorrentes, uma vez que, os mesmos, de forma implícita, exteriorizaram a vontade de continuarem a servir à pátria investidos da qualidade de efectivos do órgão policial acima mencionado.
  7. Apraz chamar à colação a figura dos fins das sanções penais, com maior realce, para o instituto jurídico-penal das "Penas Correccionais" que têm como principal escopo, a correcção da conduta dos agentes criminais, no sentido de moldá-los a pautarem-se por um comportamento socialmente aceite e conforme aos princípios e normas que disciplinam a instituição castrense a que estão adstritos.
  8. Não se opõem à medida restritiva da liberdade ambulatória (penas de prisão) que consubstanciou-se na aplicação das penas de 22 e 24 meses de prisão, mas sim, às penas acessórias que advieram da pena principal, ou seja, não se concebe a ideia de uma pena correccional ter o sinónimo de pena rígida, porquanto a finalidade da mesma seja a de corrigir o comportamento dos agentes dos crimes constantes dos autos, através da aplicação de uma medida punitiva branda e pedagógica (ressocializadora e reeducativa).
  9. Nesta senda, impõe-se a ideia da pena correccional dispor de uma essência pedagógica muito acentuada, em que o objectivo é o de reabilitar os Recorrentes, investindo-os de uma nova roupagem moral e cívica e não expulsando-os definitivamente do Ministério do Interior.
  10. Os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade são extensivos ao contexto da justiça militar, na medida em que se exija a sua observância na generalidade dos actos emanados pelo poder judicial militar.
  11. O facto de se tratar de um Tribunal castrense ou militar, não significa que está isento das consequências decorrentes da desobediência daquilo que está plasmado na Constituição da República de Angola, ou seja, todos os órgãos de soberania do Estado estão sujeitos ao princípio do primado ou supremacia da constituição, em harmonia com o disposto nos artigos 28.º e 72.º da CRA. Neste ínterim, a aplicação de uma pena acessória de cariz correccional se consubstanciaria na aplicação de uma medida, que não fosse a de expulsão, nem a de demissão dos Recorrentes do Ministério do Interior, nos termos do artigo 72.º da CRA, que determina: “A todo cidadão é reconhecido o direito a julgamento justo, célere e conforme à lei”.
  12. É paradoxal a ideia do Tribunal militar ter aplicado subsidiariamente, à título de pena principal, a pena correccional prevista na lei penal comum, com base no n.º l do, artigo 56.º do CP e uma pena acessória mais gravosa do que a pena principal, com base nos termos do n.º 2, na alínea a) do artigo 7.º da Lei n.º 4/94, de 28 de Janeiro, "Lei dos Crimes Militares". Estamos perante uma situação paradoxal ou equívoca que põe em causa os princípios da segurança e certeza jurídica relativamente a concretização positiva ou eficácia dos actos do poder jurisdicional, defraudando, desta forma, um dos pilares do Estado democrático de direito.
  13. Terminam alegando que, em face do acima exposto, consegue-se enxergar facilmente que está-se diante de um atropelo aos princípios e normas constitucionais, na medida em que a pena acessória de expulsão, que recaiu sobre eles, é excessiva e abusiva, porque não inspira em si, o espírito do legislador constitucional, assente nos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da necessidade que se exige de uma pena de cariz correccional, à luz do n.º 1 do artigo 57.º da CRA, que estabelece o seguinte: ”A restrição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos deve limitar-se ao necessário, proporcional e razoável, tendo em vista a salvaguarda dos direitos e interesses constitucionalmente protegidos”.
  14. A correcção das suas condutas não passa pela aplicação da expulsão do SIC, mas sim, por uma repreensão (castigo) sem serem expulsos da corporação policial. Só desta forma, far-se-á justiça equilibrada ou equitativa, ao abrigo do princípio da estabilidade do emprego, tendo em vista a salvaguarda do interesse socioeconómico de duas famílias, cujos principais responsáveis das mesmas, estão no desemprego, contribuindo de tal maneira para o empobrecimento de mais duas famí1ias angolanas.

Nestes termos, atentos aos fundamentos que apresentam, os Recorrentes requerem ao Tribunal Constitucional que deve declarar a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido por omissão dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e necessidade em relação à aplicação das penas acessórias de expulsão do SIC do Ministério do Interior, e, consequentemente, a sua reintegração no quadro de pessoal do referido Ministério, por força da disposição normativa constante do artigo 73.º, bem como do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 180.º, ambos da CRA.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

III. LEGITIMIDADE

Os Recorrentes foram Réus no Processo n.º 463/17 do Tribunal Militar da Guarnição de Luanda e têm legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, ...podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (...) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

IV. OBJECTO

Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade do Acórdão recorrido que negou provimento ao pedido dos Recorrentes e manteve a pena acessória de expulsão do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior dos ora Recorrentes, aplicada pelo Supremo Tribunal Militar, por supostamente ofender os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, consagrados no n.º 1 do artigo 57.º, e dos artigos 73.º, 28.º e 72.º da CRA.

V. APRECIANDO

Adilson Patrício Borges, 3.º Subchefe da Polícia Nacional e António Cristóvão Filipe Bande, Agente da Polícia Nacional, ambos colocados no Departamento de Investigação Criminal da Maianga, foram julgados pelo Tribunal Militar da Região de Luanda, pela prática cumulativa, por cada um deles, de quatro crimes de conduta indecorosa e quatro crimes de abuso no exercício do cargo, previstos e puníveis nos termos dos artigos 48.º e 28.º da Lei n.º 4/94, de 28 de Janeiro, Lei dos Crimes Militares (LCM) e, ainda, de quatro crimes de prisão ilegal e dois crimes de ofensas corporais voluntárias previstos e puníveis pelos artigos 291.º, n.º 4 e 361.º do Código Penal.

Adilson Patrício Borges foi condenado na pena única de 24 meses de prisão e na pena acessória de expulsão da corporação, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 7.º da LCM; e António Cristóvão Filipe Bande foi condenado na pena única de 22 meses de prisão e na pena acessória de expulsão da corporação, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 7.º da LCM.

Interposto recurso ao Supremo Tribunal Militar, esta instância decidiu confirmar as penas de prisão e as penas acessórias de expulsão da corporação aplicadas aos Recorrentes, Adilson Patrício Borges e António Cristóvão Filipe Cristóvão Bande.

Inconformados com a decisão do Tribunal ad quem, os Recorrentes vêm perante o Tribunal Constitucional considerar que as penas acessórias de expulsão aplicadas, que consistem na irradiação dos condenados das fileiras da corporação, com perda da qualidade de Agente da Polícia Nacional, tornando-os inábeis para o respectivo serviço, são excessivas e abusivas, porque não inspiram em si o espírito do legislador constitucional, assente nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da necessidade, que se exige de uma pena de cariz correccional, à luz do n.º 1 do artigo 57.º da CRA, que cabe analisar.

Na aplicação efectiva das penas, o Acórdão do Supremo Tribunal Militar contraria os Recorrentes quando alegam que não foi levado em consideração o facto de estes confessarem e se arrependerem da prática dos ilícitos criminais, bem como a reparação dos danos materiais causados pois, na verdade o aresto, ao confirmar as decisões do Tribunal Militar da Região de Luanda, teve em atenção as circunstâncias atenuantes e agravantes, conforme fls. 457 e 512 dos autos.

Assim, segundo folhas 457 dos autos, atenuam a responsabilidade dos Recorrentes as circunstâncias da alínea b), do artigo 10.º da LCM, o bom comportamento anterior, no sentido de serem delinquentes primários, e 23.ª do artigo 39.º do Código Penal, serem responsáveis por agregados familiares. Por outro lado, agravam a responsabilidade criminal dos mesmos a circunstância constante da alínea h) do artigo 9.º da LCM, a persistência na prática da infracção e, ainda, as circunstâncias 10.ª, ter sido o crime cometido por duas ou mais pessoas, 25.ª, ter o réu obrigação especial de não cometer o crime e 34.ª, acumulação de crimes, todas do artigo 34.º do Código Penal.

O Acórdão do Supremo Tribunal Militar decidiu manter a condenação do Tribunal a quo e, consequentemente, as penas acessórias de expulsão dos Recorrentes por ter em atenção que estas medidas estão tipificadas na lei e são aplicadas a todos os crimes considerados repugnantes.

Portanto, decorre da própria lei que existem crimes em que, para além da pena principal, se impõe a aplicação de uma pena acessória, como é o caso da pena de expulsão prevista na primeira parte do n.º 3 do artigo 7.º e no artigo 8.º da LCM, que estabelecem que a expulsão tem lugar em todos os crimes que afectem gravemente a reputação moral do infractor ou provoquem repulsa na opinião pública, como no caso presente.

É, aliás, neste contexto que, a fls. 511 dos autos, o Acórdão recorrido refere que “Quanto às penas acessórias de expulsão aplicadas aos co-réus Adilson Borges e António Bande, a doutrina tem evoluído no sentido de aplicá-las somente nos casos de crimes repugnantes que provoquem repulsa na opinião pública, conforme n.º 3.º do artigo 7.º da LCM e que, “No caso sub judice e tendo em consideração as circunstâncias em que ocorreram as detenções dos ofendidos e submissão destes às sevícias descritas a fls. 24, 43, 102, 103, 104 e 105 dos autos, demonstram uma crueldade do tipo medieval, a todos os títulos repugnante e reprovável”.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Militar teve em atenção a crueldade dos actos praticados e constantes dos autos, a qualidade dos Recorrentes (membros da Polícia Nacional junto ao SIC), a gravidade da conduta tida como provada, bem como o perfil que caracteriza um agente da Polícia Nacional.

Trata-se, portanto, de infracções imputadas aos Recorrentes, enquanto agentes de autoridade pública, conforme fls. 24, 43, 102 a 105 dos autos, que têm o dever especial de repudiar e denunciar os actos delituosos de que tenham conhecimento. É, aliás, neste desiderato que se impõe, inclusivamente, às autoridades policiais e aos funcionários públicos, o dever de denunciar ao Ministério Público, quanto à todas as infracções de que tenham conhecimento, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945.                                          

Saliente-se que a sanção de afastamento definitivo da corporação é característica como pena acessória aplicável aos agentes sujeitos ao fórum militar e, ao nível da Polícia Nacional, é aplicada mesmo a partir dos instrumentos reitores da ordem disciplinar.    

O Decreto Presidencial n.º 38/14, de 19 de Fevereiro, que aprova o Regulamento sobre o Regime Disciplinar do Pessoal da Polícia Nacional, refere que a observância da disciplina no seio do efectivo com funções policiais constitui um imperativo para o cumprimento dos objectivos pretendidos pelo Estado Angolano no tocante à contínua manutenção da ordem e da tranquilidade públicas, bem como a preservação das conquistas democráticas já alcançadas no domínio do respeito das garantias e liberdades dos cidadãos.

Este diploma prevê, entre as penas disciplinares, no artigo 15.º da alínea f) e nos artigos 26.º, 27.º e 28.º, com a alteração introduzida pelos artigos 3.º, 6.º e 7.º do Decreto Presidencial n.º 175/17, de 3 de Agosto, a pena de demissão que, nos termos do artigo 21.º, consiste no afastamento definitivo da Polícia Nacional, com a extinção do vínculo funcional e a perda da qualidade de agente e de todos os direitos resultantes desta, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias policiais.

Na mesma perspectiva, o n.º 1 do artigo 34.º, deste mesmo diploma legal, estabelece que, entre outros casos, a pena de demissão é aplicável nos casos de infracções que revelam a impossibilidade de adaptação ao serviço ou falta de qualidades indispensáveis para o exercício da função policial [alínea b)]; Procedimento grave atentatório da dignidade e prestígio do Agente da Função Policial ou da Corporação [alínea e)]; prática de actos de grave insubordinação ou indisciplina [alínea f)]; prática de actos de extorsão e suborno [alínea h)].

Verifica-se, portanto, em termos da regulamentação disciplinar do corpo policial, a evidente preocupação de depurar do seio da organização todos os agentes que praticarem actos tendentes a pôr em causa o bom nome e o respeito que esta instituição e os seus membros devem merecer por parte da comunidade em geral.

Assim sendo, não é de acolher o argumento de que a expulsão dos Recorrentes da corporação não pode ser tida como correcção das suas condutas, atendendo ao princípio da estabilidade do emprego, tendo em vista a salvaguarda do interesse socioeconómico de suas famílias, cujos principais responsáveis se encontram desempregados e porque houve excessos em sede da restrição deste postulado. O princípio da estabilidade no emprego visa, tão só, garantir que o empregador não faça despedimentos discricionariamente, salvo por justa causa ou força maior, o que não é o caso vertente em que é o Tribunal que aplica uma pena acessória de expulsão da corporação policial.

Também não é curial dizer que a medida de expulsão da corporação aplicada ofende os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade constitucionalmente consagrados, conforme argumentam os Recorrentes, pois estes valores são extensivos ao contexto da justiça militar e foram tidos em consideração. O Acórdão do Supremo Tribunal Militar está conforme os ditames e perspectivas legais e não contraria os princípios constitucionalmente consagrados e ora alegados pelos Recorrentes.

Para se falar da proporcionalidade é fundamental aludir da restrição de direitos, tendo em atenção, in casu o fim da medida acessória de expulsão, pois ela visa tão somente atingir os fins das penas, cuja finalidade primária é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal dos Recorrentes.

“Actualmente são preocupações sociais profundas a corrupção e outros males, bem como a ineficiência policial e o considerável índice de vitimização, sobretudo secundária, sofrida pelos cidadãos por parte da Polícia” pois “da polícia espera-se sempre uma actuação ética e moral exemplar, face às suas responsabilidades de reprimir os actos desonestos, indecorosos e ilícitos no cumprimento da lei e manutenção da ordem”. In Burity da Silva, Carlos Alberto, VITIMOLOGIA. Melhor atenção às vítimas de actos delituosos, 2016, págs. 55 e 142.

Assim, para garantir o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade houve uma harmonia adequada entre os meios utilizados e os fins desejados, com vista a... reparar o dano causado na ordem moral da sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e aplicada por tribunal competente (artigo 27.º do Código Penal).

O princípio da “proporcionalidade refere-se à correlação entre dois bens jurídicos protegidos por princípios constitucionais, em que se questiona se a medida adotada é adequada para atingir o fim constitucionalmente instituído". (Siqueira Castro, Carlos Roberto, O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, 2010, pág. 193.).

Neste sentido, ao contrário do que os Recorrentes querem asseverar, o poder judicial militar (Tribunal ad quem) teve em atenção os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ao aplicar a pena acessória de expulsão. Como refere Karl Larenz “a ideia de justa ´medida` tem uma relação estreita com a ideia de justiça, tanto no exercício de direitos como na imposição de deveres e ónus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor prejuízo possível” (Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pág. 603).

Acontece que o vandalismo e crueldade que caracterizaram o comportamento dos Recorrentes, que semearam o medo no seio da população, a insegurança e temor resultante da submissão dos ofendidos a torturas, a privação por muitos dias da sua liberdade física e a subtracção violenta dos seus pertences, não é coadunável com o que se espera de um agente de Polícia em exercício de actividade de investigação criminal em quem o cidadão deve depositar confiança e dele esperar garantias de segurança. Trata-se de comportamentos graves, intoleráveis e que devem ser severamente punidos, tendo em atenção a qualidade dos Recorrentes.

Portanto, “A ideia (ou o ideário) da proporcionalidade persegue, assim, a justa e equânime distribuição de ónus e encargos e também de bônus e vantagens, nos incontáveis contextos de disputas, litígios e concorrências intersubjetivas.” (Siqueira Castro, Carlos Roberto, O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. 2010. pág. 189).

Por outro lado, atentos aos autos, é possível verificar-se que os Recorrentes admitem a prática dos actos que lhes foram imputados, já se encontram em liberdade conforme mandados de soltura a fls. 519- 520, mas, tal como resulta das suas alegações, a preocupação destes prende-se com o facto do Supremo Tribunal Militar manter as penas acessórias de expulsão da corporação. Ou seja, os Recorrentes reconhecem-se culpados de actos delituosos que quer o Tribunal a quo, quer o Tribunal ad quem, consideraram inequivocamente tratar-se de crimes repugnantes, nos termos do artigo 8.º, da LCM mas não querem perder o emprego no SIC, nem a qualidade de membros da Polícia Nacional.

Não é tarefa do Tribunal Constitucional repetir nem rever o julgamento efectuado pelo tribunal competente a fim de verificar se este foi bem feito.

A Constituição da República de Angola prevê, como matéria a tratar no âmbito do Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade “apreciar em recurso a constitucionalidade das decisões dos demais tribunais” (alíneas d) e e) do artigo 180.º). A LPC interpreta o preceito constitucional como se segue: “podem ser objecto de recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na CRA” (artigo 49.º).

Cada tribunal tem o seu leque de competências. O Tribunal Militar é aquele ao qual compete julgar se um réu militar ou equiparado, julgado culpado, deve ser expulso da corporação em que presta serviço. Não há nenhuma inconstitucionalidade em que o referido Tribunal cumpra com as tarefas que lhe são cometidas por lei. Inconstitucional seria a imiscuição do Tribunal Constitucional nas competências do Supremo Tribunal Militar tomando conhecimento do mérito da causa.  

Não cabe a este Tribunal Constitucional, cujas competências são de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, nos termos das disposições combinadas dos artigos 180.º da CRA e 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro), aferir se o Supremo Tribunal Militar procedeu a uma correcta apreciação das provas ou não, pois, “esta não é uma instância suprema de mérito, ou um Tribunal de super-revisão, não lhe compete aferir a justeza da decisão jurídica segundo o direito ordinário aplicado ao processo …” (Carlos Blanco de Morais, 2011, Justiça Constitucional, Tomo II - O Direito do Contencioso Constitucional. pág. 619).

Pelo exposto, entende o Tribunal Constitucional que o Acórdão recorrido decidiu em conformidade com a Constituição e a lei.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

 Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 05 de Agosto de 2020.

 

O JUIZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva (Relator) 

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d´A. B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata