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ACÓRDÃO N.º 638/2020

 PROCESSO N.º 795-C/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Noémia Roberta Santiago Paixão Sobrinho, melhor identificada nos presentes autos, vem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão do Tribunal Supremo, conforme fls. 18 dos autos, proferido no âmbito do Processo n.º 273/19, da 1.ª Secção da Câmara Criminal, que nega provimento ao pedido da Providência de habeas corpus, por inferir que ofende os princípios constitucionais da legalidade e da igualdade, e os direitos, liberdades e garantias consagrados nos artigos 6.º, 23.º, 28.º, 29.º, 64.º, 67.º n.º 2 e 6, 68.º, 72.º, 175.º e 179.º da Constituição da República de Angola (CRA).

A Recorrente não apresentou as suas alegações, mesmo depois de ter sido notificada por duas vezes, para o efeito, conforme fls. 29, 29v, 31, 32, 53, 53v, 54 e 55 dos autos. Entretanto, porque tem sido entendimento deste Tribunal não defraudar a ratio iuris do n.º 1 do artigo 67.º da CRA e porque os autos reúnem elementos suficientes para delimitar o objecto do recurso, dos quais, abaixo se narra o seguinte:

  1. A Recorrente foi presa aos 30 de Abril de 2019, dia em que foi notificada do Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, sem qualquer possibilidade de reclamar ou interpor recurso, querendo, conforme dispõem os artigos 677.º, 668.º e 669.º do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável (fls. 2v);
  2. A Recorrente mantém-se internada no estabelecimento prisional de Viana por força da decisão proferida pelo Tribunal ad quem e executada pelo Tribunal a quo (fls. 2v).
  1. A Recorrente foi notificada do Acórdão por entidade diferente da que proferiu a decisão e, como se não bastasse, executou-se em desobediência à lei, uma vez que o poder jurisdicional do Tribunal de Comarca, para efeitos de execução de pena e notificações de decisões, esgotou-se a partir do momento em que o Processo foi submetido à alçada do Tribunal Supremo, nos termos dos artigos 24.º, 26.º, 27.º e 29.º da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro (fls. 2v e 3).
  1. A Recorrente foi condenada pelo Tribunal a quo, interpondo recurso para o Tribunal Supremo e, por força do efeito suspensivo, aguardou em liberdade o veredito final do Tribunal ad quem. Após decisão desta instância, o Tribunal a quo notificou a Recorrente, recolhendo-a à cadeia. Insatisfeita, interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, pretendendo aguardar em liberdade até a decisão deste recurso, porque, no seu entender, este tem efeito suspensivo. (fls. 2v e 11v).
  1. A Recorrente entende que houve precipitação na execução da decisão proferida pelo Tribunal Supremo, contrariando o que vem disposto no artigo 625.º do Código de Processo Penal (CPP), em inobservância ao que vem estatuído nos artigos 677.º do CPC e 51.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), que militam a favor do Recorrente. O prazo para a interposição do recurso ao Tribunal Constitucional é de 8 dias a contar da notificação, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos (fls. 3).
  1. Pelo exposto, e porque o Tribunal ad quem negou provimento ao seu pedido de habeas corpus, em virtude de prisão ilegal, nos termos do artigo 625.º do CPP, conjugado com os artigos 677.º do CPC e 51.º da LPC, a Recorrente julga haver clara violação do disposto nos artigos 6.º, 23.º, 28.º, 29.º, 64.º, n.º 2 do artigo 67.º, 72.º, 175.º e 179.º todos da CRA (fls. 11 a 14).

A Recorrente solicita que seja declarada ilegal a sua prisão e que, em consequência, seja ordenada a sua imediata libertação, ex vi artigo 315.º do CPP e 67.º n.º 1 da CRA, por violação dos princípios da legalidade, da igualdade, do duplo grau da apreciação jurisdicional, do contraditório, do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva, da defesa e do julgamento justo, célere e conforme a lei, tal como dispõem os artigos 6.º, 23.º, 67.º n.º 1, 2 e 6, 28.º, 29.º, 64.º, 72.º, 175.º e 179.º da CRA (fls. 3v).

O Processo foi à vista do Ministério Público, tendo dado o seguinte parecer: Nos termos do n.º 1 do artigo 292.º do CPC, a falta de alegações de recurso é fundamento legal para julgar deserto o recurso. Porém, da norma deste artigo confrontada com o n.º 1 do artigo 67.º da CRA, conclui-se que ela contraria o espírito da constituição, que garante aos arguidos ou presos o direito de defesa e de recurso, isto é, assegura o duplo grau de apreciação jurisdicional. Destarte, promovo que seja a recorrente notificada, mais uma vez, para o mesmo fim e, faltando novamente, devem os autos prosseguir sem alegações socorrendo-se dos elementos do processo, o que veio a acontecer, conforme fls. 53, 56 e 57 dos autos.

Colhidos os vistos legais cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

III. LEGITIMIDADE

A Recorrente é Ré no Processo n.º 327/2018-A do Tribunal Provincial de Luanda e tem legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50º da LPC, ao abrigo do qual ...podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (...) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

 IV. OBJECTO

Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo, (fls. 11 a 14 dos autos), que negou provimento ao pedido da providência extraordinária de habeas corpus por considerar legal a sua situação carcerária.

V. APRECIANDO

Questão prévia   

De acordo com o que se constata dos autos sub judice, Processo n.º 795-C/2020, a Recorrente foi notificada, por duas vezes, pelo Tribunal Constitucional para alegar e não o fez, isto é, não expôs os fundamentos do recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade que permitissem conhecer da providência de habeas corpus e delimitar o seu objecto e, em consequência, decidir (fls. 29, 31, 32, 53, 53v e 54 e 55 dos autos).

Porém, da vista do Ministério Público resultaria que, após a segunda notificação para o mesmo fim, faltando novamente, os autos deveriam prosseguir sem as devidas alegações, conforme fls. 53, 56 e 57 dos autos (n.º 1 do artigo 292.º do CPC, n.º 1 do artigo 67.º da CRA). Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem entendido que...a deserção de um recurso penal, por falta ou mora na apresentação das alegações, mesmo que fundamentada em lei vigente, é inconstitucionalidade material. (cf. Acórdãos nºs 387 e 388/2016).

Na mesma perspectiva, o Acórdão n.º 387/2016, do Tribunal Constitucional, pág. 4, diz que... num recurso penal o Tribunal ad quem, na falta de alegações, tem nos autos elementos mínimos que lhe permitam conhecer o mérito do recurso sem sacrificar, em substância, o direito constitucional à apreciação do processo em segunda instância (dupla jurisdição).

Neste contexto, entende-se que o artigo 292.º CPC, na parte a que se refere a deserção por falta de alegações, não integra o espírito da Constituição da República de Angola e coarcta o direito ao recurso da Recorrente.

Assim, e porque existem nos autos elementos suficientes para delimitar o objecto do recurso, em respeito ao espírito da Constituição da República de Angola que garante à Recorrente o direito de defesa e de recurso (n.º 1 do artigo 67.º da CRA), de forma a não se coarctar a possibilidade de acesso à tutela judicial em decorrência da deserção do recurso, cabe, em conformidade com os autos, analisar para decidir se existe razão para declarar inconstitucional o Acórdão recorrido.

Porém, consta dos autos, a fls. 2v, que da sentença condenatória do Tribunal a quo foi interposto recurso ordinário com efeito suspensivo, junto do Tribunal Supremo e que, da decisão deste, foi interposto recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional.

Este Processo, com o n.º 728-D/2019, foi objecto de apreciação pelo Plenário do Tribunal Constitucional, tendo sido, nos termos do Acórdão n.º 637/2020, negado provimento ao recurso interposto e mantida a decisão recorrida.

Com esta decisão, torna-se inequívoca a legalidade da prisão da Recorrente, que passa a cumprir pena efectiva na sequência da condenação pela prática do crime de que foi julgada e condenada.

Da análise do acima exposto e do Acórdão recorrido, facilmente se chega a conclusão que deve declarar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que com a decisão de improcedência do recurso conhecido e decidido pelo Acórdão n.º 637/2020 no âmbito do Processo n.º 728-D/2019, a continuação da presente acção torna-se desnecessária e sem qualquer fundamento, nos termos das disposições conjugadas do § 1º do artigo 317.º do Código do Processo Penal e alínea e) do artigo 287.º do Código Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.

Nestes termos

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas, nos termos do artigo 15º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC.

 Notifique:

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 8 de Setembro de 2020.

 

O JUIZES CONSELHEIROS 

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva (Relator) 

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Simão de Sousa Victor 

Dra. Victória Manuel da Silva Izata