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ACÓRDÃO N.º 644/2020

 

PROCESSO N.º 825-A/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Aurélio Manuel Ferreira Relvão, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, em 17 de Junho de 2020, que indeferiu a providência de habeas corpus que correu termos sob o Processo n.º 541/2020.

O Recorrente foi detido no dia 24 de Março de 2020, indiciado pelo crime de burla por defraudação, previsto e punível pelo artigo 451.º do Código Penal (CP).

Aos 4 de Maio de 2020, interpôs, no Tribunal Supremo, uma providência de habeas corpus, alegando que a sua detenção/prisão é ilegal, uma vez que:

  1. Impugnou a medida de coacção que lhe foi aplicada, tendo o juiz de turno do Tribunal Provincial de Luanda indeferido com o fundamento abstracto de haver perigo de fuga, continuação da actividade criminosa e necessidade de consolidação da prova, ignorando o facto de ter sido apresentado ao Digno Magistrado do Ministério Público quando já eram decorridas 72 horas da sua detenção, tendo sido interrogado sem a presença do seu advogado;
  2. Não foi notificado do despacho que ordenou a aplicação da medida de prisão preventiva, o que a torna ilegal;
  3. A prisão preventiva não foi uma medida cautelar necessária, adequada e proporcional, antes materializando a máxima “prender para investigar”;
  4. Tem 68 (sessenta e oito) anos de idade e uma saúde débil, pelo que devia gozar de uma protecção especial, ao abrigo do artigo 14.º do Decreto Presidencial n.º 97/20, de 9 de Abril.

A 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, por sua vez, negou provimento à providência requerida, com o fundamento no facto de o ora Recorrente ter alegado factos que escapam do âmbito do objecto da providência de habeas corpus.

Não se conformando com a posição da mais alta instância de jurisdição comum, o Recorrente interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

Admitido o recurso, produziu o Recorrente alegações, nas quais concluiu que o aresto recorrido viola:

a) O seu direito à liberdade física, de ir e de vir, nos termos do artigo 36.º da CRA;

b) O princípio da excepcionalidade da medida de coacção consagrada no artigo 57.º da CRA, ao aplicar a medida de prisão preventiva em prejuízo das mais adequadas;

c) Não protege o direito inalienável, o bem vida (artigo 30.º da CRA), ao manter a prisão apesar do elevado risco de contaminação da COVID-19 num estabelecimento prisional;

d) O disposto no artigo 72.º da CRA, por não ter conferido um julgamento justo e conforme, ao negar apreciar questões submetidas que cabem no âmbito do abuso de poder;

e) Os pressupostos e as condições da aplicação da prisão preventiva, nomeadamente, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade;

f) Excesso do prazo de prisão preventiva em processo penal.”

Terminou requerendo ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da decisão recorrida e, em consequência, que seja ordenada a sua libertação.

 

O processo foi à vista do Ministério Público.

 

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

 

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República de Angola”.

Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da LPC, pelo que, tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.

 

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é Réu no Processo n.º 541/2020, que correu os seus trâmites na 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo pelo que, é parte legítima, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, “no caso de sentenças, podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

 

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é apreciar se o Acórdão prolactado pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 541/2020, violou ou não princípios e direitos constitucionalmente protegidos.

 

V. APRECIANDO

O Recorrente Aurélio Relvão veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, sustentando que o Acórdão do Tribunal Supremo violou os artigos 30.º, 36.º, 57.ºe 72.º todos da Constituição da República de Angola.

Nos termos do artigo 68.º da CRA, o interessado pode requerer, perante o tribunal competente, habeas corpus, enquanto providência extraordinária e expedita que visa asseverar o direito à liberdade a todos os cidadãos, contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal.

Ora, como decorre do § único do artigo 315.º do Código de Processo Penal (CPP) a ilegalidade da prisão pode advir de:

  1. ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
  2. ser motivada por facto pelo qual a lei não a permite;
  3. se manter para além dos prazos fixados por lei ou decisão judicial;
  4. se prolongar para além do tempo fixado.

 

Isto é, e sem prejuízo das disposições constitucionais sobre esta matéria, a providência de habeas corpus só pode ser deferida se se confirmar a existência de, pelo menos, um ou mais destes pressupostos.

Entretanto, o Tribunal Constitucional tomou conhecimento, por intermédio da Vista do Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, constante de fls. 74 e seguintes dos presentes autos, de que o Digno Magistrado do Ministério Público junto do SIC ordenou, em Despacho datado de 7 de Agosto de 2020, a restituição da liberdade ao Recorrente, por se mostrar precludido o prazo da prisão preventiva, nos termos do previsto nos artigos 40.º n.º 1, alínea a) e 42.º da Lei nº 25/15, de 18 de Setembro - Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP). Por essa razão, o Recorrente passou a aguardar os ulteriores termos do processo sob Termo de Identidade e Residência.

Tendo o Recorrente sido restituído à liberdade esvazia-se toda a argumentação feita pelo mesmo já que o efeito desejado foi logrado, pelo que, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional por força do artigo 2º da LPC, está-se perante uma inutilidade superveniente da lide que tem como corolário a extinção da instância. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, 

 

Sem custas, nos termos da segunda parte do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 9 de Novembro de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Relatora)