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ACÓRDÃO N.º 647/2020

PROCESSO N.º 824-D/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 I. RELATÓRIO

Aurélio Manuel Ferreira Relvão, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade relativamente ao Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que, no âmbito do Processo n.º 30/2020, manteve o despacho do Juiz de turno que confirmou a medida de coacção pessoal de prisão preventiva aplicada ao Recorrente em fase de instrução preparatória.

O Recorrente foi detido no dia 24 de Março de 2020, indiciado pelo crime de burla por defraudação, previsto e punível pelo artigo 451.º do Código Penal (CP).

Em sede de alegações, o Recorrente fundamentou o seu pedido, referindo no essencial que:

  1. Foi indiciado pela prática do crime de burla por defraudação, p.p. pelo artigo 451.º do Código Penal, CP, e encontra-se sob a medida de coacção pessoal de prisão preventiva, na sequência da sua detenção, aos 24 de Março de 2020, internado no Estabelecimento Penitenciário Hospital Prisão de São Paulo, uma vez que o seu estado de saúde inspira alguns cuidados;
  2. O n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro - Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP) estabelece que nenhuma medida de coacção pode ser aplicada sem a prévia constituição como arguido, excepto o termo de identidade e residência, sendo que a constituição como arguido é efectuada mediante a notificação, no próprio acto, de que a partir daquele momento deve considerar-se arguido num processo penal e em seguida ser informado dos seus direitos e deveres;
  3. As medidas de coacção, por limitarem direitos, constituem a excepção à regra (liberdade), essa excepcionalidade tem respaldo no texto constitucional no artigo 57.º da CRA, bem como no artigo 36.º da LMCPP, nos termos dos quais, primeiro, a restrição de direitos, liberdades e garantias limita-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre, segundo, a prisão preventiva, enquanto restritiva da liberdade de ir e de vir deve ser aplicada somente quando as demais medidas cautelares se mostrarem inadequadas ou insuficientes;
  4. Desde a data da detenção até ao momento da interposição do presente recurso, encontra-se há 137 dias em prisão preventiva, sem, no entanto, estar formalizada a culpa, sendo que, nos termos do artigo 40.º da LMCPP, o prazo máximo admissível é de 4 meses, portanto, 120 dias.
  5. Deste modo, estão excedidos os prazos de prisão preventiva, sem culpa formada, cuja consequência é a restituição imediata da liberdade do Requerente, ao abrigo do artigo 42.º da LMCPP;
  6. Ao abrigo dos diplomas que decretaram e prorrogaram o Estado de
    Emergência bem como as subsequentes medidas de prevenção e controlo da propagação da pandemia da COVID-19, gozam de protecção especial os cidadãos particularmente vulneráveis à infecção pelo vírus da COVID 19, sendo vulneráveis nos termos daqueles diplomas, os cidadãos de idade igual ou superior a 60 anos, os hipertensos e os doentes oncológicos, situações estas que se aplicam ao Requerente.

Terminou requerendo ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da decisão recorrida e, em consequência, que seja ordenada a sua libertação.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República de Angola”.

Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da LPC, pelo que, tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é arguido no Processo n.º 30/2020, que correu os seus trâmites na 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo pelo que, é parte legítima, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, “no caso de sentenças, podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é apreciar a constitucionalidade do acórdão prolactado pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 30/2020, que confirmou o despacho do juiz de turno, mantendo assim o aqui Recorrente sob a medida de coacção pessoal de prisão preventiva.

V. APRECIANDO 

É submetida à apreciação do Tribunal Constitucional o Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que, ao negar provimento ao recurso interposto pelo aqui Recorrente, terá perpetuado a violação da Constituição e da lei, operada pelo Juiz de turno que confirmou a medida de coacção pessoal de prisão preventiva, violando o direito deste a um julgamento justo e conforme a lei, à presunção de inocência, bem como o seu direito à protecção especial, previsto no Decreto Presidencial que define as medidas de prevenção e controlo da propagação da pandemia da COVID-19.

Entretanto, no decurso da tramitação dos presentes autos nesta instância, o Tribunal Constitucional tomou conhecimento, por intermédio da Vista do Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, constante de fls. 65 dos presentes autos, de que o Digno Magistrado do Ministério Público junto do SIC ordenou, em Despacho datado de 7 de Agosto de 2020, a restituição da liberdade ao Recorrente, por se encontrarem excedidos os prazos de prisão preventiva, nos termos do previsto nos artigos 40.º, n.º 1, alínea a) e 42.º da LMCPP.

Encontrando-se actualmente o Recorrente sob a medida de coacção pessoal de Prestação do Termo de Identidade e Residência, nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 42.º da LMCPP, torna-se despiciendo o pronunciamento deste Tribunal sobre o objecto do presente recurso por inutilidade superveniente da lide.

Assim, este Tribunal declara a extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional por força do artigo 2º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho.

 DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional: EM DECLARAR A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, E, EM CONSEQUÊNCIA, A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA, ORDENANDO-SE O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS.

Sem custas, nos termos da segunda parte do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

 

Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 9 de Novembro de 2020.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente e Relatora) 

Dr. Carlos Alberto Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata