ACÓRDÃO N.º 654 /2020
PROCESSO N.º 837-C/2020
Recurso ao Plenário
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
A Comissão Instaladora do Partido do Renascimento Angolano – Juntos por Angola – Servir Angola, com a sigla PRA-JA SERVIR ANGOLA, e demais sinais de identificação nos autos, representada por Abel Epalanga Chivukuvuku, vem ao Plenário recorrer do Despacho do Tribunal Constitucional, de 27 de Agosto de 2020, que rejeitou o requerimento de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto do Acórdão n.º 632/2020, proferido no âmbito do Processo n.º 807-C/2020, com fundamento na falta de aperfeiçoamento do pedido, nos termos dos artigos 7.º e 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).
A Recorrente, inconformada com a decisão vertida no Despacho recorrido, apresentou, em síntese, as seguintes alegações:
O ora Recorrido, ao não sustar o processo nem pronunciar-se, fundadamente, nos autos, sobre documentos, onde a letra e assinatura, foram pela Recorrente denunciados, com provas, onde se imputa o ónus ao Tribunal Constitucional e Tribunal Supremo, órgãos com o dever e obrigatoriedade de não cumprir ordens superiores, para inviabilizar na sua decisão a pretensão legítima da Recorrente, quando os juízes devem, unicamente, obediência à Constituição e à lei; O ora Recorrido, ao não ter colocado todo o expediente que lhe foi apresentado pelo Recorrente para os demais Venerandos Juízes Conselheiros, errou de forma grave; O ora Recorrido aduziu elementos em sua defesa, com ofícios vindos de órgãos subalternos da Administração Local do Estado, sem os ter fixados nos autos, errando de forma grave; O ora Recorrido, ao não apresentar as fichas alegadas no acórdão como requisito essencial de consulta, errou gravemente.
A Recorrente concluiu pedindo que este Tribunal anule a decisão recorrida, dê provimento ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade e admita a legalização do PRA-JA SERVIR ANGOLA.
O processo foi à vista do Ministério Público, que promoveu o seguinte:
“… importa agora saber se o Plenário do Tribunal Constitucional pode reapreciar o seu acórdão, proferido no âmbito da competência atribuída pelo n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, e alínea b) do n.º 2 do artigo 64.° da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho. Isto é, saber se o Plenário do Tribunal Constitucional pode funcionar como 2.ª instância para conhecer dos recursos interpostos das suas próprias decisões.
Salvo melhor doutrina, a lei não prevê recurso das decisões do Plenário do Tribunal Constitucional. O conhecimento do presente recurso não terá suporte legal, pois não está previsto no Ordenamento Jurídico-Constitucional. Nos termos da Lei do Processo Constitucional, o Plenário do Tribunal Constitucional tem apenas competência para conhecer, em única instância, dos recursos interpostos dos despachos do Venerando Juiz Conselheiro Presidente e das decisões das suas Câmaras.
A decisão tomada pelo Plenário do Tribunal Constitucional esgota o seu poder jurisdicional e não é susceptível de recurso, faz caso julgado.
Deste modo, tendo o acórdão recorrido sido proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional em única instância, o recurso do referido acórdão não encontra na ordem jurídica constitucional cobertura legal, devendo ser indeferido por ser inadmissível”.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso foi interposto do Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da LPC, que estabelece que dos despachos de não admissão do requerimento feito pelo Juiz Presidente cabe recurso para o Plenário de Juízes.
Logo, o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir a presente acção recursória, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 7.º e 8.º, n.º 2, todos da LPC.
III. LEGITIMIDADE
A Recorrente é parte no Processo n.º 827-C/2020, relativo a partidos políticos, do Tribunal Constitucional, pelo que decorre disso o interesse directo em demandar, que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção. Tem, assim, legitimidade para interpor o presente recurso ao Plenário do Tribunal Constitucional, como determina a parte inicial do artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável em virtude do disposto no artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem como objecto a verificação da constitucionalidade do Despacho de 27 de Agosto de 2020, prolactado por este Tribunal, que rejeitou o requerimento de interposição de recurso extraordinário de inconstitucionalidade do PRA-JA SERVIR ANGOLA.
V. APRECIANDO
Questão Prévia
Na sequência da notificação do Acórdão n.º 632/2020, que negou provimento ao seu pedido de legalização, a Comissão Instaladora do PRA-JA SERVIR ANGOLA, inconformada, interpôs um recurso a que inicialmente denominou “Recurso extraordinário por violação”.
O Tribunal Constitucional, aquando da admissão, ao constatar que a espécie de recurso interposto não existe no ordenamento jurídico-constitucional angolano, exarou um Despacho a convidar “para no prazo de (5) cinco dias apresentarem o aperfeiçoamento do requerimento apresentado, clarificando o tipo de acção que pretendem e juntarem os documentos que acharem pertinentes e necessários, conforme o disposto no artigo 7.º da LPC”, conforme fls. 3 verso e 4 dos autos.
Por não ter corrigido o requerimento, nem suprido as deficiências inicialmente constatadas, através do aperfeiçoamento solicitado, foi rejeitado o requerimento apresentado pela Recorrente.
Porque, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 8.º da LPC, “do despacho de não admissão do requerimento feito pelo Juiz Presidente cabe recurso para o Plenário de Juízes a interpor, pelo requerente ou interessado…”, veio a Recorrente exercer este mesmo direito, com alegações em que requer (fls. 10) o seguinte:
A despeito, a Recorrente, com o presente recurso, devia oferecer alegações de modo claro e objectivo, e concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a anulação da decisão recorrida, como estabelece o n.º 1 do artigo 690.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, ou seja, deveria esgrimir, em sede de alegações, as razões de facto e de direito que justificassem a anulação do Despacho de rejeição, datado de 27 de Agosto de 2020.
Por não ter assim acontecido, uma vez que as alegações careciam de melhor clareza e objectividade, quer em relação ao objecto, quer em relação à causa de pedir e ao pedido, contanto que destas cabe definir ou reconhecer os direitos e interesses ofendidos, pois os direitos fundamentais têm protecção constitucional efectiva, foi a Recorrente notificada para aperfeiçoar as suas alegações no prazo de 10 dias.
Paradoxalmente, a Recorrente veio apresentar as alegações de aperfeiçoamento com o seguinte pedido (fls. 42):
Do pedido
I - A anulação e sem efeitos jurídicos da decisão ora recorrida, por violação à Constituição e à lei. Em cautela,
II - Como consequência da anulação, deve o ora RECORRIDO proferir Acórdão material na acção para reconhecimento e legalização do Partido PRA-JA SERVIR ANGOLA.
Verifica-se, deste modo, que, para além de insistir num recurso extraordinário de inconstitucionalidade, reitera, também, o desvio do objecto do recurso que se deveria circunscrever à impugnação do Despacho, de 27 de Agosto de 2020, do Tribunal Constitucional.
Assim, este Tribunal constatou que, além do incumprimento do prazo legalmente fixado (15 dias depois do prazo e sem qualquer justificação), a Recorrente veio juntar alegações requeridas sem o aperfeiçoamento esperado, padecendo as mesmas de certa clareza, objectividade e, sobretudo, de uma maior especificação do Despacho de que se recorre.
Portanto, o objecto do recurso interposto não é o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional que, a 17 de Abril de 2020, rejeitou a inscrição e, em consequência, cancelou o credenciamento da Comissão Instaladora do PRA-JA SERVIR ANGOLA, nem tão-pouco a decisão do Plenário, que negou provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente e manteve o Despacho recorrido, mas, na verdade, é o Despacho do Tribunal Constitucional, de 27 de Agosto de 2020, que rejeitou o requerimento de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, sobre o Acórdão n.º 632/2020, proferido no âmbito do Processo n.º 807-C/2020.
Assim, este Tribunal não deixa de considerar que a grande maioria das alegações apresentadas não pode ser aproveitada, por um lado, por excesso de ambiguidade na forma como a Recorrente expôs os seus argumentos, e por outro, pelo facto das mesmas respeitarem a outras decisões, diferentes da decisão que é objecto do presente recurso.
Porque as alegações “aperfeiçoadas” que a Recorrente apresenta são consideradas deficientes, imprecisas e não indicadoras do objecto do presente recurso, resta apenas apreciar a causa com base no que foi averiguado de essencial.
Desta feita, passaremos a analisar o seguinte:
A) Sobre a violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva
A Recorrente vem alegar, nos autos, fls. 39 e 40, que este Tribunal violou o disposto no n.º 1 do artigo 29.º da CRA, sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, por ter fundamentado, no seu Acórdão n.º 632/2020, que a ora Comissão Instaladora apresentou ofícios assinados por administradores sem competência para o efeito e um número escasso de fichas válidas para o seu registo de partido político.
Ao longo dos demais argumentos vertidos nas alegações do processo sub judice, a Recorrente questiona e defende-se dos fundamentos de razão jus-constitucionalmente aduzidos por este Tribunal no Acórdão sobredito, tendo, inclusive, apresentado 830 cópias de assinaturas e requerido a sua inscrição como formação política em registo próprio.
Em face das alegações do presente processo e do reiterado pedido de inscrição de partido político, constante de fls. 42, o Tribunal Constitucional verifica que o manifesto procedimento da Recorrente visa induzir este Órgão Jurisdicional em erro e propiciar a violação do princípio da legalidade constitucional.
Tal como os demais tribunais, o Tribunal Constitucional é um órgão de soberania, independente e imparcial, estando apenas sujeito à Constituição e à lei na administração da justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional e, no exercício das suas funções, assegura a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (artigos 174.º, 175.º e 180.º da CRA).
Na verdade, as questões supra suscitadas foram objecto de análise e decisão no Acórdão n.º 632/2020 do Plenário do Tribunal Constitucional, resultante do Processo n.º 807-C/2020, em que a ora Recorrente, em nome do seu direito à legalização do PRA-JA SERVIR ANGOLA, teve a oportunidade de exercer a sua defesa, ofereceu provas e discorreu sobre a causa, nos termos da Constituição e da lei.
Portanto, a legalidade constitucional implica que uma causa não seja julgada duas vezes pelo mesmo órgão, sob pena de colocar em causa uma das maiores conquistas do Estado democrático de direito prevista no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, segundo a qual “o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis”.
Ademais, Gomes Canotilho explica na sua doutrina que, “em termos gerais – e como vem reiteradamente afirmando o Tribunal Constitucional, na senda do ensinamento de Manuel de Andrade –, o direito de acesso aos tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas, a que se deve chegar num prazo razoável e com garantias de imparcialidade e independência possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de causas e outras”. In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, 2003, pág. 433.
Importa, desta forma, explicitar que este Tribunal está sujeito ao dever de subordinação à Constituição, daí que, após notificação do Despacho jurisdicional que rejeitou a inscrição, a Recorrente interpôs recurso ao Plenário, para efeitos de cumprimento do princípio do Estado democrático de direito, protegido no artigo 2.º da CRA.
Por seu turno, o princípio da supremacia da Constituição e da legalidade, condizente com o dever deste Tribunal de observar as espécies de processos previstas no artigo 3.º da LPC, não permite que uma causa apreciada em recurso pelo Plenário do Tribunal Constitucional nos processos relativos a partidos políticos seja apreciada pelo mesmo Plenário em sede de outras espécies de recurso, a exemplo dos recursos, ordinário e extraordinário de inconstitucionalidade, próprios da fiscalização concreta.
Após a prolacção da decisão que rejeitou a inscrição, a Recorrente não pode sobrevir deste processo relativo a partidos políticos para requerer, por via inapropriada de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a legalização de formação política.
Desde logo porque cada recurso neste Tribunal ocupa uma questão autónoma de fundo, que respeite ao fórum eleitoral, político-partidário, de fiscalização abstracta (preventiva ou sucessiva), de omissão inconstitucional ou ainda de controlo dos demais actos do Estado, e compreende uma tramitação singular, com objecto, prazo, entidades com legitimidade e decisão com eficácia jurídica legalmente prevista.
No que diz respeito às decisões proferíveis em cada processo da competência deste Tribunal, é pertinente frisar que os Acórdãos do Plenário não são decisões acessórias, mas de cumprimento obrigatório, de natureza definitiva e de força imperativa geral, nos termos do n.º 2 do artigo 177.º da CRA.
Ou seja, “em sistema de Tribunal Constitucional, a força obrigatória geral não colide com a natureza jurisdicional da decisão. É algo inerente à decisão, não algo que acresça, enxertado ou acessório. O Tribunal não pode interpretar, modificar, suspender ou revogar a decisão”, conforme sustenta Jorge Miranda, in Fiscalização da Constitucionalidade, Almedina, 2017, págs. 80-81.
É exemplo, do que foi acima referido, sem prejuízo da conjugação do disposto nos n.ºs 3 e 6.º do artigo 12.º da LPP, que para o caso de processos de partidos políticos subscritos por grupos de cidadãos, somente decorridos quatro (4) anos, a contar da data da rejeição do processo de credenciamento para inscrição de partido político ou do acórdão que a confirma, tem a possibilidade de requerer a inscrição de novo projecto de formação político-partidária, como determina a norma do n.º 7 do artigo 14.º da LPP.
Em termos conclusivos, o Plenário do Tribunal Constitucional analisou o recurso do Despacho de rejeição da inscrição e, sob o processo findo, com o n.º 807-C/2020, produziu o Acórdão n.º 632/2020, com o sentido de negar provimento ao recurso interposto e manter a decisão recorrida, por ter considerado que a ora Recorrente não cumpriu os requisitos exigidos no artigo 14.º da LPP para a sua inscrição.
Deste modo, este Tribunal entende que não assiste razão à Recorrente, uma vez que o Tribunal Constitucional já respondeu à questão do Despacho de rejeição da inscrição ora arguido de inconstitucional no Acórdão acima referido, e o Despacho em análise, de 27 de Agosto de 2020, não tendo retratado questões sobre registo de partido político, não violou a garantia do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva quanto a esta matéria, protegido no artigo 29.º da CRA.
B) Sobre a violação do princípio da fundamentação das decisões
Relativamente à violação do princípio em causa, embora a Recorrente a invoque nas suas alegações, a fls. 6, não se vislumbra nos autos fundamento bastante de que o Despacho recorrido não tenha observado uma das exigências basilares dos actos do Tribunal Constitucional: o dever de fundamentar as suas decisões.
Efectivamente, é neste supracitado Despacho de rejeição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, que se deve apreciar uma eventual violação deste princípio fundamental.
Se não, vejamos:
Enquanto princípio transversal à essência do funcionamento do Tribunal Constitucional, é relevante realçar a previsão constitucional do artigo 177.º, segundo a qual “os Tribunais garantem e asseguram a observância da Constituição, das leis e demais disposições normativas vigentes, a protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e das instituições e decidem sobre a legalidade dos actos administrativos”.
Em sede de doutrina constitucional, José Melo Alexandrino elucida que “os tribunais estão proibidos de praticar actos que violem os direitos, liberdades e garantias e estão obrigados a pautar a sua actividade e o desenvolvimento dos processos judiciais pelo respeito e protecção estrita desses direitos (os direitos também são trunfos contra o juiz – e daí justamente a justificação da possibilidade de um amparo constitucional contra os actos dos juízes que incorram em violação desses direitos)”. In O Discurso dos Direitos, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, pág. 366.
Ora, o recurso é um direito fundamental assegurado a todos e a sua restrição carece de fundamentação, porquanto o dever de fundamentar os actos jurisdicionais é um pressuposto do princípio da motivação constitucional das decisões.
Isto é, para que uma decisão judicial seja válida, deve conter não só a decisão como também a exposição das razões de facto e de direito a que levaram a tomar a decisão. Este é o entendimento comum deste princípio universal, inspirado na justiça alemã, e acolhido no nosso texto constitucional (artigo 2.º da CRA).
Decorre disto a perspectiva de que o princípio do Estado democrático de direito implica a obrigação de o Estado explicar o porquê, ou melhor, os motivos por que toma decisões, sendo certo que é nula uma decisão não fundamentada, por aplicação supletiva da disposição da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, à luz do estabelecido no artigo 2.º da LPC.
Outrossim, o sentido amplo do princípio do dever de fundamentação faz recair sobre quem o invoca de violação a incumbência de demonstrar que um Tribunal não garantiu nem assegurou a Constituição e a lei ao proferir determinada decisão, quer dizer, eximiu-se da obrigação de decidir com base em fundamento constitucional e legalmente previsto.
Sucede, porém, de acordo com os autos a fls. 2, do Processo n.º 827-C/2020, que a ora Recorrente interpôs um “Recurso Extraordinário por Violação”, a que denominou também “Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade”, pelo que incidiu sobre o seu requerimento um Despacho de 18 de Agosto de 2020, concedendo o prazo de cinco (5) dias para o aperfeiçoamento do pedido, indicando o tipo de acção e juntando os documentos que julgasse necessários ou pertinentes, nos termos do artigo 7.º da LPC.
Em resposta, veio a Recorrente manter o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como denotam os autos de fls. 7 a 10, mostrando-se indiferente ao Despacho supracitado, que lhe notifica de que “os recursos de inconstitucionalidade, ordinários e extraordinários, só podem ser interpostos em relação às sentenças dos Tribunais Comuns e demais tribunais e não do próprio Tribunal Constitucional conforme disposto no artigo 49.º da LPC”.
De seguida, o Despacho de rejeição veio, a fls 12, reiteradamente fundamentar que “…o recurso extraordinário de inconstitucionalidade vem inscrito no CAPÍTULO III da LPC e refere-se à fiscalização concreta, em que o Tribunal Constitucional é chamado para fiscalizar a constitucionalidade das decisões dos demais tribunais (claramente excluindo as decisões do próprio Tribunal Constitucional)”.
Da análise de fls. 13 dos autos, o Tribunal verifica que o Despacho recorrido explica que “não tendo a Recorrente suprido as deficiências constatadas no seu requerimento inicial, por via do aperfeiçoamento solicitado, não resta a este Tribunal alternativa, senão desencadear as consequências legais previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º da LPC. Assim, por força da fundamentação legal acima exposta, é rejeitado o presente requerimento”.
Neste sentido, seguindo o entendimento sufragado pelo processualista ABRANTES GERALDES “não acatando o autor o convite, uma vez que a petição não estava em condições de ser recebida, o juiz deveria indeferi-la”. In Temas de Reforma do Processo Civil, Vol I, pág. 272.
Inequivocamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º da LPC prescreve que “o requerimento deve ser rejeitado quando: as deficiências que apresentar não tiverem sido supridas”.
Conclui-se, assim, que bem andou o Juiz Conselheiro Presidente ao decidir nos termos em que o fez, não podendo, por isso, o despacho de rejeição ser censurado.
Pelo acima exposto, o Tribunal Constitucional é do entendimento de que, face à realidade dos autos, estão devidamente fundamentadas as razões do indeferimento do requerimento, não sendo atendível a alegada violação do princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciárias, porquanto foi garantida e assegurada à Recorrente a observância da Constituição e da LPC.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 1 de Dezembro de 2020
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) Declarou-se impedido.
Dr.ª Guilhermina Prata (Vice-Presidente) Declarou-se impedida.
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Dr. Carlos Magalhães
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr.ª Josefa Antónia dos Santos Neto
Dr.ª Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dr.ª Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr.ª Maria de Fátima Lima d`A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr.ª Victória Manuel da Silva Izata