ACÓRDÃO N.º 659/2020
PROCESSO N.º 835 -C/2020
Recurso extraordinário de inconstitucionalidade-habeas corpus
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Augusto do Nascimento Domingos e Domingos Álvaro Janota Canjila, melhor identificados nos autos, vieram ao Tribunal Constitucional impetrar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo proferido no Processo n.º 557/2020, datado de 29 de Julho de 2020.
Admitido o recurso e notificados para apresentar alegações em observância do disposto no artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), fizeram-no, conforme se vê a fls. 62 à 70 dos autos, alegando em síntese que:
Terminam pedindo inteiro provimento ao presente recurso e por via dele que se revogue o Acórdão recorrido por estar desconforme com a Constituição, especialmente, por violação dos seguintes princípios e direitos constitucionais:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi impetrado nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da LPC.
Considerando o esgotamento das instâncias conforme estabelece o § único do artigo 49.º da LPC, é esta instância constitucional competente para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes impetraram providência cautelar de habeas corpus que correu seus trâmites na 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, sob o processo n.º 557/2020, datado de 29 de Julho de 2020, que negou provimento ao pedido, considerando legal a prisão dos Recorrentes, pelo que têm direito a contradizer, segundo dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicado subsidiariamente ao processo constitucional, à luz do artigo 2.º da LPC.
A legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade cabe nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é o Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo a fls. 46 a 47 dos autos, datado de 29 de Julho de 2020, cabendo ao Tribunal Constitucional analisar e verificar a inconstitucionalidade dos princípios e direitos constitucionais legais.
V. APRECIANDO
O alargamento dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, constitui a pulcritude do texto constitucional de 2010. Neste contexto bem andou o legislador constituinte ao expressar desta maneira o princípio da dignidade da pessoa humana, do qual respira toda ordem normativa constitucional, disposto no artigo 1.º da Constituição.
A providência de habeas corpus é uma garantia ao direito fundamental da liberdade, compreendida como um remédio, porquanto, vem sanar ilegalidades tendentes à violação da liberdade de ir e vir por lhe reconhecer que a ninguém deve ser coarctada a liberdade senão nos termos da Constituição e da lei.
Essa liberdade de ir, vir, ficar e permanecer é entendida como um bem jurídico de valor grandioso, por isso, impõe a Constituição, no artigo 67.º , que a privação de liberdade deve obediência à ela e à lei, e tal resulta da necessidade de limitar o Estado no uso ou exercício do seu ius puniendi.
A Constituição estabelece nos n.º 1 e 2 do artigo 68.º que “Todos têm o direito à providência de habeas corpus contra abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal competente. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer pessoa no gozo dos seus direitos políticos.
Em obediência à norma constitucional supra, o legislador ordinário especifica no artigo 315.º do Código de Processo Penal (CPP), que há lugar à providência de habeas corpus quando se trate de prisão ferida de ilegalidade, por qualquer um dos seguintes motivos:
Por sua vez, a LMCPP estabelece, no n.º 1 do artigo 40.º, os prazos mínimos e máximos de prisão preventiva, os quais transcrevemos:
Ainda na mesma norma, estabelece o n.º 2 situações em que o prazo pode exceder por mais dois meses, desde que o ilícito assim o exija, sendo certo que esta prorrogação deve ser fundamentada e prontamente notificada ao arguido ou ao seu mandatário legal.
Aquando da interposição da providência de habeas corpus no Tribunal Supremo, pediram os Recorrentes restituição à liberdade por expiação do prazo de prisão preventiva, nos termos do artigo 68.º da CRA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º da LMCPP.
Entretanto, da observância minuciosa dos presentes autos, verifica-se que os Recorrentes foram julgados e condenados por acórdão da 11ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, com data de 13 de Março de 2020, por isso, julgamos não ser atendível o pedido dos Recorrentes.
Por outro lado, o entendimento jurisprudencial desta instância de justiça, no que concerne ao efeito suspensivo, dá conta que a interposição de recurso com efeito suspensivo suspende a decisão recorrida. É mister frisar que a hermenêutica lógica interpretativa que se deve retirar da interposição de recurso com efeito suspensivo, resulta que a decisão só será executada após trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
No entanto, a jurisprudência firmada no ordenamento jurídico angolano (vide Acórdão n.º 485/2018, de 3 de Julho deste Tribunal), impele-nos a pontuar que em caso de interposição de recurso com efeito suspensivo, suspende-se a decisão e ao arguido é aplicada a medida cautelar em que se encontrava à data dos factos antes da prolação da decisão. Se à data da decisão encontrava-se em liberdade, segue em liberdade mas, se estava em prisão preventiva, mantém a situação carcerária como é o caso dos aqui Recorrentes, pois, a interposição de recurso suspende apenas a execução da sentença.
Assim, não observamos, os presentes autos, segundo as alegações dos Recorrentes, quaisquer violações dos princípios da dignidade da pessoa humana, da supremacia da Constituição e da legalidade, da presunção de inocência, da violação da liberdade física, restrição de direitos liberdades e garantias, de habeas corpus contra abuso de poder e prisão ilegal, sem olvidar o dever de tutela dos direitos fundamentais, nos termos da Constituição, à qual referem os Recorrentes.
Em conclusão, este Tribunal decide pelo não provimento do pedido aludido pelos Recorrentes, nos termos da Constituição e da lei, mantendo o Acórdão recorrido, que bem andou, e goza de harmonia com o espírito e a letra da CRA.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas pela Recorrente nos termos do artigo 15.º da LPC.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 22 de Dezembro de 2020.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima Lima d`A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata