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ACÓRDÃO N.º 664/2021

PROCESSO N.º 812-D/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

I. RELATÓRIO

Irene Mateus António Tucala; Tatiana de Nascimento Jaime António; Ufánia Clementina Pinto Vieira e Agostinho António Santos vêm interpor o presente recurso, em virtude da omissão de julgamento em face do Processo n.º 05/20 da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo.

Para tanto, alegam o seguinte:

I. Os Recorrentes intentaram aos 23 de Janeiro de 2020, com fundamento no artigo 74.º da CRA, providência de Acção Popular contra a decisão do Conselho Superior da Magistratura Judicial que designa o candidato Manuel Pereira da Silva como vencedor do concurso curricular, para o provimento do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

II. Passados mais de 180 dias, não obstante as sucessivas reclamações apresentadas pelos Recorrentes nos dias 28 de Abril de 2020 e 19 de Maio de 2020, o Tribunal Supremo recusa-se deliberadamente em julgar o processo, violando os artigos 56.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 05 de Abril, n.º 2.º, e 159.º do Código do Processo Civil.

III. A Providência da Acção Popular assentou no seguinte:

IV. O Conselho Superior da Magistratura Judicial ao não ter introduzido, deliberadamente, no artigo 5.º do Regulamento do concurso, os requisitos que impediriam a que os candidatos Manuel Pereira da Silva e Sebastião Diogo Bessa apresentassem candidatura ao concurso, por, o primeiro, ter excedido os prazos legalmente estabelecidos para o exercício dos mandatos na CNE, isto é, 10 (dez) anos; e o segundo encontrar-se no fim do exercício do segundo mandato, violou, assim, o disposto no n.º 3 do artigo 151.º da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro- Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais em Angola, conjugado com o n.º1 do artigo 8.º da Lei n.º 12/12 de 13 de Abril (Lei que aprova a Organização e Funcionamento da (CNE);

V. O Requerido violou ainda a Lei, ao ter admitido, fora do prazo de 20 dias, a acta de defesa de doutoramento, em vez do certificado, do candidato Manuel Pereira da Silva, em incumprimento do previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, conjugado com n.º 1 do artigo 10.º do Regulamento do Concurso;

VI. Por conseguinte, o CSMJ violou a alínea c) n.º 2 do artigo 10.º do Regulamento do Concurso ao atribuir a classificação máxima de 20 pontos ao candidato Manuel Pereira da Silva, ao invés de 15 pontos, porquanto, à data da abertura do concurso até ao término do prazo para a candidatura, o mesmo ostentava apenas o grau académico de Mestre. A admissão da acta de defesa do doutoramento e do consequente certificado foi feita de forma ilegal, porque extemporânea. Por conseguinte, devem ser declarados nulos os 5 (cinco) pontos atribuídos pelo doutoramento.

VII. Foi, ainda, violada a lei, ao se admitir documentos comprovativos de avaliações como magistrados nos 3 e três últimos anos, dos candidatos Manuel Pereira da Silva e Sebastião Diogo Bessa, sem a devida fundamentação e homologação imposta pelo artigo 73.º da Resolução n.º 7/15, de 03 de Dezembro- Diploma que aprova o Regulamento do Conselho Superior da Magistratura Judicial, o qual exige que as avaliações sejam fundamentadas e homologadas pela sua Comissão Permanente;

VIII. Ademais, verifica-se contradição insanável entre a avaliação feita pelo Presidente da CNE e aquela que foi feita pela Comissão de Auditoria à gestão do candidato Manuel Pereira da Silva, sobre a qual recaiu despacho do mesmo Presidente, nos termos do qual, no ano de 2017, o referido candidato teve uma gestão danosa, conforme atesta o ofício n.º 121/GAB.PR/CNE/2018, de 14 de Setembro 2018, assinado pelo Presidente André da Silva Neto;

IX. O CSMJ, no artigo 12.º do Regulamento do Concurso, ao não ter distinguido as diferentes categorias em que se enquadram os concorrentes, violou o disposto no artigo 63.º da Lei n.º 7/94, de 29 de Abril, que aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais, segundo o qual o CSMJ deveria ter classificado os candidatos de acordo com as categorias em que se encontram inseridos, isto é, Tribunal Supremo 20 pontos; Tribunais da Relação 15 pontos e Tribunais de Comarca 10 pontos, tal como o fez em relação ao critério habilitações literárias. Não o tendo feito, um dos candidatos ficou prejudicado em 17 pontos, razão por que se requer a reposição da legalidade;

X. O CSMJ introduziu no regulamento do concurso o critério experiência eleitoral, que não consta da Lei n.º 36/11, de 12 de Dezembro, Lei Geral Sobre as Eleições em Angola; nem na Lei n.º 12/12 de 13 de Abril (Lei Sobre a Organização e Funcionamento da CNE). Trata-se de um critério que foi introduzido para favorecer alguns dos concorrentes. Entretanto, o CSMJ ignorou o facto de um dos candidatos ter sido Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, de 2008 a 2016, único Tribunal com jurisdição eleitoral em Angola; ser fundador e Presidente do Instituto Angolano dos Sistemas Eleitorais e Democracia (2006); co-fundador do Observatório Eleitoral de Angola (OBEIA) 2012 e ter experiência eleitoral internacional. Tal ilegalidade fez com que um dos candidatos aqui Co-Recorrente ficasse prejudicado em 15 pontos, tendo-se-lhe atribuído apenas 5 pontos, enquanto observador.

XI. O CSMJ, quanto ao critério do mérito profissional, atribui ilegalmente aos candidatos Manuel Pereira da Silva, Sebastião Diogo Bessa e ao Co-Recorrente Agostinho António Santos, a classificação de 12 pontos, o que contraria o disposto nos artigos 57.º a 60.º da Lei n.º 7/94 de 29 de Abril, já mencionada, combinados com os artigos 6.º e 62.º do mesmo Diploma, na medida em que o último não se encontra na mesma categoria que os demais candidatos;

XII. Quanto ao critério de outras actividades, o n.º 5 do artigo 179.º da CRA estabelece que os Juízes em exercício de funções não podem desempenhar outras actividades públicas ou privadas, excepto as de docência e investigação científica de natureza jurídica. Neste contexto, o CSMJ atribuiu de forma arbitrária, porque destituído de fundamento legal, 15 pontos ao candidato Manuel Pereira da Silva e 12 pontos ao candidato Sebastião Jorge Diogo Bessa, sem que lhes reconheça experiência alguma em docência ou investigação científica. Contrariamente, ao candidato Agostinho Santos, foi-lhe atribuído 12 pontos, mesmo sendo docente universitário e regente de Ciência Política e Direito Constitucional há mais de 20 anos, com obra publicada, ficando prejudicado em 08 pontos.

Terminaram as alegações pedindo o seguinte:

  1. Que se dê provimento ao presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade;
  2. Que se declare inconstitucional e ilegal a omissão de julgar praticada pelo Tribunal Supremo;
  3. Que se declare nulo, porque inconstitucional e ilegal, a admissão ao concurso, dos candidatos Manuel Pereira da Silva e Sebastião Jorge Diogo Bessa, por falta de homologação e fundamentação das avaliações e por terem vencido ou esgotado o prazo de validade dos mandatos (10 anos);
  4. Que seja declarada nula, porque inconstitucional e ilegal, a avaliação e graduação dos candidatos, efectuada pelo CSMJ e, consequentemente, a designação e tomada de posse do candidato Manuel Pereira da Silva;
  5. Que se conforme a avaliação e graduação dos candidatos ao concurso e por consequência se declare o candidato Agostinho António Santos, como justo, legítimo e digno vencedor do concurso para o provimento do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

Constituem requisitos específicos para admissibilidade do recurso extraordinário de inconstitucionalidade no Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 49.º da LPC:

  1. Que o acto directamente impugnado não tenha carácter normativo, i.e., esteja ínsito em sentença ou decisão jurisdicional;

    b. Que a questão a decidir tenha por objecto a ofensa ou a violação de princípios, direitos, liberdades ou garantias constitucionalmente consagradas;

    c. Que tenha havido o esgotamento prévio dos recursos ordinários legalmente previstos.

No caso sub judice, não se verifica o cumprimento do primeiro requisito: não existe a sentença de que se recorre e, por isso, o Tribunal Supremo não decidiu a questão controvertida.

No entanto, há que referir que o Tribunal Supremo havia sido solicitado a julgar em 1.ª instância, pelo que, do desfecho deste julgamento, cabe recurso para o Plenário do mesmo Tribunal, conforme disposto na alínea a) do artigo 33.º da Lei n.º 13/11, de 18 de Março, Lei Orgânica do Tribunal Supremo: ao Plenário “compete julgar os recursos interpostos de decisões proferidas pelas Câmaras, quando estas julguem em primeira instância”.

Por imperativo legal, o Tribunal Constitucional Angolano adoptou uma perspectiva similar à do Tribunal Constitucional Português bem como à do Supremo Tribunal Federal Brasileiro, consubstanciada em que “o requisito esgotamento dos recursos ordinários significa a necessidade de obter não só uma decisão irrecorrível, mas também uma decisão produzida pelo tribunal na posição mais elevada na hierarquia judicial, para que se encontre legalmente previsto um recurso naquele tipo de processo, atento ao seu valor e a outros factores determinantes da admissibilidade do recurso – uma decisão que constituísse, neste sentido, a última palavra possível segundo o esquema de recursos previsto na lei sobre a questão de constitucionalidade” – in Acórdão n.º 611 do Tribunal Constitucional de Angola, página 4.

Consta ainda da mesma página do referido Acórdão que o “Supremo Tribunal Federal brasileiro sedimentou o entendimento de que o recurso só pode ser interposto se houver prévio esgotamento das instâncias ordinárias, i.e., deve ser considerado o último elo da cadeia de recursos. Veja-se a respeito a Súmula n.º 281: “É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada””.

A ratio essendi nos preceitos adjectivos ora analisados assenta na realidade de que a CRA adoptou o sistema misto (difuso e, simultaneamente, concentrado) de controlo da constitucionalidade dos actos do Estado, impondo a todos os tribunais o dever de garantir e assegurar “a observância da Constituição, das leis e demais disposições normativas vigentes…” (cfr. n.º 1 do artigo 177.º da CRA), do que decorre que apenas a decisão definitiva dos outros tribunais sobre a questão de constitucionalidade suscitada possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, na sua qualidade de supremo órgão jurisdicional de fiscalização concentrada da constitucionalidade (cfr. as alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 180.º da CRA).

Do que fica exposto, resulta que só após ter sido percorrido todo o caminho previsto na lei processual aplicável é que os interessados hão-de obter o direito de se dirigir ao Tribunal Constitucional.

Tendo o Tribunal Supremo sido suscitado em primeira instância e não tendo ainda havido recurso para o Plenário do referido Tribunal que é o órgão máximo da jurisdição comum, este Tribunal Constitucional declara-se legalmente incompetente para julgar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com base no disposto na alínea f) do artigo 494.º, e na alínea e) do n.º 1 do artigo 288.º, ambos do CPC, aplicável por força do conteúdo vertido no artigo 2.º da LPC.

Assim, deverá a Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo julgar e decidir, dentro das suas competências e nos prazos definidos por lei, as questões suscitadas no Processo n.º 05/20, podendo os Requerentes interpor recurso dessa decisão para o Tribunal competente.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

 Custas pelos Recorrentes, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Fevereiro de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Simão de Sousa Victor (Relator) 

Dra. Victória Manuel da Silva Izata