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ACÓRDÃO N.º 669/2021

 PROCESSO N.º 800-D/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Rogério Paulo da Silva Walter Pacheco e Yuri Miguel Leal Ferreira, melhor identificados nos autos, vieram ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do acórdão de 28 de Março de 2019, prolactado pela 1.ª Secção da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 275/14, cuja decisão negou provimento ao recurso de apelação por estes impetrado e manteve o acórdão reclamado.

Inconformados com a decisão do Acórdão que nega provimento ao seu pedido, os Recorrentes nas suas alegações invocaram, essencialmente, que:

  1. O Tribunal a quo absolveu a entidade empregadora do pedido, pelo facto de ter considerado que não existiu despedimento indirecto, sem que para isso tivesse feito a audição das testemunhas e realizado a audiência de discussão e julgamento.
  1. Andou mal o Tribunal de primeira instância, por ter prescindido da prova testemunhal e proferido despacho saneador-sentença sem dar aos Recorrentes a possibilidade de apresentação deste meio de prova.
  1. Infelizmente, o Tribunal Supremo confirmou a sentença do Tribunal a quo defendendo que é um poder do juiz proferir despacho saneador sentença, quando o estado da causa permite conhecer do pedido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 510.º do Código de Processo Civil (CPC). 
  1. A decisão recorrida está eivada de contradição, porquanto, na sua fundamentação, dá como provado o facto de não ter existido tentativa de conciliação. 
  1. A tentativa de conciliação obrigatória foi agendada, tendo ficado a possibilidade de as partes se conciliarem ao longo do processo, o que poderia ter acontecido, não fosse a decretação do despacho-saneador sentença.
  1. A decisão do Tribunal ad quem, ao não ter permitido o exercício do direito dos Recorrentes de fazer prova dos factos alegados, por via da prova testemunhal arrolada, ofende o princípio do julgamento justo e conforme e o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previstos nos artigos 29.º e 72.º, ambos da Constituição da República de Angola (CRA).  

Concluem requerendo a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, por estar em desconformidade com a CRA e a Lei.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos previstos na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, como sendo as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola.

Além disso, foi observado o princípio do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme o estatuído no § único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar este recurso.

III. LEGITIMIDADE

Os Recorrentes foram apelantes no Processo n.º 275/14, que correu termos na 1.ª Secção da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, não viram o seu pedido atendido. Por essa razão, têm legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, no caso de sentenças, podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto verificar se o Acórdão prolactado aos 28 de Março de 2019, pela 1.ª Secção da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 275/14, violou princípios, direitos e garantias fundamentais consagrados na CRA.

V. APRECIANDO

Nos presentes autos, os Recorrentes fundamentam o seu pedido alegando que o acórdão recorrido manteve o despacho saneador sentença proferido pela Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, indeferindo o recurso de apelação que foi interposto no Tribunal Supremo. Inconformados, sustentam que foram coarctadas as suas garantias de defesa, porquanto não lograram fazer prova suficiente do que alegam considerar pressupostos fácticos do reconhecimento do despedimento indirecto, constituindo, por isso, uma ostensiva ofensa ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e ao direito a julgamento justo e conforme, previstos nos artigos 29.º e 72.º, ambos da CRA.

Enunciada a questão decidenda, cabe saber se o aresto em crise cerceou os direitos e garantias de defesa dos Recorrentes, violando a CRA e a lei.

Vejamos:

A- Do Direito a Julgamento Justo e Conforme

O despedimento indirecto é uma figura jurídica elencada nas espécies de despedimento legalmente previstas, que tem como substracto fáctico condutas graves praticadas pelo empregador, que violem direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, determinando a ruptura do contrato de trabalho (n.º 2 do artigo 251.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro - Lei Geral do Trabalho (LGT) em vigor à data dos factos. Tal como acontece com o empregador, o trabalhador pode cessar o contrato de trabalho, por sua iniciativa, com ou sem aviso prévio, desde que se verifiquem os requisitos legais plasmados na CRA e na Lei Geral do Trabalho.

Em referência à matriz constitucional, o princípio da justa causa de despedimento, consagrado no n.º 4 do artigo 76.º da CRA, prescreve o seguinte: O despedimento sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei. A tipificação deste princípio do Direito do Trabalho não repousa apenas na Constituição merecendo, também, especial destaque na LGT e demais legislação laboral. Como é sabido, o contrato de trabalho resulta numa mera igualdade formal que coloca uma das partes (trabalhador) numa posição de subordinação jurídica em relação à contraparte (empregador). Daqui deriva, a preocupação patente na CRA em esbater essas assimetrias, estabelecendo, em matéria de despedimentos, uma relação de co-originariedade intrínseca entre o princípio da segurança do emprego e o princípio da justa causa de despedimento, cuja ratio, predominante, se funda na plena protecção do direito ao trabalho e no princípio da estabilidade contratual. É neste âmbito conformador e proteccionista que o despedimento indirecto goza de guarida constitucional, estribado na aferição da justa causa de despedimento, como critério concretizador da eficácia da sua licitude e determinação das consequências jurídico-legais cabíveis.

Este desiderato constitui o contraponto necessário do equilíbrio e da estabilidade contratual no domínio laboral e é uma consequência lógica da transpositivação dos preceitos constitucionais que consagram, no limiar da Constituição laboral e das fontes do Direito do Trabalho, o princípio da segurança do emprego e o princípio da justa causa de despedimento, como garantias elementares dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

A condição de inerência da valoração do princípio da justa causa para legitimar a ruptura do contrato de trabalho, por via do despedimento, encapotado pelo empregador - despedimento indirecto - representa um prius garantístico e protector da estabilidade do emprego, vocacionado, acima de tudo, para assegurar que qualquer uma das espécies de despedimento das modalidades da cessação contratual laboral consignadas na Lei, radique numa motivação justa, legal, proporcional e atendível.

Aqui chegados, é mister dizer que, no plano jurídico-constitucional, atenta às espécies de despedimento laboral tipificadas na lei, das quais se inclui o despedimento indirecto, este, só pode ocorrer desde que, previamente, num processo formal se preencham os pressupostos de validação procedimental e substancial subsumíveis à justa causa de despedimento, no sentido de se aferir a impossibilidade ou possibilidade de manutenção do contrato de trabalho.

A razão de ser da proclamação desses valores jusconstitucionais na ordem jurídica laboral promana, ainda, da necessidade de se edificar um sistema unitário, harmonizado e holisticamente integrado, praeter constituciones, com relevância da sua pertinência, em sede do Direito do Trabalho, donde se ilustra que o critério da licitude do despedimento indirecto se assemelha, com as devidas adaptações, ao critério empregue para aferição da justa causa disciplinar. Com efeito, a Carta Magna não é flexível à existência de despedimentos ilegais e imotivados, respaldando a sua concretização, apenas, nas circunstâncias tipificadas na CRA e na lei.

Com grande pertinência, Paula Quintas e Helder Quintas asseveram que:  assim, a vontade invalidamente formada por motivo intencionalmente forjado pelo Empregador, equivale a um despedimento ilícito, o que vai ao encontro da ideia de que qualquer forma de desvinculação inválida corresponde residualmente a um despedimento sem (justa) causa. Código do Trabalho, Anotado e Comentado, 2.ª Edição, Almedina 2010, pág.923.

Na mesma acepção dogmática, Nei Frederico Martins e Marcelo José Ladeira Mauad, in Lições de Direito Individual do Trabalho, 3.ª Edição, Editora São Paulo, pág. 92, sufragam que a rescisão indirecta é a justa causa praticada pelo empregador. Em face dela, o empregado pode se afastar e pleitear as verbas indemnizatórias, como se houvesse sido despedido injustamente. O ónus de prova, neste caso, cabe ao empregado que deve ter o cuidado de apresentar provas robustas do facto que ensejou a rescisão contratual.

Entretanto, diversamente, o Tribunal a quo adoptou outros trilhos jurídicos, baseando-se nos princípios da celeridade e da economia processual. Com efeito, terminada a fase dos articulados e com os documentos probatórios constantes dos autos, realizada a audiência preparatória (fls. 96 a 100), não coligiu mais provas e proferiu decisão. Efectivamente, decorre daqui, a concretização do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 655.º do CPC, que consiste no facto da prova produzida estar sujeita à livre convicção do tribunal, ou seja, a regras da ciência e do raciocínio, e em máximas de experiência.

Ensina Jorge Augusto Pais de Amaral, em Direito Processual Civil, 9.ª Edição, Almedina, pág. 275 que no despacho saneador pode ainda conhecer-se do mérito da causa, sempre que o estado do processo, sem necessidade de mais provas, permita a apreciação, total ou parcial, dos pedidos ou de alguma excepção peremptória (…).

Porém, na verdade, por se tratar especificamente de matéria laboral, o recurso à aplicabilidade das normas processuais civilísticas nem sempre se mostra adequado e avisado à natureza desta matéria, o que veio justificar, hodiernamente, as razões da autonomia do Direito do Trabalho, enquanto disciplina científica própria. Por isso, apenas, subsidiariamente, se deve recorrer às normas processuais civis para a aplicação do processo laboral.

Neste sentido, parece inequívoco a irrazoabilidade da decisão recorrida proclamada pelo Tribunal ad quem ao desatender, fazendo tábua rasa, dos princípios constitucionais, das fontes próprias, materiais e formais, do Direito do Trabalho e das Convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) regularmente ratificadas ou aderidas pelo Estado angolano, que constituem as suas fontes externas aplicadas, ex vi dos artigos 26.º e 27.º, ambos da CRA.

Avultam dos autos que o Tribunal ad quem confirmou na decisão recorrida o sentido do despacho saneador impugnado, que concedeu primazia à aplicação das normas processuais civilísticas, em detrimento do direito processual laboral. Ora, ao ritualismo dos processos jurídico-laborais devem ser aplicados, em primeira linha, as normas do direito laboral, só nos casos de falta de normas especiais, preenche-se tais lacunas com recurso ao Direito Processual Civil. Neste quesito, vigora o princípio lex specialis derogat legi generali, pelo que, mal andou o Tribunal Supremo ao depreciar a constitucionalidade e a especialidade de que se revestem as normas laborais, prejudicando, desta forma, as garantias processuais dos Recorrentes e a materialização da justiça material.

Outra questão alegada, e que a seguir se enuncia, diz respeito a prolacção do despacho saneador - sentença que, na percepção dos Recorrentes, diminuiu as suas garantias de defesa, por falta de audição da prova testemunhal arrolada ao processo em causa. Sobre este aspecto, cabe aludir que, no plano jurídico, à luz da tutela constitucional, a audição das testemunhas está intrínseca ao princípio geral da defesa do trabalhador. Sem prejuízo das razões argumentativas consignadas no aresto impugnado, o julgador, na apreciação da prova e na sua livre convicção, deve esgotar a obtenção da prova material bastante para a descoberta da verdade e o alcance da fundamentação lógico jurídica da sua decisão, baseando-se num raciocínio aquilatado numa solução de justiça humana despregado de impressões subjectivas.

A consagração do direito de defesa do trabalhador animou e impulsionou o aprofundamento do regime democrático e do Estado de direito proclamado na Carta Magna, e representa a elevação de um princípio cujo valor assenta na dignificação dos direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana. O direito de defesa é, essencialmente, uma garantia jurídica de valor constitucional que, no caso vertente, ficou afectada, sobretudo pelo facto do Tribunal a quo, depois de admitida a prova testemunhal, ter postergado a sua audição, sem conseguir lograr o necessário convencimento da sua decisão. Entretanto, a natureza dos factos invocados pelos Recorrentes justificava que se realizasse a audição da prova testemunhal, por ser um dos meios idóneos para a dilucidação dos factos e o apuramento da existência do alegado despedimento indirecto, em respeitabilidade às suas garantias.

Sublinha-se que o Acórdão recorrido sufraga, a fls. 178 dos autos, que os factos invocados pelos Recorrentes para alegar a justa causa de despedimento não foram considerados controvertidos pelo Tribunal a quo, pois, não os colocou em causa, mas antes, de acordo com a sua fundamentação, foram tidos como insuficientes para sustentar um despedimento indirecto. Contudo, não se descortina em que se baseia a decisão recorrida quanto a este quesito, porquanto, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 251.º da LGT, são designadamente justa causa para a rescisão por iniciativa do trabalhador as ofensas à integridade física, honra e dignidade do trabalhador ou dos seus familiares directos, praticados tanto pelo empregador como pelos seus representantes. Assim, as invocações aduzidas pelos Recorrentes, como sendo causa de despedimento indirecto podem, eventualmente, ser atendíveis, pois, no âmbito da honra e da dignidade do trabalhador, encerram a gravidade suficiente para tornar a relação laboral insustentável, no sentido de forçar o trabalhador a cessar o contrato de trabalho por justa causa, levando o Tribunal Constitucional a propender que os factos controvertidos alegados, pela sua relevância jurídica no âmbito dos valores jusfundamentais, encaixam-se na CRA e na previsão legal normativa acima mencionada, por serem ofensivos ao bom nome e à dignidade dos Recorrentes e, como tal, passíveis de constituir despedimento indirecto.  

Sem embargo, este entendimento leva este Tribunal a considerar que uma melhor clarificação dos factos, em sede da prova testemunhal oferecida pelos Recorrentes, teria permitido ao julgador ajuizar de forma mais consistente a aferição da justa causa de despedimento.

Deste modo, afigura-se que a argumentação do aresto recorrido, ao secundar a decisão do Tribunal a quo revela-se deficiente quanto às razões que motivaram a supressão da audição da prova testemunhal, prejudicando, ostensivamente, os legítimos direitos e garantias dos Recorrentes. Pelo que, devia o Tribunal a quo ouvir as testemunhas arroladas ao processo para apurar a seriedade das afirmações imputadas ao empregador e não desconsiderá-la, em nome do princípio da economia processual e do princípio da celeridade.

Ocorre, ainda, a respeito dos princípios supra mencionados, que a sua aplicabilidade deve seguir a inspiração e a lógica de ponderação subjacente no princípio da concordância prática ou de harmonização cuja filosofia dogmática assenta na ideia de que, em face da colisão de bens constitucionalmente protegidos, deve-se dar prevalência aos valores em causa, de modo a que não haja sacrifícios desadequados de uns em detrimento de outros. Para tanto, o julgador não pode descartar, banalizando, os esforços que deve empreender para coligar e promover a concordância dos diversos valores constitucionais em presença nas operações jurídicas.

Como sustenta José Carlos Vieira de Andrade assim, deve atender-se ao âmbito e graduação do conteúdo dos preceitos constitucionais em conflito, natureza do caso e a condição e o comportamento das pessoas envolvidas, que podem ditar soluções específicas. (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, págs. 316 e 317).

Ademais, a celeridade processual não pode pôr em causa a diminuição das garantias processuais das partes, por um lado, e, por outro lado, não deve o tribunal decidir sem analisar as questões de facto e de direito na sua plenitude de modo a decidir em consciência e de maneira justa. (Raul Araújo e Elisa Rangel, em Constituição da República de Angola, Anotada, Tomo I, Luanda, 2014, pág. 276).    

Por outro lado, a afirmação do princípio da prevalência da justiça material sobre a justiça formal asseverado pelos autores Paula Quintas e Hélder Quintas in Da Prática Laboral à Luz do Novo Código do Trabalho, Editora Almedina, 2004, pág. 244, pressupõe que o tribunal deve procurar a reconstrução histórica dos factos, sem se sujeitar à contribuição das partes e à existência de irregularidades formais, recorrendo-se dos meios processualmente admissíveis.

No caso sub judice, verificados os autos, vislumbra-se que a audição da prova testemunhal, em termos de tramitação processual, permitiria aos Recorrentes exercer o ónus da prova e, na perspectiva deste Tribunal, clareza ao julgador sobre a veracidade dos factos e melhor produção da prova, mormente, quando os autos referem (fls. 115), até porque o Tribunal não sabe se tratava-se da viatura de qual do primeiro ou do segundo Requerente. Assim sendo, os meios oferecidos permitiriam esbater tais dúvidas assegurando ao julgador uma convicção mais apropriada do mérito ou desmérito da causa.

Desta feita, a argumentativa do acórdão recorrido quanto a insuficiência de clarificação dos factos suscitados pelos Recorrentes, designadamente por não terem observado o procedimento ou formalismo legal consagrado no n.º 4 do artigo 251.º da LGT, porquanto, na carta enviada a entidade empregadora (fls. 38 a 40) fazem menção a factos de forma muito vaga ou imprecisa, não se percebendo se os mesmos dizem respeito a um ou outro Recorrente, bem como a não concretização do dia, mês, ano, e o alegado incumprimento do prazo de quinze (15) dias contados do conhecimento dos factos relatados, não pode pôr em causa a realização da justiça material nem, tão pouco, acarretar a denegação trivial dos princípios constitucionais.

B- Princípio de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva

Neste quesito, referem os Recorrentes que o aresto impugnado violou o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, preceituado no artigo 29.º da CRA. Sobre esta matéria, vale dizer, antes de mais, que se trata de um princípio que assegura o direito dos cidadãos afluírem aos tribunais com vista à salvaguarda dos seus direitos e garantias de cariz jusfundamental.

A dimensão plural do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva interpenetra nos diferentes valores jurídicos do plano constitucional, destacando-se, no que respeita à questão de inconstitucionalidade alegada pelos Recorrentes, o entorpecimento da realização da justiça e, consequentemente, o laxismo das suas expectativas geradas em torno do direito de acesso à justiça e à plena efectivação.

Este princípio inerente ao Estado de direito assume, na sua feição multifacética, uma relação compromissória com a correcta administração da justiça, sustentado no princípio da justiça material e nos princípios da estabilidade e da segurança jurídica. A denegação do exercício do direito de defesa, precludido, por falta da audição da prova testemunhal, no caso em apreço, não garante de modo efectivo e proporcional o acesso ao direito e à justiça. Contrariamente, assiste-se a uma manifesta diminuição da eficácia das condições materiais e processuais incorporadas nas garantias cabíveis neste princípio.

Colocada a questão nesta perspectiva, vale dizer que esta tutela não pode ser uma tutela débil, não efectiva, podendo daqui assacar-se que o Julgador, no exercício da função jurisdicional deve agir com prudência e adoptar as diligências necessárias de modo a erigir um processo equitativo que promova e aproveite a máxima preservação das oportunidades de realização da justiça material.

Sobre esta matéria, é de realçar a doutrina emanada pelos autores que sustentam que o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva é o “direito aos direitos”, que despoja o direito de uma feição hermética e estática. Afirmando-se como um percursor da dignificação da administração da justiça e da protecção efectiva dos direitos positivos. (Carlos Alegre, in Acesso ao Direito e aos Tribunais, Almedina, Coimbra, 1989, págs. 8 a 15).

Em suma, verificados os autos, não se descortina na argumentação do douto aresto uma racionalidade lógica, coerente com a hermenêutica jurídica, que demandasse, em primeiro lance, sem qualquer subalternização, os princípios e direitos constitucionais incorporados no leque dos legítimos, direitos e garantias jus fundamentais dos trabalhadores, em respeito a auto primazia normativa da Constituição.   

Como bem defende J.J. Gomes Canotilho, o direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo entendendo-se que este postula um direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa sempre que hajam cumprido e observado os requisitos processuais da acção ou recurso. Por outras palavras: no direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina, pág. 498).

Em conclusão, o Tribunal Constitucional considera que o aresto recorrido violou os princípios do julgamento justo e conforme e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previstos nos artigos 29.º e 72.º, ambos da CRA. Assim, deve-se dar prosseguimentos aos autos com a realização da audiência de discussão e julgamento e audição da prova testemunhal.

Face ao exposto, devem os presentes autos ser remetidos ao Tribunal ad quem para a reforma da decisão sindicada, em conformidade com a questão de constitucionalidade apreciada por este Tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da LPC.

DECIDINDO

 Nestes termos, 

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

 Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Março de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

 

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. da Silva Burity

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira (Relatora)

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d`A. B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata