ACÓRDÃO N.º 678/2021
PROCESSO N.º 780-D/2019
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Pedro Sebastião Teta, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do despacho proferido pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional a fls.6 dos presentes autos, que indeferiu o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto pelo ora Recorrente a fls. 231 do Processo n.º 1661/2017, que correu termos na 1ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, por não ter sido esgotada a cadeia recursória nos tribunais comuns.
O Recorrente referiu, no seu requerimento de interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, que pretendeu interpor um recurso extraordinário de revisão, para o Plenário do Tribunal Supremo, enquanto 2ª instância com competência em razão da matéria, e requereu que fosse dado provimento ao recurso e os presentes autos baixassem para o Tribunal Supremo, por ser este o Tribunal competente para apreciar a sua pretensão.
Notificado para apresentar alegações de recurso nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da LPC, o Recorrente aludiu, no que releva para a análise do presente recurso, que:
O Recorrente termina rogando que seja declarado nulo ou revogado o Acórdão do Tribunal Supremo, porquanto existem fundamentos bastantes e suficientes, como ficou demonstrado e provado, que o Estado é parte interveniente no negócio, não devendo ser preterido o litisconsórcio necessário.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso foi interposto para o Plenário do Tribunal Constitucional nos termos e com os fundamentos do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º, ambos da LPC, norma que estabelece a possibilidade de se recorrer do despacho de não admissão do requerimento de recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
Pelo que tem o Plenário do Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente tendo interposto no Tribunal Constitucional, ainda que por lapso, um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ao ver o seu requerimento ser indeferido, tem, assim, legitimidade para interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, conforme prevê o n.º 2 do artigo 8.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, é o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, transcrito a fls. 6 dos presentes autos, que indeferiu o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto por lapso, pelo ora Recorrente e ordenou o cumprimento do ordenado no item 2.º do Acórdão da 1ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 1661/17, em que o aqui Recorrente era Agravado.
V. APRECIANDO
O ora Recorrente é Réu numa acção de reivindicação de propriedade que corre termos na 2ª Secção da Sala do Cível do Tribunal Provincial de Luanda.
No âmbito desta acção o aqui Recorrente contestou alegando ser parte ilegítima na causa, por ter adquirido do Estado o imóvel objecto de litígio.
Essa excepção dilatória foi julgada procedente pelo Tribunal de 1ª Instância e foi o Recorrente absolvido da instância.
O Autor do processo principal, inconformado, interpôs recurso de agravo sobre a excepção dilatória de ilegitimidade, tendo a mesma sido revogada, ordenando o Tribunal Supremo a baixa dos autos para prossecução do processo principal, a saber, a acção de reivindicação de propriedade.
Por ter julgado procedente uma excepção dilatória, sendo que esta, nos termos do artigo 288.º do Código do Processo Civil (CPC), tem como consequência a absolvição do Réu da instância, o Tribunal a quo não apreciou o mérito da causa. No entanto, com a revogação da sentença pelo Tribunal ad quem, o Tribunal a quo tem, assim, oportunidade de apreciar o mérito da causa.
b. Apreciação
É submetido à apreciação do Plenário do Tribunal Constitucional o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, transcrito a fls. 6 dos presentes autos, que indeferiu o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto pelo Recorrente, por não se ter verificado o esgotamento da cadeia recursória nos tribunais comuns.
Da análise dos autos, resulta que o ora Recorrente, notificado que foi, aos 25 de Junho de 2019, do Acórdão proferido aos 04 de Outubro de 2018, que recaiu sobre o recurso de agravo em que era Agravante Ricardo João Mataquite e agravado o ora Recorrente, tendo a decisão sido contrária à pretensão do aqui Recorrente, dela interpôs, aos 2 de Julho de 2019, recurso extraordinário de revisão, tendo, por lapso, apelidado como recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
No seu requerimento de interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, o Recorrente reconhece a falta de competência do Tribunal Constitucional para apreciar o recurso remetido erroneamente para esta instância judicial.
No entanto, notificado para apresentar alegações, ao proferi-las, o Recorrente omitiu completamente o Despacho de indeferimento, mas argumentou sim relativamente ao Acórdão prolactado pela 1ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que alegadamente teria violado o princípio da legalidade e os direitos, liberdades e garantias fundamentais previstos nos artigos 29.°,72.°,174.°,175.° e 177.°, todos da Constituição da República de Angola (CRA), como se de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade efectivamente se tratasse.
Importa, assim, esclarecer:
O recurso extraordinário de inconstitucionalidade vem consagrado no artigo 49.º da LPC, que estabelece que podem ser objecto de recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional:
b. actos administrativos definitivos e executórios que contrariam princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola.
Nas palavras de Rosa Guerra, “O REI tem por objecto actos não normativos, isto é, decisões judiciais e actos administrativos, definitivos ou executórios que lesem direitos, liberdades e garantias (ou princípios previstos na Constituição).”, in O Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade - Problemas da configuração, do regime e da natureza jurídica, Universidade Católica Editora, 2017, página 18.
O parágrafo único do artigo 49.º da LPC acrescenta ainda que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade só pode ser interposto após prévio esgotamento, nos tribunais comuns e demais tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos.
Assim, a admissão de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, implica o cumprimento dos pressupostos formais e materiais previstos nos artigos 6.º, 8.º (a contrario sensu) e 49.º, todos da LPC.
O Recorrente, enquanto parte no recurso de agravo que correu termos na 1ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, inconformado com a decisão desfavorável tem legitimidade para dela recorrer.
Notificado da decisão aos 25 de Junho de 2019 e tendo recorrido aos 2 de Julho de 2019 cumpriu o prazo geral de interposição de recurso, previsto no artigo 685.º do CPC.
A decisão de que o mesmo recorreu aos 2 de Julho de 2019, por ter recaído sobre o recurso de agravo interposto, esgota os recursos ordinários legalmente cabíveis da jurisdição comum.
No entanto, e como o Recorrente bem refere no seu requerimento de interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, não pretendia o mesmo contestar a lesão de princípios, direitos e garantias fundamentais salvaguardados pela Constituição, tencionava antes impugnar a veracidade dos documentos apresentados pelo Agravante Ricardo João Mataquite e isso resulta claro das suas alegações a fls.13 e seguintes dos presentes autos, e almejava alcançar tal desiderato, valendo-se de um recurso extraordinário de revisão.
O lapso do Recorrente não pode, no entanto, ser imputado ao Tribunal Supremo ao ter remetido o processo para o Tribunal Constitucional, uma vez que os pressupostos formais para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade encontravam-se preenchidos.
Ao pretender impugnar a veracidade dos documentos apresentados, por meio de um recurso extraordinário de revisão, deveria o Recorrente saber que tal expediente cabe de decisões transitadas em julgado, ou seja, decisões sobre as quais já não se possa interpor recurso ordinário, é o que resulta do artigo 771.º do CPC.
Devendo assim ser interposto no prazo de 30 dias, contados desde o trânsito em julgado da sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 771.º do CPC.
Logo, o Recorrente ao interpor recurso no dia 2 de Julho de 2019, fê-lo, antes do trânsito em julgado da decisão, o que, aliado ao facto de ter designado erroneamente o recurso, suscitou o presente desfecho.
Nas palavras de Luís Filipe Espírito Santo in Recursos Civis - O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, CEDIS, Edição 2020, página 149 “O recurso extraordinário de revisão, reveste a estrutura de uma acção, sendo apreciado pelo mesmo tribunal que proferiu a decisão que se pretende impugnar por esta via. Tem a ver com situações absolutamente excepcionais, de especial gravidade, que impõem, por incontornáveis imperativos de justiça material, que se reabra a discussão de um litígio em que foi proferida decisão final definitiva, ferindo assim, de algum modo, o princípio da intangibilidade do caso julgado. Ou seja, é uma opção assumida pelo legislador e ditada pela necessidade de fazer prevalecer o valor da Justiça – gravemente ferido pelo sentido e fundamentos da decisão judicial transitada em julgado – em desfavor do valor da segurança, trazido para o sistema através da impossibilidade de voltar a discutir uma causa decidida em última instância.”
Este recurso é interposto para o próprio tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida.
Tendo sido a decisão objecto de revisão proferida pelo Tribunal Supremo, é este o tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário de revisão que venha a ser interposto.
Diante de tal imbróglio, sendo o requerimento autuado na Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 4.º da LPC, foi proferido Despacho de rejeição pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, com o fundamento de não esgotamento prévio de tramitação nos tribunais comuns, conforme o estipulado no parágrafo único do artigo 49.º da LPC.
Deste Despacho de rejeição o aqui Recorrente recorreu, ainda que em alegações tenha confundido o objecto do seu recurso, que é o Despacho de rejeição e não o Acórdão da 1ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo.
É importante, essa ressalva, uma vez que o objecto sobre qual o Plenário do Tribunal Constitucional se deve pronunciar é a manutenção ou não do Despacho de rejeição.
Logo, o Recorrente devia proferir as suas alegações indicando os fundamentos por que pede a anulação da decisão recorrida, como resulta do n.º 1 do artigo 690.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, indicando as razões de facto e de direito que justificassem a anulação do Despacho de rejeição do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional e a admissão do seu requerimento de recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
Ora, as alegações apresentadas nada abonam para o objecto do presente recurso, pelo contrário, apresentam razões de facto e de direito que, na perspectiva do Recorrente, não foram valoradas pelo Tribunal Supremo e, mesmo nesse âmbito, sem conseguir demonstrar as inconstitucionalidades que o mesmo alega.
Pois, ainda que se tenham esgotado os recursos ordinários legalmente cabíveis, não indicou o Recorrente no seu requerimento que mereceu o Despacho de rejeição, que princípios, liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente tutelados teriam sido violados pelo Acórdão recorrido, e em alegações não conseguiu provar as ofensas aos princípios constitucionais alegados.
Sendo os requisitos para admissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, cumulativos, a falta de fundamentos que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, conforme dita a alínea a) do artigo 49.º da CRA, implica a rejeição do referido requerimento.
Destarte, o Plenário do Tribunal Constitucional considera que outro despacho não poderia merecer o requerimento apresentado, senão o de rejeição.
Face ao acima expendido, o Plenário do Tribunal Constitucional mantém o Despacho de rejeição do Juiz Conselheiro Presidente, reformulando-o, no entanto, quanto ao seu fundamento, referindo como causa de rejeição do requerimento de recurso, a não indicação de fundamentos que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição.
Contudo, cabe ao Recorrente, porque está ainda em tempo, a faculdade de corrigir o recurso que pretendia interpor aos 2 de Julho de 2019, e apresentar no Tribunal Supremo o recurso extraordinário de revisão conforme sua pretensão inicial, nos termos da alínea c) do artigo 44.º da LPC, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 52.º da CRA.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, Acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 18 de Maio de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente- declarou-se impedido)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente e Relatora)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Magalhães
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima d’A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor