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ACÓRDÃO N.º 680/2021

PROCESSO N.º 789-A/2020

(Aclaração do Acórdão n.º 673/2021)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

João Augusto Miguel de Oliveira, amplamente identificado nos autos, tendo sido notificado do douto Acórdão n.º 673/2021 do Tribunal Constitucional, não se conformando com o Aresto, vem requerer nos termos do n.º 2 do artigo 666.º, combinado com o disposto na alínea a) do artigo 669.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional (LPC), a aclaração do referido acórdão.

Em síntese, o Reclamante expõe os seguintes fundamentos:

  1. Quando foi julgado o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade já estavam em vigor novas disposições penais, o Tribunal Constitucional estava obrigado a vincular-se às disposições legais que introduziram um regime penal e processual penal, mais favorável ao Recorrente, o ora Reclamante;
  2. Verifica-se uma omissão quanto ao julgamento da proibição da reformatio in pejus sem atender ao disposto no n.º 3 do artigo 473.º da Lei n.º 39/20, de 11 de Novembro;
  3. A referida disposição tem um conteúdo mais favorável ao Recorrente, pois, para o afastamento ou aplicação da reformatio in pejus, deve haver necessariamente uma notificação ao arguido para, querendo, se pronunciar sobre o alegado recurso interposto pelo Ministério Público em seu desfavor, o que não aconteceu;
  4. Omitiu-se, no Aresto, a circunstância de, não obstante ser funcionário da Administração Geral Tributária (AGT), o Recorrente (Reclamante) diferente de outros réus, estava adstrito à Direcção Geral e ou Central da AGT, mais concretamente, à Direcção Nacional dos Serviços de Fiscalização da AGT;
  5. Não ficou suficientemente fundamentado qual a comparticipação do Reclamante quanto aos tipos incriminadores de corrupção activa e passiva, fraude fiscal e associação criminosa;
  6. O Tribunal no seu acórdão, não se pronunciou, como deveria, relativamente à condenação dos Réus na indemnização ao Estado do montante de Kz. 200 000.000,00 (duzentos milhões de kwanzas);
  7. Verifica-se a violação do princípio da igualdade, no que toca ao Reclamante por ter sido agravado a sua pena em detrimento das Rés, que se encontram nos presentes autos em igualdade de circunstância, que viram suas penas alteradas, ou seja, diminuídas.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 2 do artigo 716.º do CPC, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer o presente pedido de aclaração, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 666.º, e n.º 2 do artigo 716.º, ambos do CPC, aplicados subsidiariamente pelo artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Julho (LPC).

III. LEGITIMIDADE

O Reclamante é Recorrente no Processo n.º 789-A/2020, do qual recaiu o Acórdão n.º 673/2021 do Tribunal Constitucional, pelo que tem legitimidade para requerer a presente aclaração.

IV. OBJECTO

O objecto do presente pedido de aclaração é apreciar se o Acórdão n.º 673/2021 do Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 789-A/2020, contém alguma obscuridade ou ambiguidade entre os fundamentos e a decisão prolactada.

V. APRECIANDO

Sobre o requerimento de rectificação ou aclaração do acórdão e a sua reforma

De acordo os termos do disposto nos artigos 716.º e 666.º a 670.º do Código do Processo Civil, aqui subsidiariamente aplicáveis com as necessárias adaptações, por força do disposto no artigo 2.º da LPC, sucede que proferida a decisão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade pelo Plenário do Tribunal Constitucional, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do colectivo de juízes, quanto a matéria da causa, sendo contudo, lícito requerer ao mesmo tribunal que proferiu a decisão, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha, ou a sua reforma quanto a custas e multa.

Porém, in concreto, o Reclamante não veio requerer reforma da decisão proferida pelo Plenário deste Tribunal, quer quanto a custas ou multa, como também não veio requerer, ao que a aclaração diz respeito, a elucidação respeitante a incompreensão ou dubiedade da decisão proferida, pelo contrário, da análise da presente objecção, claramente se vislumbra o inconformismo do ora Reclamante, mais é, quanto ao sentido da decisão vertida no Acórdão em nota. Deste modo, peticionando a sua reapreciação substancial já que no seu entender não foram suficientemente analisadas e decididas as questões por si suscitadas.

– Vejamos melhor:

O Reclamante deduziu o pedido de aclaração do Acórdão em epígrafe proferido pelo Plenário deste Tribunal, com fundamento no disposto nos artigos 666.º n.º 2 e 669.º alínea a) ambos do CPC, porém, é importante precisar que os erros ou inexactidões a que estes preceitos fazem alusão, só são “aqueles que respeitam a expressão material da vontade do julgador e não os erros que possam ter influído na formação daquela vontade”, Abílio Neto, in Código do Processo Civil Anotado 6ª edição, 1985, pág. 512.

Portanto, não corresponde a categoria a que o Código do Processo Civil, caracterizou de erros materiais, ao ser invocado que no referido aresto, o Plenário do Tribunal Constitucional, não apreciou como devia as questões suscitadas pelo então Recorrente, tais como a da alegada violação dos princípios da proibição da reformatio in pejus; da igualdade na aplicação das penas; da comparticipação criminosa e finalmente, quanto a condenação do Reclamante no pagamento da indemnização devida a favor do Estado; tendo em vista que, na realidade, tais reivindicações mais se enquadram num eventual erro de julgamento que, de resto, não é passível de rectificação nos termos preceituados pelo ora Reclamante.

Com efeito, há que distinguir, cuidadosamente, o erro material do erro de julgamento. O primeiro verifica-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever; quando o teor da decisão não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar; quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. No segundo caso, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz logo se convença de que errou, não pode socorrer-se do artigo 667.º do CPC, para emendar o erro. Idem, pág. 512-513. Razão pela qual, não é de se atender o requerido pelo Reclamante.

Não obstante, não ter sido claramente invocado pelo Reclamante qualquer causa de nulidade, todavia, também se pode depreender do sentido e alcance dos argumentos vertidos no seu requerimento, fls. 2470 a 2480 que o mesmo pretendia, em boa verdade, era um outro expediente processual, ou seja, a Nulidade do Acórdão por vícios da sentença, e não a sua Aclaração. Pois, com efeito, resulta do estabelecido pelas disposições conjugadas dos artigos 666.º n.º 2 e 668.º do CPC, a possibilidade de ser permitido ao juiz que proferiu a decisão, no caso em que esta não admita recurso ordinário, a viabilidade de suprir nulidades que eventualmente possa conter a sentença ou acórdão.

Ora, como anteriormente referido, “um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere, quer conclua com a absolvição da instância quer condene no pedido ou dele absolva. O juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida, exceptuando-se os casos previstos no n.º 2 do artigo 666.º”. Lebre de Freitas – In Código do Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, pág. 697.

No entanto, para que tal possa vir a ocorrer, é mister, além do mais, que o interessado claramente identifique no seu requerimento, as causas possíveis de vícios de que a decisão judicial em concreto enferma, tendo em vista a reapreciação do decidido.

Entretanto, aqui chegados, vale sublinhar, que diante da alegada violação dos princípios da individualidade da responsabilidade criminal, da igualdade, da proibição da reformatio in pejus, da legalidade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, ocorreu que, o Plenário deste Tribunal, conforme consta de fls. 2458 a 2464, decidiu em não dar provimento a pretensão do ora Reclamante.

Ou seja, diante do argumentado segundo o qual,

“o Tribunal Supremo baseando-se em factos não produzidos nos autos e, fazendo um enquadramento erróneo dos factos provados, reformulou a decisão condenatória, agravando substancialmente a pena aplicada, de 2 (dois) anos de prisão e na taxa de justiça de um milhão de kwanzas, para a pena de 4 (quatro) anos de prisão maior, acrescido da restituição solidária da quantia de duzentos milhões kwanzas à Administração Geral Tributaria (AGT).

Adveio do acórdão em arguição, ao proceder a verificação da constitucionalidade da decisão proferida pela 3.ª Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que o Plenário do Tribunal Constitucional não lhe competia reapreciar a matéria da prova ou realizar novo julgamento da matéria de facto, como se de uma terceira instância de recurso se tratasse, tendo em consideração o âmbito das suas competências como lhe é conferida no artigo 180.º da Constituição da República de Angola (CRA) e artigo 53.º conjugado com o artigo 49.º ambos da LPC.

Todavia, já quanto a matéria cabível no âmbito da sua competência jurisdicional, veio firmar convicção que a então decisão judicial recorrida, proferida pelo Tribunal Supremo, não feria os princípios constitucionais invocados pelo Recorrente, designadamente o invocado princípio da individualização da responsabilidade criminal e, consequentemente os princípios da legalidade e igualdade em face da condenação das demais rés no processo.

Com efeito, elucidou-se que, foi justamente em atenção a estes princípios constitucionais que, na decisão recorrida, se procedeu à análise individualizada da responsabilidade subjectiva de cada uma das condutas dos agentes envolvidos, em relação aos elementos probatórios constantes do processo, qualificando-as em função das circunstâncias concretas e precisas, aplicáveis a cada comparticipação (…)”, prosseguindo a argumentação do tribunal quanto a esta questão, conforme se pode observar a fls. 2460 e 2461 do Acórdão em averiguação. 

Enquanto, a respeito da alegada violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, este tribunal, analisando o respectivo regime jurídico, em vigor a data em que o Tribunal Supremo julgou o recurso, foi no sentido de considerar que não houve violação do mencionado princípio na decisão proferida pelo tribunal recorrido e que, na hipótese vertente, não era proibido a reforma da decisão recorrida no sentido do agravamento da pena anteriormente aplicada ao réu, concluindo “que a decisão recorrida de modo algum feria os princípios da legalidade constitucional, da igualdade, do acesso ao directo e julgamento justo e conforme. vide fls. 2461 a 2464.

Ainda a propósito da alegada violação deste princípio, consta dos fundamentos de razão que ora sustentam a presente reclamação que, não foi observada a necessidade de uma notificação ao arguido para, querendo, se pronunciar sobre o alegado recurso interposto pelo Ministério Público em seu desfavor. Ora, sucede que tal reivindicação jamais veio abordada na motivação do recurso interposto para o Plenário desta Côrte, constituindo pois uma questão nova, por isso mesmo, insusceptível de ser apreciada nos termos da presente reclamação.

Nestes termos, considerando o exposto acima, vislumbra-se claramente que no Acórdão ora lavrado por este Plenário, escalpelizou-se, tanto os fundamentos de facto como os de direitos, com vista a sustentar a decisão proferida.

De igual modo, os fundamentos apresentados, não estão, de modo algum, em oposição com a decisão proferida, sendo que, o colectivo de Juízes que compõe o Tribunal, efectivamente pronunciou-se sobre questões que lhe cabia apreciar, no âmbito da sua competência jurisdicional, consequentemente, este Plenário não conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, tão pouco condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Efectivamente, extrai-se das questões suscitadas com a presente reclamação que, o que se pretende é que a decisão tomada em Plenário por esta Corte Constitucional, seja, na sua substância reapreciada, levando a recair pronunciamento sobre questões, cujo entender do Reclamante não foram suficientemente analisadas e decididas no acórdão em causa, o que de todo, este tribunal está interdito de o fazer, de acordo ao princípio da irrecorribilidade das suas decisões.

Ora, é precisamente, em homenagem a certeza e a confiança na estabilidade das decisões proferidas pelos tribunais, que o Código Processo Civil estabelece regime limitado de alteração das decisões judiciais, considerando esgotado em relação às questões já julgadas poder de cognição do tribiunal.

Portanto, é preciso não perder-se de vista que, embora a lei admita limitações ou restrições ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional, o facto é que não se pode confundir estes expedientes processuais, como vias para alcançar decisões novas.

Destarte, não é de acolher a presente reclamação para rectificação de erros materiais ou aclaração de obscuridade do que se decidiu, na medida em que a pretensão do Reclamante vertida no requerimento contante de fls. 2470 a 2479, excede os limites de reexame da decisão arguida pelo órgão que a proferiu.

DECIDINDO

Neste termos,

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

 Custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Maio de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

 

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira 

Dra. Maria de Fátima de Lima d’A. B da Silva (Relatora)