ACÓRDÃO N.º 685/2021
PROCESSO N.º 840-D/2020
Recurso Para o Plenário
Em nome do Povo, Acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
PREVEL – ORGANIZAÇÕES JORAVI, LDA., com os demais sinais de identificação nos autos, intentou uma acção de condenação para manutenção da posse, na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial da Luanda, a qual foi julgada procedente e, em consequência, foi a Ré condenada a abster-se de perturbar a posse exercida pela Autora.
Desta decisão, interpôs a Ré, recurso de apelação para o Tribunal Supremo, tendo este Egrégio Tribunal decidido conceder provimento ao recurso e revogar a decisão de 1.ª instância.
Vem então a Apelada, ora Recorrente, inconformada com o douto acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do Acórdão por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva.
Conclusos os autos, por Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, foi a Recorrente convidada a juntar aos autos cópia da data da notificação do Acórdão do Tribunal Supremo, tendo em vista aferir a tempestividade da reclamação e do recurso em causa (vide fls. 39 dos autos).
Devidamente notificada, a Recorrente não juntou aos autos a cópia da notificação da decisão, pelo que, diante do incumprimento, foi ordenado o arquivamento do processo (fls. 43 dos autos).
Inconformada, vem, agora, a Recorrente interpor recurso dessa decisão para o Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da LPC, alegando, em síntese o seguinte:
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso para o seu Plenário, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, face ao despacho de indeferimento de recurso proferido pelo Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, como estabelece o n.º 3 do artigo 5.º da LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso incide sobre o despacho de indeferimento do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, proferido pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional pelo que, cabe ao Plenário nos termos do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º ambos da LPC analisar se a referida decisão viola o direito do Recorrente de acesso ao direito e aos tribunais.
V. APRECIANDO
Constitui objecto do presente recurso, tal como a Recorrente o define no requerimento de interposição, apreciar se a rejeição do recurso com base na intempestividade do recurso posterga o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e o direito ao recurso.
O direito à tutela jurisdicional efectiva vem consagrado no artigo 29.º da Constituição da República de Angola e reconhecido em diversos instrumentos jurídicos internacionais de que Angola é parte, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 8.º) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (artigo. 7.º).
Atento ao disposto no artigo 29.º da Constituição da República de Angola, o direito à tutela jurisdicional efectiva determina o reconhecimento às partes da possibilidade de obterem uma reapreciação das decisões judiciais.
Tal imposição resulta também da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRA) que determina que os destinatários das decisões judiciais não fiquem na posição de nada poder fazer a não ser conformar-se com as mesmas, atenta a sua autoridade (artigos 174.º e 177.º da CRA).
Nestes termos, a reapreciação de uma decisão por um tribunal superior dá sempre maiores garantias de acerto quanto à regulação dos interesses em causa. Um ordenamento processual que impossibilitasse a reapreciação das decisões não poderia deixar de se caracterizar pela sua total iniquidade.
Todavia, este importante valor não é o único a ponderar. Incumbe conciliar o mesmo com o interesse da celeridade processual e ainda com os meios que o Estado tem ao seu dispor para administrar a justiça. Por isso, não constitui tarefa fácil conjugar a exigência constitucional do direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo, com as limitações ou restrições estatuídas na lei ordinária, mormente, a LPC, quanto aos prazos para interpor um recurso de fiscalização concreta.
A presente Corte Constitucional tendo sido já chamada a pronunciar-se sobre a questão do respeito pelo direito de acesso à justiça e a tutela jurisdicional efectiva, estando do outro lado da balança o respeito pela tempestividade, como forma de garantir o respeito pela segurança e certeza jurídicas, fundamentou a sua posição, defendendo que os Tribunais devem obedecer às normas atinentes à contagem de tempo, vide Acórdãos nºs 523/2018 e 652/2020.
Também o Tribunal Constitucional Português foi chamado, vezes sem conta, a pronunciar-se sobre a conformidade destas restrições com os preceitos da Lei fundamental, existindo uma vasta e uniforme jurisprudência (nestes termos, entre outros, os Acórdãos nºs 328/2012, 299/93, 260/2002 e 417/99. Todos disponíveis em www.dgsi.pt) no sentido de que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos.
Assim, por exemplo, no seu Acórdão n.º 299/93, aquele Tribunal observou que “[…] o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual. Necessário é que essas regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por impor lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou, mais especificamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e de recurso afirmadas no citado n.º1 do artigo 32.º […]”.
O artigo 50.º da LPC estabelece que o prazo de interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, no caso de se tratar de uma sentença, é de oito dias contados, continuamente, da data de notificação da sentença.
O Acórdão que se impugna é datado de 17 de Dezembro de 2019. Por sua vez, a Recorrente apresenta as suas alegações de recurso no dia 29 de Junho de 2020, passados, relativamente, seis meses da data de prolação do Acórdão do Tribunal Supremo.
O prazo para interposição de recurso é um dos requisitos de admissibilidade mais importantes, uma vez que, decorrido o lapso temporal para se interpor um recurso, a decisão transita em julgado e torna-se definitiva e exequível.
A determinação de prazos para se impugnar determinada decisão judicial não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de se considerar desproporcionado ou intolerável.
Aliás, a exigência de prazos, nestes casos, por sinal peremptórios, justifica-se por questões de confiança e segurança jurídicas que os cidadãos vêem na administração da justiça pelos tribunais, através da autoridade das suas decisões que devem ser efectivamente cumpridas.
No respeito desses limites, o legislador pode escolher o momento e o modo de apresentação das alegações de recurso, sem que para isso, postergue o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Diante do enunciado e, por não se encontrar no despacho impugnado as inconstitucionalidades imputadas pelo Recorrente, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 15 Junho de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente – declarou-se impedido).
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Magalhães
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Victória Manuel da Silva Izata