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ACÓRDÃO N.º689/2021

 PROCESSO N.º 856-D/2020

(Processo de Fiscalização Sucessiva)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

O Grupo Parlamentar da UNITA veio requerer, nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição da República de Angola (CRA) e da alínea b) do artigo 3.º e dos artigos 26.º e seguintes da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional, a fiscalização abstracta das normas dos artigos 25.º e 29.º do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, que aprova as medidas excepcionais e temporárias a vigorar durante a situação de calamidade pública declarada por força da pandemia provocada pela COVID-19.

Os fundamentos do pedido são, em síntese, os seguintes:

  1. No dia 23 de Outubro de 2020, o Presidente da República promulgou o Decreto Presidencial n.º 276/20, com a designação de medidas excepcionais e temporárias a vigorar durante a situação de calamidade pública declarada por força da Covid-19.
  1. O referido Decreto entrou em vigor à meia-noite do dia 24 de Outubro de 2020.
  1. O objectivo do Decreto Presidencial seria de actualizar as medidas de prevenção provocada pela evolução e propagação do vírus SARS 2 e da doença COVID 19, que obrigou à restrição de várias actividades produtivas e sociais.
  1. Desde a publicação do referido decreto, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, constitucionalmente consagrados, têm sofrido graves limitações, com efeitos nefastos e irrelevantes, sendo relevante, a título exemplificativo, as sucessivas mortes ocorridas nas últimas manifestações, bem como as várias mortes de cidadãos, perpetradas pela Polícia Nacional, por não utilização da máscara facial.
  1. De acordo com o princípio da supremacia da Constituição, toda a norma infraconstitucional tem de estar em conformidade com a lei magna, sob pena de inconstitucionalidade, nos termos em que está consagrado pelos artigos 6.º e 226.º da CRA.
  1. Assim é que o artigo 2.º da nossa Lei Fundamental, determina que:
  1. “A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constuição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”.

    b. “A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo, quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas”.

  1. A definição de Angola como um “Estado democrático de direito” acarreta consequências sistémicas para a Constituição e para a dinâmica da política nacional, que não podem ser nem ignoradas e muito menos contrariadas.
  2. A submissão do poder político ao direito decorre do reconhecimento de que o poder político não é, e não pode ser ilimitado, e que deve estar sempre vigiado e controlado por um direito que a ele é superior.
  1. O princípio do Estado democrático de direito exige que se optimizem, em todos os níveis (legislativo, executivo e judicial), os instrumentos de controlo sobre a administração pública, sobre o poder político e se maximizem os direitos fundamentais da pessoa humana, direitos que devem constituir padrões de conduta material para os gestores e para as instituições administrativo-públicas.
  1. Além disso, esse princípio visa garantir a segurança das expectativas das pessoas; exige segurança, não só a segurança das integridades física e moral dos cidadãos, mas também a segurança das suas posições jurídicas, dos seus direitos e interesses no âmbito de uma ordem democrática; exige que todas as instituições, sejam elas quais forem, se contenham na ordem do direito.
  1. O princípio do Estado democrático de direito exige também uma actuação imparcial dos gestores públicos; exige respeito ao devido processo legal, tanto na dimensão substantiva quanto adjectiva.
  1. Desde logo, impõe-se a obrigação moral e jurídica de defender a Constituição sempre que medidas jurídicas inconstitucionais colocarem a sua plena efectividade em risco.
  1. Nos termos do artigo 58.º da Constituição da República, o Presidente da República apenas pode praticar três actos materiais, juridicamente válidos para limitar ou suspender direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em caso de:
  1. Declaração de estado de guerra;
  2. Declaração de estado de sítio;
  3. Declaração de estado de emergência.
  1. As circunstâncias referidas no artigo anterior são as que podem permitir a suspensão ou limitação dos direitos dos cidadãos angolanos.
  2. O n.º 2 do artigo 58.º expressamente estabelece que “o estado de guerra, o estado de sítio e o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou eminente por forças estrangeiras, de ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou calamidade pública”.
  1. Isso significa que as medidas excepcionais e temporárias a vigorar durante a situação de calamidade pública, declarada por força da Covid-19, condensadas no Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, como corolário da Lei n.º 14/20, de 22 de Maio – Lei de Alteração à Lei de Bases da Protecção Civil, apenas podem ser tomadas no quadro de uma das três circunstâncias que a Constituição da República prevê no n.º 2 do artigo 58.º, não podendo fazê-lo por meio de meros actos administrativos.
  1. Ao promulgar o Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, o Titular do Poder Executivo violou o disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Constituição da República, que estabelece taxativamente que “o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis”.
  1. O Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, no seu artigo 25.º, com a epígrafe “Actividades e reuniões”, bem como o artigo 29.º com a epígrafe “Ajuntamentos na via pública”, limitam direitos, liberdades e garantias, que só podem ser limitados em casos de excepcionalidade constitucional.
  1. Estas medidas só podem ser tomadas num estado de emergência, a ser declarado pelo Titular do Poder Executivo, ouvida a Assembleia Nacional, nos termos da alínea p) do artigo 119.º, conjugado com a alínea h) do artigo 161.º, ambos da Constituição da República.
  1. Relativamente à proibição de ajuntamentos na via pública, que consta do artigo 29.º do Decreto ora impugnado, viola o que dispõe o artigo 46.º, no que a livre circulação dos cidadãos diz respeito.
  1. A excepção prevista pela segunda parte do n.º 1 do citado artigo 46.º é permitida quando a lei o determine.
  1. Que lei? Indiscutivelmente é a lei que decretar o estado de guerra, estado de sítio ou estado de emergência e não outra.

Concluiu o requerimento pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, sejam declarados inconstitucionais os artigos 25.º (Actividades e reuniões) e 29.º (Ajuntamentos na via pública) do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, que aprova as MEDIDAS EXCEPCIONAIS E TEMPORÁRIAS A VIGORAR DURANTE A SITUAÇÃO DE CALAMIDADE PÚBLICA DECLARADA POR FORÇA DA COVID-19, com força obrigatória geral, por violação dos artigos 2.º, 6.º, 46.º, 58.º e 226.º da Constituição da República de Angola.

Notificado para responder, o Presidente da República veio oferecer a sua contestação, aproveitando, no entanto, para explicar, em síntese, o seguinte:

  1. No caso em concreto, a acção que foi proposta um dia depois da caducidade do Decreto, teve por fundamento de facto ou causa de pedir o Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, que, à data da sua interposição, encontrava-se revogado.
  1. A inexistência jurídica do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, que contém normas que impulsionaram e fundamentaram o interesse do requerente em interpor a acção, pressupõe a inexistência da causa de pedir.
  1. Dispõe o Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, objecto da lide, no artigo 3.º sob a epígrafe “Vigência e Aplicação”, que “as medidas aí previstas vigoram até ao dia 22 de Novembro de 2020”.
  1. E, sequencialmente, foi publicado, no dia 20 de Novembro, o Decreto Presidencial n.º 298/20 - Medidas Excepcionais e Temporárias a vigorar durante a Situação de Calamidade Pública declarada por força da COVID-19, que no seu artigo 41.º revogou expressamente o Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro.
  1. Nesta ordem de ideias, o Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, deu início à sua vigência no dia 24 de Outubro de 2020, com duração temporal de até 30 dias (artigo 3.º do referido diploma).
  1. O que pressupõe que desde à meia-noite do dia 22 de Novembro de 2020, o regulamento objecto do presente processo deixou de existir, isto é, extinguiu em decurso da sua revogação pelo Decreto Presidencial n.º 298/20, de 20 de Novembro.
  1. Dispõe o artigo 28.º da Lei do Processo Constitucional que “o pedido de apreciação da constitucionalidade prevista no n.º 1 do artigo 155.º da Constituição da República de Angola não está sujeito a prazo, podendo ser apresentado a todo tempo, enquanto a norma se mantiver em vigor”.
  1. Destarte, tendo desaparecido o objecto da lide, o que determina a impossibilidade de alcance dos resultados visados e consequentemente a satisfação da pretensão que o Requerente quer fazer valer na acção, é ponto assente que o processo não deve continuar, mas sim, cessar, pois o prosseguimento da lide tornou-se impossível.
  1. Portanto, salvo melhor opinião deste erudito juízo, nestes termos, o Tribunal não pode conhecer do mérito da causa, pelo que deve limitar-se a declarar extinta a instância e absolver o Requerido da mesma.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer do pedido ora formulado. Tal competência resulta, desde logo, da alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição, bem como da alínea a) do artigo 16.º da Lei 2/08, de 17 de Junho (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) e ainda da alínea b) do artigo 3.º, conjugado com o artigo 19.º da Lei 3/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Processo Constitucional.

III. LEGITIMIDADE

Os Grupos Parlamentares têm legitimidade para requerer a fiscalização sucessiva abstracta de normas nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição e do artigo 27.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC). Assim sendo, o Grupo Parlamentar da UNITA tem legitimidade para requerer a presente fiscalização sucessiva.

IV. OBJECTO

Emerge como questão decidenda na presente acção de fiscalização sucessiva a apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 25.º e 29.º do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, sem embargo da eventual apreciação de questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido.

V. APRECIANDO

Cumpre, antes do mais, averiguar se pode tomar-se conhecimento do pedido.

As normas em apreço estabelecem que:

ARTIGO 25.º

(Actividades e reuniões)

  1. As actividades e reuniões realizadas em espaço fechado não devem exceder a lotação de 50% da capacidade da sala, nem o número máximo de 150 pessoas.
  2. Em todas as actividades e reuniões, é obrigatório o uso de máscara facial e a observância das regras de biossegurança e de distanciamento físico.
  3. As actividades e reuniões com número superior aos limites previstos no n.º1 do presente artigo estão sujeitas à autorização prévia das autoridades sanitárias.
  4. As actividades e reuniões realizadas em espaço aberto devem observar o distanciamento físico mínimo de 2 m (dois metros) entre os participantes e ser realizadas em espaço delimitado, devendo os organizadores assegurar a disponibilidade de máscara facial e o cumprimento das medidas de biossegurança.
  5. Nos casos previstos nos números anteriores, recomenda--se que os eventos levem o mínimo necessário de tempo, com vista a reduzir o período de exposição das pessoas e, sempre que possível, se opte por meios digitais de comunicação.
  6. A violação do disposto no presente artigo é sancionada com multa que varia entre os Kz. 100.000,00 (cem mil kwanzas) e os Kz. 150.000,00 (cento e cinquenta mil kwanzas).
  7. A multa pela infracção prevista no número anterior é da responsabilidade do promotor do evento.

ARTIGO 29.º

(Ajuntamentos na via pública)

  1. Não são permitidos ajuntamentos, de qualquer natureza, superiores a 5 (cinco) pessoas na via pública.
  2. Para efeitos do número anterior, as forças de segurança e ordem pública asseguram a circulação dos cidadãos, intervindo sobre os aglomerados de mais de 5 (cinco) pessoas, sendo que a resistência às ordens directas das autoridades é sancionada como crime de desobediência, nos termos do artigo 24.º da Lei n.º 28/03, de 7 de Novembro, com a redacção dada pela Lei n.º 14/20, de 22 de Maio, sem prejuízo das sanções administrativas aplicáveis.
  3. A violação do disposto no presente artigo dá lugar à aplicação de multa que varia entre os Kz. 200.000,00 (duzentos mil kwanzas) e os Kz. 400.000,00 (quatrocentos mil kwanzas).
  4. A multa prevista no número anterior é da responsabilidade da pessoa, individual ou colectiva, promotora do ajuntamento.

Admitido o pedido do Grupo Parlamentar, foi notificado, para se pronunciar sobre ele, querendo, o Presidente da República, que informou o Tribunal Constitucional de que, no dia 20 de Novembro de 2020, procedeu a aprovação de um Decreto Presidencial revogatório do Decreto Presidencial n.º 276/2020 – do qual as normas dos artigos 25.º e 29.º são objecto do presente recurso.

E, na verdade, o Decreto Presidencial n.º 298/20, de 20 de Novembro, veio revogar, expressamente, na sua nota explicativa, o Decreto Presidencial n.º 276/20, no seu todo.

Assim, no presente recurso, importa apreciar a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas já revogadas.

Sobre essa questão já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 130/2011 (disponível em https://tribunalconstitucional.ao), a propósito de um pedido de fiscalização sucessiva em que era impetrante a Ordem dos Advogados de Angola.

Entendeu o Tribunal, - lê-se no aresto -, que, “efectivamente, a revogação de uma norma não obsta, por si só, a que, a posteriori, se aprecie a sua conformidade com a Constituição, nomeadamente, nos casos em que haja interesse em eliminar os efeitos produzidos durante a sua vigência”.

Deste modo, a análise sobre a inconstitucionalidade de uma norma já revogada só tem interesse jusconstitucional quando o objectivo do pedido seja a eliminação dos efeitos já produzidos pela norma cuja inconstitucionalidade é suscitada, caso sejam elimináveis.

Isto porque, as normas em crise vigoraram durante um lapso de tempo – cerca de 30 dias - e produziram efeitos. Ora, esses efeitos po­dem ser, porventura, atingidos por uma hipotética declaração de inconstitucionalidade  com força obrigatória geral - a qual, em regra, é eficaz desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a re­pristinação das normas que ela haja, eventualmente, revogado (artigo 231.º, n.º 1 da Constituição). Porém, o regime geral consagrado no n.º 1 do artigo 231.º da Constituição admite excepções, que são previstas nos demais números do mesmo artigo (inconstitucionalidade superveniente – n.º 2; caso julgado – n.º 3; segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcio­nal relevo – n.º 4).

Potencialmente, a dimen­são da eficácia da declaração de inconstitucionalidade  com força obrigatória geral excede o âmbito dos efeitos da revogação da norma, o que obsta a que se negue, a priori, o interesse jurídico no conhecimento do pedido (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucio­nal, tomo II, Constituição e inconstitucionalidade, 3ª Edição, 1991, pág. 490).

Acresce também que, na apreciação da constitucionalidade de normas já revogadas, deve-se averiguar um interesse processual objectivo específico, que é, como se disse no Acórdão n.º 130/2011, o da supressão necessária “dos efeitos produzidos, medio tempore, pelo normativo ora impugnado. Essa necessidade terá, porém, de ser evidente. E considera-se evidente quando o escopo seja o de suprimir efeitos que são constitucionalmente relevantes”.

Tal entendimento é reafirmado também pela especificidade dos processos de fiscalização abstracta, que se caracterizam pela inexistência de partes. O interesse processual não é o interesse das partes, mas afere-se pela utilidade da declaração, relativamente aos destinatários da norma cuja apreciação é suscitada.

Apreciadas as alegações do impetrante, denota-se que, no caso vertente, tal interesse não se verifica.

O impetrante apenas reitera a necessidade de se expurgar as normas do ordenamento jurídico angolano em virtude da hipotética inconstitucionalidade, sem nenhuma referência a posições concretas que devem ser salvaguardadas, uma vez afectadas pelos efeitos das normas tidas por inconstitucionais, limitando os efeitos de tal modo que a eficácia da eventual declaração de inconstitucionalidade não pudesse exceder os próprios efeitos da revogação da norma em crise.

Por este motivo, considera-se que é inútil conhecer o pedido quando a norma sobre a qual ele recai haja sido revogada e a eventual declaração de inconstitucionalidade tivesse os seus efeitos limitados de modo a não excederem os da revogação. (Sobre a inutilidade da apreciação de inconstitucionalidade de normas já revogadas, veja-se também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2010, de 16 de Dezembro).

Assim, uma declaração de inconstitucionalidade proferida em tal hipótese estaria destituída dos efeitos jurídico-materiais e jurídico-processuais que caracterizam as decisões do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização abstracta (cfr. sobre estes efeitos, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Edição, 1991, pág. 1079 e ss.). A admissão de que a declaração de incons­titucionalidade pudesse estar absolutamente desprovida de efei­tos implicaria a ausência da força obrigatória geral que lhe é constitucional­mente conferida (artigo 231.º, n.º 1), promovendo a sua desca­racterização.

O fim que se visa atingir com a declaração de inconstitucionalidade - expurgar do ordenamento jurídico a norma inquinada - já foi obtido com a revogação do diploma. Eliminar os efeitos produzidos por essas normas não passam, pois, de uma finalidade marginal, secundária, só justificando, por isso, a utilização daquele mecanismo quando estejam em causa valores jurídico-constitucionais relevantes.

Ora, atendendo a que a norma em crise já foi revo­gada, como se viu, pelo Decreto Presidencial n.º 298/20, não há interesse no conhe­cimento do pedido, visto que tal conhecimento seria insusceptí­vel de gerar quaisquer efeitos jurídicos. No caso, uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, seria, muito provavelmente, inteiramente desprovida de qualquer resultado prático, o que torna excessivo e desproporcionado o recurso a um tal meio.

Estando em causa normas revogadas a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, só deverá ter lugar – ao menos em princípio – quando for evidente a sua indispensabilidade.

Assim sendo, há que concluir que não subsiste um interesse suficientemente relevante no conhecimento do pedido, nem sequer no que toca a tais efeitos, sendo suficientes outras vias ou iniciativas processuais. Utilizar o presente pedido de fiscalização abstracta para tão-só apreciar consequencialmente, e em bloco, a conformidade constitucional das normas revogadas traduzir-se-ia na utilização de um meio desrazoável.

E, de todo o modo, se ainda existir algum recurso contencioso pendente, em que a questão de inconstitucionalidade a que se reportam estes autos seja decisiva, sempre tal questão pode ser resolvida neste Tribunal, por via da fiscalização concreta.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:

 Notifique-se.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 25 de Agosto de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Jacinto Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator) 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d’ A. B. da Silva

Dra. Victória Manuel da Silva Izata