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ACÓRDÃO N.º 690/2021

PROCESSO N.º 821-A/2020

(Aclaração do Acórdão n.º 662/2021)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO 

Osvaldo Luís Quintas Mervil, com os demais sinais de identificação nos autos, tendo sido notificado do Acórdão n.º 662/2021, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 669.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ao Processo Constitucional por força do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo no Tribunal Constitucional -, requerer a ACLARAÇÃO do douto Acórdão.

A pretendida arguição de ACLARAÇÃO tem os seguintes fundamentos:

  1. A apreciação do princípio da legalidade, que foi apreciada pelo Tribunal Constitucional na vertente da falta de fundamentação da alteração da medida da pena de 12 para 16 anos, quando na verdade outras nuances do princípio foram violadas quer pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer pelo Tribunal Supremo;
  2. Além da violação ao princípio da legalidade, foi violado o direito a não auto-incriminação, na medida em que os réus afirmaram em Tribunal que foram coagidos, por isso assumiram a autoria do crime;
  3. A violação do princípio do contraditório, uma vez que o Tribunal Supremo ignorou as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente;
  4. O excesso de prisão preventiva, pois não há no caso condenação transitada em julgado;
  5. A violação do princípio da tutela jurisdicional, visto que o Tribunal de primeira instância inviabilizou o pedido de habeas corpus;
  6. A falta de clareza da decisão do Tribunal Constitucional coloca-se na medida em que para a defesa ficou claro que o Tribunal Supremo ao fazer a remissão aos fundamentos da condenação em primeira instância é porque não possui fundamentação nova para sustentar a alteração da medida da pena. Pelo que, a decisão do Tribunal Constitucional deveria ser clara no sentido de esclarecer ao Supremo de que não havendo fundamentação nova, deveria à data manter a pena e hoje reduzi-la em virtude das penas de furto terem sido desagravadas pelo Código Penal vigente e não simplesmente mandar reformar em conformidade com o julgamento da única questão de inconstitucionalidade que apreciou, como se estivesse a pedir ao Tribunal Supremo que arranje fundamentos para justificar a alteração que ilegalmente operou.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

 II. COMPETÊNCIA 

A Aclaração do douto Acórdão foi requerida nos termos do artigo 669.º do Código de Processo Civil, aplicável ao Processo Constitucional por força do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, que estabelece que, uma vez proferida a sentença e assim esgotado o seu poder jurisdicional, pode o juiz esclarecer dúvidas existentes na sentença.

III. LEGITIMIDADE 

O impetrante é parte legítima para requerer a presente Aclaração, uma vez que foi Recorrente no Processo n.º 821-A/2020, que correu os seus trâmites neste Tribunal, sobre o qual recaiu o Acórdão n.º 662/2021, cujo teor é objecto da presente Aclaração.

IV. APRECIANDO 

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, (CPC) os fundamentos do pedido de aclaração de uma decisão residem na existência de alguma ambiguidade ou obscuridade da decisão que a torne ininteligível.

O Recorrente não invoca, em bom rigor, qualquer obscuridade ou ambiguidade do Acórdão que ora pretende ver aclarado, invocando sim, aquilo que seria fundamento de nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, por ter o Tribunal, na óptica do impetrante, deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

Ora, a pretensa omissão de pronúncia invocada não se enquadra nos fundamentos de esclarecimento da sentença prevista no CPC. Com efeito, o Acórdão ora sindicado não revela qualquer ambiguidade ou obscuridade quando decide não tomar conhecimento de algumas questões colocadas pelo Recorrente, uma vez que o Tribunal Constitucional não é uma terceira instância para apreciação de questões de direito ordinário e que relevam apenas no âmbito infraconstitucional. Pois, conforme se afirma no acórdão objecto de aclaração, a “este Tribunal compete administrar a justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional, em consonância com os artigos 180.º da Constituição (CRA) e 16.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional”.

O impetrante apenas discorda do entendimento manifesto no Acórdão de que parte das questões por ele levantadas não constituem matérias sobre as quais o Tribunal Constitucional possa emitir um juízo de conformidade constitucional, visto que a este Tribunal não incumbe definir a correcta conformação da lide, determinar a melhor interpretação de direito ordinário ou aferir se o juiz “a quo” procedeu a uma correcta apreciação da prova.

Além do mais, relativamente à falta de clareza na decisão aclaranda, o impetrante diz-nos apenas o que devia ter sido decidido pelo Tribunal, na sua perspectiva, demonstrando, claramente, que compreendeu bem os fundamentos da decisão quando afirma no pedido de Aclaração que: a decisão do Tribunal Constitucional deveria ser clara no sentido de esclarecer ao Supremo de que não havendo fundamentação nova, deveria à data manter a pena e hoje reduzi-la em virtude das penas de furto terem sido desagravadas pelo Código Penal vigente e não simplesmente mandar reformar em conformidade com o julgamento da única questão de inconstitucionalidade que apreciou, como se estivesse a pedir ao Tribunal Supremo que arranje fundamentos para justificar a alteração que ilegalmente operou”.

No Acórdão ora reclamado consignou-se que o modo de proceder do Tribunal Supremo não corresponde à satisfação da exigência de fundamentação estabelecida na lei. Ao ter decidido conforme decidiu postergou o princípio da legalidade, uma vez que a fundamentação por remissão suscita dúvidas de constitucionalidade, nos casos em que, pelo facto da remissão, a acessibilidade dos fundamentos se torne labiríntica ou particularmente complexa, tornando imperceptíveis as razões que se encontram na base do dispositivo.

Obtido este entendimento, o Tribunal Constitucional considerou o Acórdão datado de 27 de Agosto de 2019, da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, inconstitucional por ter operado o agravamento da pena sem o ter fundamentado e devolveu-lhe os autos a fim que se reforme a decisão em conformidade com o julgamento da questão de inconstitucionalidade.

É a propósito do que fica exposto que, apartando-o do respectivo contexto, o ora reclamante pretende obter esclarecimentos, manifestando a sua discordância com o aí afirmado.

O pedido de Aclaração de sentença ou Acórdão visa, essencialmente, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão aclaranda contenha. A decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o Juiz quis dizer; por outro lado, é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Não pode, pois, um tal expediente processual, ser utilizado para se obter, por via oblíqua, a modificação do julgado.

Também não se poderá permitir que através do pedido de Aclaração, as partes requeiram uma nova apreciação do litígio, pois, uma tal pretensão não se coaduna com o espírito do sistema nem com o disposto no artigo 669.º do CPC.

Nestes termos, e sem necessidade de considerações complementares, indefere-se a referida Aclaração.

Nestes termos,

DECIDINDO                    

Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:

 Notifique-se.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 25 de Agosto de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Jacinto Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator) 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d’ A. B. da Silva

Dra. Victória Manuel da Silva Izata