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ACÓRDÃO N.º 691/2021

PROCESSO N.º 815-C/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO 

Celestino Alberto Sambemba, melhor identificado nos autos, interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado sob o Processo n.º 661/17, pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que além de ter confirmado a sentença condenatória proferida pela 13.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, como Tribunal a quo, de igual modo agravou a pena de 12 para 16 anos de prisão maior.

Notificado para apresentar alegações de recurso, nos termos do artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), o Recorrente referiu, no essencial, que:

  1. Foi condenado pelo crime de roubo concorrido com violação, numa pena de 12 anos de prisão;
  2. Tendo sido interposto o competente recurso da douta sentença condenatória, com subida imediata e com efeito suspensivo, o preso tem de aguardar a decisão do Tribunal ad quem em liberdade, ser-lhe aplicada uma das medidas cautelares não privativas de liberdade, nos termos do parágrafo § do artigo 649.°, do n.º 1 do artigo 655.°e do n.º 1 do artigo 658.° do Código de Processo Penal (CPP) e com a Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, sobre as Medidas Cautelares em Processo Penal;
  3. A douta sentença do Tribunal a quo não transitou em julgado, fruto do recurso interposto, logo, a situação carcerária do Recorrente deveria ter sido reapreciada, nos termos do n.º 1 do artigo 659.° do CPP;
  4. Até à presente data, a prisão do Recorrente é efectiva, actual e ferida de ilegalidade por conta do efeito suspensivo do recurso;
  5. O não provimento do pedido de habeas corpus constitui violação do princípio da legalidade, da presunção de inocência, do direito à liberdade física e à segurança pessoal, assim como viola a unidade e harmonia do sistema jurídico e o princípio da aplicação da lei mais favorável.

Terminou requerendo ao Tribunal Constitucional a revogação do Acórdão do Tribunal Supremo, devendo o Recorrente aguardar em liberdade a decisão do recurso.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

 II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional relativamente “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República de Angola”.

Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é arguido no Processo n.º 661/17, que correu os seus trâmites na 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo pelo que é parte legítima nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, “no caso de sentenças, podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é verificar a constitucionalidade do Acórdão prolactado pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 661/17, que confirmou a sentença condenatória do Tribunal a quo e agravou a pena de 12 para 16 anos de prisão maior.

V. APRECIANDO 

  1. Questão prévia

 Interposto um recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, conforme requerimento de fls. 241, foi o recurso admitido e o Recorrente notificado a apresentar as suas alegações de recurso, conforme certidão de notificação de fls. 250, o que o mesmo veio a fazer, a fls. 251 e seguintes dos autos.

Sucede que as alegações apresentadas ao invés de recaírem sobre o objecto do presente recurso, a saber, o Acórdão prolactado pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 661/17, que confirmou a sentença condenatória do Tribunal a quo e agravou a pena de 12 para 16 anos de prisão maior, as referidas alegações referem-se a um Acórdão da 3ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que terá recaído sobre um pedido de habeas corpus, igualmente, interposto pelo aqui Recorrente.

Da análise dos autos, a fls. 215-216, consta um acto revogatório da procuração forense passada a favor do advogado Arck Miguel, com a cédula n.º 1882 e, em sua substituição, o Recorrente outorgou nova procuração forense a favor do escritório DJ-Advogados, conforme fls. 217.

Advém, porém, que, não obstante o acto de revogação da procuração e a consequente constituição de novo mandatário legal pelo aqui Recorrente, o primeiro mandatário não foi notificado da revogação do mandato, e veio ainda a ser notificado do acórdão do Tribunal Supremo, pelo Tribunal a quo, não obstante não tenha intervindo nos autos de recurso.

Por conseguinte, este mandatário interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade, todavia, para as alegações foi notificado o escritório DJ- Advogados, ao qual foi conferido novo mandato em substituição do primeiro, tendo este escritório efectivamente apresentado alegações.

Sucede que as alegações apresentadas, conforme supra referido, nada abonam para o objecto do presente recurso.

Dito isto, vejamos:

O mandato é descrito no artigo 1157.° do Código Civil (CC), como contrato pelo qual alguém se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem.

No caso em concreto, estamos perante um mandato judicial, que é uma modalidade especial de mandato, previsto nos artigos 32.° a 44.° do Código de Processo Civil (CPC), sendo que, como qualquer mandato, o mandato judicial pode extinguir-se por revogação e renúncia, determinando os nºs 1 e 2 do artigo 39.° do CPC, que estas devem ser requeridas no processo e notificadas ao mandatário e à parte contrária, sendo que os efeitos da revogação do mandato começam a produzir-se a partir da junção da certidão da notificação ao mandatário.

Com efeito, no caso sub judice, a revogação do mandato judicial ocorrida foi feita de forma válida, mas é ineficaz porquanto não houve lugar à notificação ao destinatário, a saber, o mandatário cessante, estando assim os dois mandatários habilitados a exercer o patrocínio judiciário.

Quanto às alegações apresentadas, estas não se debruçam sobre o objecto do presente processo, no entanto, do mandado, bem como da certidão de notificação de fls. 249 e 250 constam dados sobre a 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, como tribunal recorrido, no âmbito do Processo n.º 661/17.

Neste sentido, tinha o mandatário dados que lhe permitiam identificar o objecto do presente processo.

De referir, que o Código de Ética e Deontologia Profissional, que vincula os advogados em Angola, prevê no seu artigo 14.º aqueles que são os deveres do advogado para com o cliente, sendo que as alíneas c) e d) do mesmo artigo dispõem que deve o advogado:

“c) Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedida, informação sobre o andamento das questões que lhe foram confiadas, nomeadamente:

(…)

- Relatar ao cliente a evolução do assunto apresentado, e informá-lo a respeito da possível solução, eventuais recursos, possibilidades de transacção por acordo extrajudicial ou outras formas alternativas de resolução de litígios.

d) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.”

É certo que o advogado não tem, para com o cliente, um dever de resultados, no sentido de ter de garantir ao cliente o desfecho pretendido, mas tem, no entanto, um dever de meios, ou seja, deve esmerar-se relativamente aos seus conhecimentos e empreender os esforços necessários para a defesa dos interesses do cliente.

Destarte, não pode este Tribunal premiar a inércia ou a distracção dos advogados, no exercício da sua profissão. No entanto, tal comportamento desatento dos mandatários legais não deve lesar ou prejudicar o direito ao recurso, que assiste ao ora Recorrente.

É entendimento do Tribunal Constitucional, por uma questão de economia processual e de forma a salvaguardar o direito ao recurso quando haja ausência de alegações de recurso ou quando das alegações apresentadas não se consiga extrair a fundamentação do recurso, deve-se aproveitar o requerimento de interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, sempre que deste se possa extrair a pretensão do Recorrente.

Assim, é sobre os princípios e direitos constitucionais alegadamente considerados violados e referidos no requerimento de interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, de fls. 241, que irá recair a apreciação do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

b. Questões em apreciação

É submetida à apreciação do Tribunal Constitucional o Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que não só confirmou a sentença condenatória do Tribunal a quo, como agravou a pena de 12 para 16 anos de prisão.

Deste modo, urge apreciar as alegadas violações e ofensas aos princípios da igualdade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, a violação ao direito a julgamento justo, célere e conforme a lei, bem como a violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.  

  1. Sobre a ofensa ao princípio da igualdade

No seu requerimento alega o Recorrente a violação do princípio da igualdade, no entanto apenas faz sentido invocar a violação deste princípio se estiverem em comparação duas situações equiparáveis, a qual se tenha dado tratamento diferente ou de situações diferentes às quais se tenha dado tratamento igual.

No presente processo, apesar de referir-se que o crime foi perpetrado por cinco indivíduos, apenas foi possível localizar um, no caso concreto, o aqui Recorrente.

Logo, não se vislumbra de que modo possa ter sido o Recorrente prejudicado, privilegiado ou privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever, quando comparado a outrem em iguais circunstâncias, em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 23.º da Constituição da República de Angola (CRA).

O que leva este Tribunal a concluir que não houve ofensa ao princípio da igualdade no Acórdão recorrido.

  1. Sobre a ofensa ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva

O acesso ao direito e aos tribunais é um dos princípios do regime geral dos direitos fundamentais, e garante a todos os cidadãos o direito de recorrer aos tribunais independentemente da sua condição económica, garantindo-lhe a lei o acesso ao patrocínio judiciário.

Este princípio também pressupõe o acesso a todos à informação e consulta jurídica, e ao segredo de justiça de forma a garantir a eficácia da investigação criminal e de assegurar a imparcialidade do processo e do julgamento.

Portanto, não se verifica qualquer violação a este princípio, pois, o Recorrente em todas as fases do processo, teve acesso à justiça, por intermédio dos seus mandatários legais que foram bastante interventivos na defesa dos seus direitos, fosse por meio de contestação, reclamações e recursos.

  1. Sobre a violação ao direito a julgamento justo, célere e conforme a lei 

O direito a julgamento justo é um pressuposto do Estado democrático de direito e uma garantia que pressupõe a existência de uma administração da justiça funcional, imparcial e independente.

Este princípio constitucional tem como objectivo assegurar um julgamento justo, cujo processo seja equitativo, capaz de garantir a justiça substantiva e uma decisão dentro de um prazo razoável, respeitando os procedimentos judiciais, tais como a celeridade e prioridade de modo a obter a tutela efectiva em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos.

O julgamento justo pressupõe, ainda, a garantia ao arguido do respeito aos princípios da imparcialidade, da independência e da equidade com o tratamento das partes e seus representantes de maneira formalmente igual, pelos tribunais.

Não resulta dos autos qualquer atropelo deste princípio constitucional, sendo que, quanto ao julgamento célere, há que ter em conta o princípio da razoabilidade, de forma a não comprometer a descoberta da verdade material, sendo de realçar no caso concreto, que o aqui Recorrente foi detido aos 28 de Janeiro de 2016 e condenado em primeira instância aos 23 de Dezembro de 2016, tendo sido a decisão recorrida regida pela lei penal e demais diplomas legais aplicáveis.

Pelo que este Tribunal conclui que não há neste processo qualquer inconstitucionalidade por violação ao direito do Recorrente a julgamento justo, célere e conforme a lei.

  1. Sobre a violação da proibição da reformatio in pejus

O artigo 667.º do Código de Processo Penal (CPP) vigente à data dos factos (2016), dispõe que “Interposto recurso ordinário de uma sentença ou acórdão somente pelo réu, pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, ou pelo réu e pelo Ministério Público nesse exclusivo interesse, o tribunal superior não pode, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrente:

1.º Aplicar pena que, pela espécie ou pela medida, deva considerar-se mais grave do que a constante da decisão recorrida”. (…)

Ora, dos presentes autos resulta claro que tanto o Recorrente, como o Ministério Público, interpuseram recurso do Acórdão proferido pela 13.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, tendo o Ministério Público recorrido por imperativo legal (fls. 181), e não no exclusivo interesse do Recorrente, o que, de imediato, afasta a aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

O Recorrente foi acusado, pronunciado e condenado pela prática do crime de roubo concorrendo com violação, previsto e punível nos termos do artigo 434.º do Código Penal então vigente, que estatui como pena aplicável de prisão maior de 20 a 24 anos, pelo que pôde defender-se durante todo o processo do crime de que vinha imputado. Foi também notificado do Despacho de admissão do recurso interposto pelo Ministério Público (conforme fls. 192 e verso, e 197).

Deste modo, o Tribunal Constitucional considera que não se vislumbra no Acórdão recorrido qualquer violação ao princípio da proibição da reformatio in pejus.

Concluindo, o Recorrente carece de razão na pretensão de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, não tendo sido cometido pelo Tribunal ad quem quaisquer ofensas a princípios ou violações a direitos previstos na Constituição, que inquinem o Acórdão recorrido.

DECIDINDO 

Nestes termos, 

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas, nos termos da segunda parte do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

 

Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 25 de Agosto de 2021. 

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS 

 

Dra. Laurinda Jacinto Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d’A. B. da Silva

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Relatora)