ACÓRDÃO N.º 693/2021
PROCESSO N.º 797-A/2020
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Marleny Carvalho Diogo, melhor identificada nos autos, veio ao Tribunal Constitucional impetrar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, datado de 30 de Agosto de 2018.
Admitido o recurso e notificado para apresentar alegações em observância ao disposto no artigo 45.º, Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, da Lei do Processo Constitucional (LPC), fê-lo, conforme se vê a fls. 165 a 169 dos autos, alegando que:
Terminou pedindo inteiro provimento ao presente recurso e por via dele que se revogue o Acórdão recorrido por estar desconforme com a Constituição, designadamente, por violação dos seguintes princípios e direitos com dignidade constitucional:
i) Princípio da legalidade, artigo 6.º da Constituição da República de Angola (CRA);
ii) Direito ao julgamento justo e conforme, nos termos do artigo 72.º da CRA.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.° da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos. Esta faculdade está igualmente prevista na alínea m), do artigo 16.° da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, (LOTC). A decisão proferida pelo Tribunal Supremo esgota a cadeia recursória em sede da jurisdição comum.
III. LEGITIMIDADE
A Recorrente é parte vencida no Proc. n.º 622/17, que correu seus trâmites na Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, na sequência da acção de despedimento por justa causa, proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda. Tem direito a contradizer, segundo dispõe o n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional por força do artigo 2.º da LPC.
A legitimidade para interpôr o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, cabe-lhe, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é saber se o Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, datado de 30 de Agosto de 2018, proferido no Proc. n.º 622/17, terá alegadamente incorrido em inconstitucionalidade, violando os direitos fundamentais da Recorrente, a saber: princípio da legalidade e direito a um julgamento justo e conforme.
V. APRECIANDO
Em primeira nota, é mister pontuar que, a função do Tribunal Constitucional, se reporta única e exclusivamente à constitucionalidade do Acórdão objecto de sindicância e por esta razão, condicionado à adentrar no mérito da questão tratada em sede quer da 1ª, como da 2ª instância. Ou seja, compete apenas, verificar a existência de alegada violação de princípios e direitos com dignidade constitucional cabíveis à Recorrente, pois, não é este Tribunal uma 3ª instância recursória em matéria de competência de jurisdição comum.
A Recorrente é parte vencida no Processo n.º 622/17, decidido pela Câmara de Trabalho do Tribunal Supremo, na sequência da acção de despedimento por justa causa, proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda.
No caso sub judice a questão de fundo prende-se em saber se o Acórdão recorrido violou ou não a Constituição, ou dito de outro modo, os lídimos direitos da Recorrente, quando refere a fls. 135 dos autos que, “Deverá a Apelada pagar à Apelante o valor correspondente a nove salários de base, nos termos do n.º 3 do art.º 229.º da LGT e, porque do nosso ponto de vista, o litígio criou uma situação que desaconselha a reintegração da Apelante, deverá a Apelada pagar também àquela uma indemnização por antiguidade correspondente a três salários de base, nos termos da conjugação dos artigos 265.º, n.º 267.º ”. Sem olvidar os pontos 7 e 8 das suas alegações onde refere que, “No caso sub judice não houve procedimento disciplinar. Por conseguinte, o procedimento disciplinar assumido pelo acórdão em questão, nunca podia ser qualificado como improcedente. Mas sim como ferido de nulidade. Com todas as consequências que a lei aplicável fazia decorrer dessa situação. Designadamente as de o empregador ser condenado a proceder à reintegração do trabalhador e pagar-lhe os salários e complementos que este deixou de receber até a reintegração, vide n.º 3 do artigo 228.º “
São na verdade estas duas questões, que traz a Recorrente a este Tribunal alegando que, o Acórdão recorrido violou princípios e normas com dignidade constitucional, a saber; o princípio da legalidade e o direito a um julgamento justo e conforme.
Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade apanágio do Estado democrático de direito, reflecte que, todos os actos praticados pelo Estado e entidades privadas, devem gozar conformidade com a Constituição e a lei. O referido princípio, constitui em si o abonador da manutenção do Estado de direito, o garante da materialização plena da justiça. Logo, a violação ao princípio da legalidade só conhece termos, se, os actos praticados inobservarem o disposto na Constituição e na lei.
No Estado democrático de direito, não se permite falar em actos que não respeitem os comandos normativos, há toda uma construção constitucional e legal, em perseguir ao rigor o estabelecido na norma, quer no plano constitucional como infraconstitucional.
O legislador constituinte de 2010, cuidou no artigo 76.º da CRA de elencar o direito ao trabalho como um direito fundamental de 2ª dimensão, assentando aqui o chamado princípio da estabilidade de emprego, ou seja, uma protecção constitucional do direito ao trabalho. Desde logo, a referida norma da Constituição, ressalta no n.º 4, que “O despedimento sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei “. Por sua vez, o legislador ordinário, acompanhando aquela disposição constitucional refere no n.º 1 do artigo 211.º da LGT que, “ O trabalhador tem direito a estabilidade de emprego, sendo proibido ao empregador extinguir a relação jurídico-laboral, com cessação do contrato de trabalho, por fundamentos não previstos na lei ou com inobservância das disposições deste capítulo”. A legalidade dos actos praticados na relação jurídico-laboral deve obedecer aos princípios constitucionais e legais e com eles gozar conformidade.
A liberdade contratual, evocada no artigo 405.º do Código Civil (CC), estabelece que as partes são livres de “fixar livremente o conteúdo dos contratos”, condicionada esta liberdade aos parâmetros legais existentes, in casu, a Lei n.º 2/2000, de 11 de Fevereiro, antiga Lei Geral do Trabalho (LGT), diploma em vigor à data da presente relação jurídica laboral.
A fls. 168 dos autos, a Recorrente evoca a violação do princípio da legalidade, na medida em que, de seu juízo, o despedimento disciplinar assumido pelo acórdão recorrido nunca podia ser qualificado como improcedente mas, sim como ferido de nulidade. Não seria despiciendo lembrar que, entre a Recorrente e a entidade empregadora in casu, a Empresa Maxi Desconto, foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, quando deveria ser por tempo indeterminado, considerando o disposto na LGT no seu artigo 15.º.
Impõe-se sublinhar, que aos Tribunais cabe pautar todos os seus actos, ao rigor estabelecido na norma, aliás, coberto da parte A do artigo 664.º do Código de Processo Civil (CPC), “O Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”, sendo certo que, não julgue extra petita. Nestes termos, o que se deve pedir é, que, a decisão dos Tribunais esteja munida da competente fundamentação, para que se consiga apreender a posição adoptada.
O princípio da estabilidade do emprego que encontra a sua dignidade constitucional no artigo 76.º da CRA, foi beliscado, na medida em que o contrato a priori celebrado, incorreu na violação do artigo 14.º da então LGT, cuja voluntas legis, resvalava para a contratação por tempo indeterminado.
Segundo o entendimento desta Corte, grosso modo, o Acórdão recorrido andou bem sobretudo na dignidade que conferiu ao real nomem do contrato da relação jurídico- laboral existente entre as partes, alterando para a tipologia de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em obediência à LGT.
A fls. 169 dos autos, a Recorrente defende, “que o despedimento deveria ser considerado nulo e o empregador, ser condenado a proceder a reintegração do trabalhador e pagar-lhe os salários e complementos que este deixou de receber até à reintegração nos termos do n.º 3 do artigo 228.º”. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 228.º da LGT, o despedimento é nulo sempre que ao trabalhador não seja remetida ou entregue a convocação para a entrevista, a que se refere o n.º 2 do artigo 47.º sempre que esta se não realize por culpa do empregador ou sempre que ao trabalhador não seja dada a comunicação de despedimento nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do mesmo diploma.
Em face disso, este Tribunal subscreve o entendimento do Acórdão recorrido, de que é um despedimento disciplinar sem justa causa e por isso improcedente.
O Acórdão recorrido defende a fls. 135 dos autos, “que é um despedimento disciplinar, sem justa causa, que nos conduz a improcedência, nos termos do artigo 229.º da LGT”. Em obediência ao artigo 228.º da LGT, no despedimento nulo, está em causa o cumprimento rigoroso e obrigatório de formalismos prévios sempre que couber uma medida disciplinar, ao passo que no despedimento improcedente, chama à vista o fundamento exíguo utilizado para despedir o trabalhador. Dito de outro modo, no despedimento improcedente, não há razão que sustente o despedimento.
Nos mesmos termos em que afirmou o acórdão recorrido, não se pode evocar a caducidade in casu, porquanto, o fundamento evocado pela entidade empregadora, foi a caducidade do Contrato de Trabalho, não produzindo esta quaisquer efeitos.
No que diz respeito à reintegração da Recorrente, o Tribunal Constitucional considera que a deixa do Acórdão recorrido não deve ser entendido como um imperativo, mas, como uma pedagogia que o Tribunal pode igualmente fazer, cabendo agora às partes, acatar ou não. Se se preferir, dito por outras palavras, é uma frase que em nada prejudica a liberdade de escolha da Recorrente e do empregador, de voltarem ao vínculo jurídico-laboral ab initio, porquanto, por assim decorrer da lei é esta uma faculdade que cabe às partes somente, o qual refere o n.º 1 do artigo 229.º da LGT “Se o Tribunal declarar o despedimento improcedente, por sentença transitada em julgado, deve o empregador proceder à reintegração imediata do trabalhador no posto de trabalho, com as condições de que beneficiava anteriormente ou, em alternativa, indemniza-lo nos termos estabelecidos no artigo 265.º ”
Este posicionamento, destinou-se a proteger, salvaguardar os direitos da Recorrente nesta relação jurídico-laboral, que se mostrava desconforme em atenção ao princípio da legalidade. Este Tribunal julga pois, não existir violação do princípio da legalidade nos termos da Constituição e da lei.
Violação do direito ao julgamento justo e conforme, nos termos do artigo 72.º da CRA
A Recorrente alega ainda, que todas as questões evocadas, violaram o seu direito a um julgamento justo e conforme. Este direito ao julgamento justo e conforme, mereceu dignidade constitucional, no artigo 72.º ainda dentro da 1ª geração de direitos fundamentais, os também chamados direitos de defesa.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) cuidou no seu artigo 8.º, em consagrar de igual modo, o artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), que trouxe de forma mais enfática o entendimento de um julgamento justo e conforme. Quer o disposto na DUDH como o CADHP, foram absorvidos pelo legislador constituinte angolano à luz do princípio da cláusula aberta, disposto no artigo 26.º da Constituição.
Conforme Gomes Canotilho “Do princípio do Estado de direito deduz-se, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito”, e esta realização do direito, subsume-se também a equidade das decisões judiciais. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Pág. 494).
A justeza e conformidade do julgamento tem que ver com o princípio de igualdade de armas, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, que em sede de uma interpretação extensiva, vão todos resvalar no princípio da legalidade. A Recorrente teve a todo tempo o direito de participar em todas as fases do processo, até à decisão, tendo igualdade de tratamento.
Como se pode depreender de tudo quanto se aflorou acima, o Tribunal Constitucional não vislumbra a sobredita violação de direitos, liberdades e garantias fundamentais da Recorrente.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.º da LPC.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 7 de Setembro de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Jacinto Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima A. B. da Silva
Dra. Victória Manuel da Silva Izata