ACÓRDÃO N.º 703/2021
PROCESSO N.º 887-A/2021
(Aclaração do Acórdão n.º 700/2021)
Em nome do Povo, acordam em Conferência no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
A UNITA, Partido Político representado pelo seu Presidente, Isaías Henrique Gola Samacuva, apresentou a este Tribunal o pedido de aclaração (que designou por elucidação) do Acórdão n.º 700/2021, proferido a 5 de Outubro de 2021 no âmbito do presente Processo n.º 887-A/2021, em que foi dado provimento ao pedido dos Requerentes de nulidade da candidatura de Adalberto Costa Júnior e, em consequência, foi declarado nulo o XIII Congresso Ordinário da UNITA de 2019, por violação da Constituição, da Lei dos Partidos Políticos e dos Estatutos de 2015 do referido ente partidário.
O Requerido, no seu pedido de aclaração, veio apresentar as seguintes questões de razão:
Os Requerentes, notificados para se pronunciarem em sede do pedido de aclaração, vieram expor o seguinte:
Os Requerentes terminam requerendo o deferimento da aclaração.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Não sendo esta aclaração complexa nem de difícil decisão, prescindiu-se dos vistos legais, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 716.º do Código de Processo Civil (CPC).
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 700/2021, cuja aclaração foi solicitada pelo Partido Político UNITA, por subscrição do seu Presidente Isaías Henrique Gola Samacuva, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 666.º e da alínea a) do artigo 669.º, ambos do CPC, aplicável em virtude do previsto no artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC). Este Tribunal tem, assim, competência para decidir o presente pedido de aclaração.
III. LEGITIMIDADE
O Partido Político UNITA é Requerido no Processo n.º 887-A/2021, em que foi prolactado o Acórdão n.º 700/2021, pelo que tem legitimidade para requerer a aclaração da referida decisão jurisdicionalmente proferida.
IV. OBJECTO
O objecto do presente pedido de aclaração é a verificação da existência ou não de dúvidas na decisão proferida, com vista ao seu esclarecimento com base na Constituição, na Lei e nos Estatutos da UNITA aprovados no XII Congresso Ordinário de 2015.
V. APRECIANDO
O Partido Político UNITA veio requerer a aclaração com base na apresentação de um conjunto de questões relativas ao Acórdão n.º 700/2021, que não foram objecto de fundamentação e de decisão devido ao escopo das matérias de inelegibilidade, prazos de apresentação e apuramento de candidaturas, competência do Comité Permanente da Comissão Política para aprovar candidaturas e regulação legal de prazos do XIII Congresso Ordinário de 2019 que estavam em causa no Processo n.º 887/2021.
Neste pedido de aclaração, as questões prendem-se com o sentido e alcance da decisão que declarou sem efeito o XIII Congresso de 2019 e os ulteriores actos administrativos praticados pela direcção declarada ilegítima, a natureza jurídica do mandato dos órgãos saídos do XII Congresso Ordinário de 2015, a espécie de competência dos órgãos eleitos no referido conclave e a duração do mandato da actual direcção do Partido Político.
Antes de adentrar no esclarecimento das dúvidas acima descritas, este Tribunal considera importante referir que, por excepção à regra de todos os órgãos jurisdicionais se vincularem às suas próprias decisões, a lei angolana, precisamente o n.º 2 do artigo 666.º do CPC, admite que seja feita aclaração sempre que houver competente pedido neste sentido.
A aclaração é justificável, pois, tendo qualquer sentença como finalidade resolver e decidir o conjunto da matéria controvertida, este objectivo não seria alcançado se, devido aos fundamentos da decisão, ficassem por se esclarecer algumas questões correlacionadas à decisão.
Assim, conforme explica Fernando Amâncio Ferreira, o pedido de aclaração não corresponde a uma impugnação de uma decisão proferida jurisdicionalmente nem a uma indagação da legalidade ou constitucionalidade da justiça feita, mas antes visa levar um tribunal a alinhar o conteúdo de um acórdão com o que pretendia dizer ou fazer ou com o que deixou efectivamente de dizer ou fazer (in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 52).
Desta feita, as supracitadas questões apresentadas pelo Requerido passam a merecer a seguinte aclaração:
a) Sobre os efeitos da nulidade que afectou o XIII Congresso Ordinário de 2019
O Requerido vem questionar se, com a declaração de nulidade do processo de candidaturas, que tornou sem efeito o XIII Congresso Ordinário, afectando os ulteriores actos praticados na eleição e nomeação dos órgãos singulares da UNITA, os contratos, acordos e outros actos administrativos de gestão corrente praticados pela direcção ilegítima foram também afectados.
Ora, ao regime jurídico dos processos relativos a Partidos Políticos e coligações consagrado na Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) aplica-se o princípio da subsidiariedade do direito processual civil, por força do artigo 2.º da LPC, para permitir que este Tribunal tramite e profira decisões baseadas em pressupostos legais.
Para o esclarecimento da dúvida manifestada pelo Requerido, é importante distinguir o efeito da declaração de nulidade quanto às deliberações e actos político-partidários do efeito da declaração de nulidade quanto às acções e decisões de gestão administrativa-partidária.
O critério de distinção supra referido visa fazer respeitar, por um lado, as matérias abrangidas pelo poder de apreciação jurisdicional deste Tribunal e, por outro, as matérias abrangidas pela gestão administrativa do Partido, nos termos do n.º 4 do artigo 20.º, do artigo 21.º e do n.º 2 do artigo 29.º, todos da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP).
No concernente aos actos e deliberações de carácter político, o efeito da nulidade declarada afecta a validade dos cargos de Vice-Presidentes, Secretário Geral e Secretário Geral Adjunto, dos membros do Executivo Nacional do Partido, dos Secretários Provinciais e dos titulares dos demais órgãos que tenham sido ilicitamente eleitos pela Comissão Política instituída pelo XIII Congresso de 2019 declarado sem efeito ou que tenham sido nomeados pelo presidente ilegítimo.
Relativamente ao efeito da declaração de nulidade sobre as acções e decisões administrativas, importa considerar que os contratos, acordos e outros actos de gestão corrente são actos de sequência principal praticados devido à presença dos órgãos do XIII Congresso Ordinário na administração do Partido Político durante aquele período.
José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto clarificam que ao determinar a nulidade dos actos (“termos”) subsequentes que dependam absolutamente do acto nulo, o n.º 2 [do artigo 201.º do CPC], na sua primeira parte, implica que a nulidade verificada no âmbito de uma sequência processual que apareça como anómala em face da sequência principal (…) ou dela seja de algum modo autonomizada por efeito do seu desdobramento (…) não se transmite aos actos da sequência principal (…). In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 337.
Este entendimento de delimitação do efeito da nulidade é igualmente identificado quando tenham sido celebrados negócios jurídicos que respeitem a bens móveis ou imóveis, em que a lei acautela direitos adquiridos por terceiros de boa-fé, nos termos e para efeitos do n.º 1 do artigo 291.º do Código Civil (CC), e na regra da redução do negócio jurídico prevista no artigo 292.º do CC, segundo a qual a nulidade não determina a invalidade de todo o negócio, isto é, de toda a prática da autoria dos órgãos afectados.
Uma vez que os órgãos singulares e colegiais acima referidos da UNITA dependiam directa e absolutamente da legalidade do presidente jurisdicionalmente considerado ilegítimo e da licitude do conclave declarado sem efeito, dúvidas não persistem quanto à fundamentação de que o efeito da declaração da nulidade abrange todos os actos e decisões do Partido Político, reservando-se, contudo, à actual direcção a prerrogativa de analisar e decidir sobre os contratos, acordos e actos administrativos que foram praticados, nos termos do n.º 2 do artigo 201.º do CPC e dos artigos 291.º e 292.º do CC.
b) Sobre a natureza do mandato saído do XII Congresso Ordinário de 2015
O Requerido vem referir que o Tribunal Constitucional decidiu que se mantenha a ordem de composição, competência, organização e funcionamento saída da direcção central eleita no XII Congresso Ordinário de 2015, porém apresenta dúvidas quanto à natureza jurídica do mandato ora outorgado à direcção central do Partido Político UNITA.
A doutrina do direito civil considera que existem várias figuras jurídicas de mandato, inclusive o mandato com representação ou mandato representativo, em que o mandatário fica obrigado a agir não apenas por conta do mandante mas também em nome dele. Para o efeito, receberá em regra o mandatário do mandante, através de procuração, poderes para o representar. Muito embora a lei (…) contenha uma espécie de presunção de que o mandato é representativo se a sua conclusão tiver sido acompanhada da outorga de procuração pelo mandante ao mandatário, e pareça, na sua letra, associar o mandato com representação à existência de procuração válida, não se afigura necessário que assim seja. In. Ana Prata, com a colaboração de Jorge Carvalho, Dicionário Jurídico - Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária, Volume I, 5.ª Edição, 2.ª Reimpressão, Almedina, 2009, págs. 902-903,
A natureza jurídica do mandato dos órgãos dos partidos políticos tem que ver com o padrão ou leque de características que o identificam como sendo de uma categoria ou espécie de direito, pelo que é indispensável que tal natureza jurídica seja analisada quanto ao seu enquadramento numa categoria de fontes do direito do mandato, nomeadamente a fonte histórico-temporal (legitimidade histórica do mandato), a fonte legislativa (legitimidade baseada na norma de lei especial), a fonte de decisão judicial (legitimidade por designação jurisdicional dos órgãos do partido), a fonte estatutária (legitimidade baseada nos estatutos) ou a fonte de costumes socio-políticos (legitimidade fundada nos hábitos e costumes de natureza política).
No caso em concreto, o Acórdão n.º 700/2021 não conferiu nenhum outro novo mandato ao Partido Político UNITA. Os órgãos de direcção passaram a deter o mandato ex proprio iure decorrente do XII Congresso Ordinário de 2015.
Assim, resulta importante o Tribunal Constitucional aclarar que o mandato da actual direcção da UNITA tem a natureza jurídica de um direito estatutário efectivo, que emana da eleição dos seus órgãos no Congresso válido de 2015.
c) Sobre a espécie de competência dos órgãos saídos do XII Congresso de 2015
O Requerido vem, também, pedir aclaração sobre a legitimidade de exercer todas as competências que os Estatutos e a lei conferem aos órgãos de direcção dos Partidos Políticos no Estado democrático de direito.
De acordo com a Constituição e a Lei dos Partidos Políticos em vigor, as instituições partidárias são associações ou organizações de cidadãos, de carácter permanente e autónomas, constituídas com o objectivo fundamental de participar democraticamente na vida política do país, concorrer em torno de um projecto de sociedade e de programa político para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, de acordo com a Lei Fundamental, as leis ordinárias, os estatutos e programas.
Com vista a atingir os fins acima mencionados e que vêm consagrados no n.º 1 do artigo 17.º da CRA e nos artigos 1.º e 2.º da LPP, os órgãos dos Partidos Políticos têm a legitimidade de exercer todas as competências, sem excepção, previstas nos seus estatutos e demais diplomas aplicáveis.
O Tribunal Constitucional anotou os actos, as deliberações, os órgãos eleitos e os Estatutos aprovados no XII Congresso Ordinário realizado de 3 a 5 de Dezembro de 2015, conforme comprovam o Diário da República, III Série n.º 92, de 18 de Maio de 2016, e o Despacho n.º 2/16, de 17 de Maio, publicado no Diário da República, I Série n.º 76, de 17 de Maio, pelo que a actual direcção tem o regime de absoluta normalidade institucional e não possui o carácter de uma mera comissão de gestão do Partido UNITA.
Tendo em linha de consideração que os supra referidos órgãos decorrentes do Congresso de 2015 já se encontram em funções, os Estatutos da UNITA e a Lei tornam evidente que a legitimidade da actual direcção central é plena para efeitos do exercício de todas as suas competências.
O Requerido vem, por último, solicitar a aclaração da duração do mandato da actual direcção saída do XII Congresso Ordinário de 2015.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou em processos relativos a partidos políticos e coligações sobre o facto de os órgãos principais dos partidos políticos poderem exercer funções com a plenitude de poderes para além do período estabelecido de duração do mandato, conforme jurisprudência do Acórdão n.º 429/2017, de 25 de Abril e do Acórdão n.º 681/2021, de 25 de Maio. A razão desta fundamentação deriva da realidade dos estatutos dos partidos políticos, regra geral, acautelarem esta situação.
Os Estatutos aprovados em 2015 pela UNITA estabelecem, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 50.º, que o mandato do Presidente do Partido inicia com a sua eleição e investidura em Congresso e termina com a eleição e investidura do novo Presidente eleito.
Deste modo, o mandato dos actuais órgãos deliberativos e executivos do Partido Político UNITA cessa apenas com a eleição e tomada de posse do novo Presidente e demais órgãos de direcção, sem prejuízo da observância do período de sete (7) anos a contar do último registo da renovação válida dos órgãos de direcção central, sob pena de extinção, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA, do artigo 8.º e da alínea d) do n.º 4 do artigo 33.º, ambos da LPP e do artigo 50.º dos Estatutos de Dezembro de 2015.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Novembro de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Maria de Fátima Lima d´A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata