ACÓRDÃO N.º 705/2021
PROCESSO N.º 835 -C/2020
(Aclaração do Acórdão n.º 659/2020)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Augusto do Nascimento Domingos e Domingos Álvaro Janota Canjila, melhor identificados nos autos, viram ao Tribunal Constitucional requerer Aclaração, do Acórdão n.º 659/2020, de 22 de Dezembro, deste Tribunal, decidido no Processo n.º 835 -C/2020.
O requerimento de Aclaração enuncia os seguintes fundamentos:
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer do presente pedido de Aclaração por força do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicado subsidiariamente ao processo constitucional ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. LEGITIMIDADE
O Acórdão n.º 659/2020 negou provimento ao Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade interposto pelos Recorrentes, mantendo o acórdão recorrido. Nestes termos têm os Recorrentes legitimidade para solicitarem a presente Aclaração, por serem parte vencida no processo, em observância à alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente pedido de Aclaração é verificar a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão tomada pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º 659/2020, datado de 22 de Dezembro.
V. APRECIANDO
Os Recorrentes vêm requerer a este Tribunal a Aclaração do acórdão 659/2021, que manteve o Acórdão recorrido do Tribunal Supremo, por gozar de harmonia com o espírito e letra da CRA.
Com fundamento no enunciado do disposto no artigo 669.º CPC que aqui se transcreve, “ Pode qualquer das partes requerer no Tribunal que proferiu a sentença;
O pedido de Aclaração de Acórdão deve expressar à luz da norma sobredita, as alegadas ambiguidades ou obscuridades que dificultam a compreensão dos fundamentos evocados. Pede-se aclaração para desmistificar os pontos imprecisos do Acórdão. Só assim, o Tribunal estaria em condições de aclarar nos reais termos em que se requer. O pedido de aclaração não pode resultar de um mero exercício para se ter uma reapreciação do pedido.
Do que se depreende do requerimento dos Recorrentes, em nada sublinham como obscuridade ou ambiguidade do Acórdão, mas sim, o entendimento contrário sobre os prazos de prisão preventiva à luz da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP) pós condenação em primeira instância, conforme o seu pedido:
“Sucede, porém que tendo interposto o presente recurso com fundamento na inconstitucionalidade em virtude da excessiva prisão preventiva em que se encontram, há mais de vinte e dois (22) meses, estando vencidos todos os prazos legalmente previstos e inexistindo prazo legal de prisão preventiva após a prolação da sentença condenatória, ou seja, não previsão legal do prazo de prisão preventiva em fase de recurso ou em segunda instância”. (fls. 103 dos autos).
O que em concreto se depreende do pedido dos Recorrentes é que este Tribunal reaprecie a decisão, na medida em que não apresentaram fundamentos diferentes que lhes valesse o provimento do Acórdão recorrido.
Facilmente se depreende que pretendiam os Recorrentes uma decisão favorável.
Fazendo pedagogia, que também incumbe a esta Corte de justiça constitucional, o que se extrai do pedido de Aclaração dos Recorrentes, entende-se que foi tão bem percebido e por isso mesmo solicitam uma reapreciação como se de uma terceira instância se tratasse. Ora, este Tribunal, não é parte da jurisdição comum, é um Tribunal de especialidade, a quem compete administrar a justiça, mormente em matéria específica à constitucionalidade das normas, nos termos do artigo 181.º da CRA.
A jurisprudência, como ensinam os cânones da ciência jurídica, são as decisões proferidas pelos Tribunais, e estas costumam ser aplicáveis aos casos análogos em juízo. E sobre a matéria vertida no Acórdão, este Tribunal tem Jurisprudência já firmada, a qual retomamos aqui: “No entanto, a jurisprudência firmada no ordenamento jurídico angolano (vide acórdão 485/2018, deste Tribunal), impele-nos a pontuar que em caso de interposição de recurso com efeito suspensivo, suspende-se a decisão e ao arguido é aplicada a medida em que se encontrava à data dos factos antes da prolação da decisão. Se à data da decisão encontrava-se em liberdade, segue em liberdade, mas se estava em prisão preventiva, segue em prisão preventiva como é o caso dos aqui Recorrentes, pois, a interposição de recurso suspende a execução da sentença”.
“Assim, não observamos, nos presentes autos, quaisquer violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da supremacia e da legalidade Constituição, da presunção de inocência, violação da liberdade física, restrição de direitos liberdades e garantias, habeas corpus contra abuso de poder e prisão ilegal, sem olvidar o dever de tutela dos direitos fundamentais, nos termos da Constituição, à qual referem os Recorrentes”.
Foram estes fundamentos que serviram de bússola orientadora do posicionamento adoptado no Acórdão, nos marcos e meandros da Constituição e respectivamente da lei.
Em obediência ao disposto no artigo 11.º da LPC, este Tribunal serve-se do seu poder de cognição para enunciar que a Constituição, ao consagrar a tutela jurisdicional efectiva, defende o acesso facilitado a todos aos Tribunais, celeridade e decisão em tempo útil, igualdade das partes no tratamento das questões a serem apreciadas, sem olvidar a observância de todo o processo assente nos demais actos legislativos em torno dele.
Este acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, alude-se no n.º 4 do artigo 29.º da CRA, que: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. A materialização da tutela jurisdicional efectiva, tem que ver com a acessibilidade aos tribunais em iguais oportunidades de defesa, o direito à dupla jurisdição, mas também com a obtenção de uma decisão alicerçada na justiça e firmada no direito, em obediência à Constituição e à lei, e não pode de modo algum significar a obtenção de uma decisão favorável.
Como já se disse acima, a posição adoptada no Acórdão objecto de Aclaração, é contrária às pretensões dos Recorrentes que auguravam ver o seu pedido deferido.
Os Recorrentes compreenderam tão bem a essência do Acórdão objecto de Aclaração que, a fls. 103 dos autos, retomam os fundamentos iniciais, ou seja, traduzem, o que de seu juízo deveria ter sido a decisão do acórdão aqui referido.
Por outro lado, impõe- se sublinhar que o acórdão objecto de aclaração foi prolactado antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal (CPP), que cuidou em resolver esta questão a volta dos prazos de prisão preventiva havendo condenação em primeira instância. E por isso mesmo, não compete a este Tribunal pelas razões já acima evocadas, adequar a situação de privação de liberdade dos Recorrentes à luz do novo CPP.
A análise do Acórdão em questão, cingiu-se no estrito rigor ao plasmado na Constituição, sem olvidar os documentos internacionais de defesa, protecção e promoção de direitos humanos in casu, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que estabelece no seu artigo 8.º e 10.º que: “Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”. Artigo 10.º “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
A observância de um julgamento justo e conforme a lei, não decorre da mera vontade ou não do julgador, é sim, um imperativo que decorre da Constituição e de documentos internacionais de que Angola seja parte, mas como se disse acima, a decisão teve como fundamento a Jurisprudência já firmada por este Tribunal, sobre aquela matéria em concreto.
Nesta conformidade, não se vislumbram quaisquer, ambiguidades ou obscuridade que torne ininteligível o Acórdão objecto de pedido de aclaração, tão pouco se pode aferir da sua constitucionalidade ou ilegalidade.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.º da LPC.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Novembro de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Dra. Maria de Fátima de Lima d´ A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata