ACÓRDÃO N.º 706/2021
PROCESSO N.º 884-B/2021
ACLARAÇÃO DO ACÓRDÃO N.º 694/2021
Em nome do Povo, acordam os Juízes em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Francys Reginaldo dos Santos Bernardo identificado nos autos, alegando a existência de ambiguidades no Acórdão n.º 694/2021, em sede do Processo n.º 884-B/2021, prolactado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, vem requerer aclaração do referido Acórdão, nos termos da alínea a) do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
No seu requerimento, o Reclamante evidencia as seguintes conclusões:
Termina suscitando resposta e esclarecimento das questões acima enunciadas.
II. OBJECTO
O objecto do presente pedido de aclaração é verificar a alegada existência de ambiguidades na decisão tomada pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º 694/2021, datado de 7 de Setembro.
III. APRECIANDO
O Reclamante foi notificado do Acórdão n.º 694/2021, de 7 de Setembro, pelo que, não se conformando, vem impetrar a esta Corte Constitucional, um pedido de esclarecimento sobre o referido aresto, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 669.º do CPC.
No entanto, é importante ressaltar que o aludido preceito é bastante acurado quanto à “quaestio” que visa proteger, tanto na letra da norma como no seu espírito, em referência ao princípio da limitação do poder jurisdicional uma vez proferida a decisão sobre o mérito da causa, previsto no n.º 1 do artigo 666.º do CPC ou seja, o esclarecimento que se impõe no invocado preceito normativo, dedica-se exclusivamente a permitir que o tribunal que proferiu a decisão a possa rever, no caso da mesma conter alguma “obscuridade ou ambiguidade” e não para corrigir ou alterar o sentido decisório da sentença ou acórdão. Trata-se, no fundo, de uma interpretação do sentido da decisão proferida e não da sua alteração ou da reapreciação do seu mérito.
Compulsados os autos, constata-se que no requerimento de fls. 445 a 448, o Reclamante suscita questões sobre as quais, em bom rigor, o acórdão referido se havia pronunciado de forma clara, com fundamentos suficientemente elucidativos sobre o sentido da decisão. Além do mais, os argumentos vertidos na peça questionada demonstram que o Reclamante, não só compreendeu o sentido e alcance do que foi decidido por este Tribunal, como em contraposição bem rebate os seus fundamentos.
Verifica-se, na realidade, que o Reclamante confunde a circunstância de não compreender a decisão por esta se apresentar confusa ou ambígua, com a circunstância de não estar de acordo com seus parâmetros.
Dito de outro modo, vem referir-se sobre o aspecto de, na sua perspectiva, o Tribunal Constitucional não se dignar apreciar, mesmo tendo competência para o efeito, sobre questões como a qualificação jurídica dos factos imputados e determinação do tipo legal de crime, falta de pronunciamento sobre a questão ligada à descriminalização do crime de furto doméstico e a sua consequente convolação pelo crime de abuso de confiança. Este Tribunal, ao contrário da invocada falta de resposta às indagações do Reclamante, respondeu, como de resto se pode observar ao longo do acórdão, o seguinte:
“ (…) Voltando a questão da determinação ou qualificação do tipo legal de crime, sucede que, a sanção penal, decorre da transposição de um comportamento concreto em desconformidade a uma norma legal, portanto, a tarefa da subsunção desenvolve-se sob a forma de um silogismo, no qual a norma é a premissa maior, o facto (ou conduta) é a premissa menor e o resultado é a sanção.
Todavia, ocorre que essa operação subsuntiva a cargo do julgador e que consiste na interpretação do sentido e termos da norma (in situ) a penal e, contextualizá-la na matriz do sistema a que se integra, não é objecto sindicável no âmbito do presente recurso de inconstitucionalidade, como adiante se irá evidenciar.
Isto é, na medida em que se distingue na decisão revidada, o raciocínio seguido pelo julgador, levando a compreender a convicção que formou, tanto sobre os factos como da sua qualificação jurídico-penal.
Decerto, enunciada em sede do presente recurso, à divergência quanto a correcta subsunção ao direito, dos factos dados como provados, tal não determina ipso facto assacar a inconstitucionalidade do acórdão recorrido, sem que porém, se demonstre ter este aresto violado direitos ou ofendido princípios constitucionais.
Dito de outro modo, é impercetível que o julgamento efectuado tenha sido neste sentido injusto, prendendo-se a decisão recorrida, como de resto se observa, em elementos perfeitamente sustentáveis em razão de mantê-la nos termos proferidos pelo tribunal de primeira instância, considerando que o veredicto em causa, ou seja a determinação do tipo legal de crime, resultou evidentemente do exercício hermenêutico elaborado pelo julgador perante o tipo legal incriminador chamado, no caso, em alusão à factualidade apurada.” (cfr. Pág. 4 a 5).
Uma outra questão levantada pelo Reclamante é de ter considerado que o Tribunal Constitucional foi obscuro e descontextualizado, por ter utilizado desnecessariamente o artigo 60.º da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro – Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.
A este respeito, igualmente, esta Corte pronunciou-se de forma clara, tendo argumentado que “ (…) com a entrada em vigor da nova lei penal… e tendo em atenção o efeito suspensivo do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, caberá à jurisdição comum pronunciar-se sobre as diferentes causas de extinção das penas, tal como das medidas de segurança e do procedimento criminal, de harmonia com o disposto artigo 60.º da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro – Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.” (cfr. Pág. 7).
Outrossim, a referência à norma questionada surge apenas, tendo em atenção a competência em razão da matéria determinada por lei ao Tribunal Constitucional, conforme decorre da própria Constituição, actualmente nos nºs 1 e 2 do artigo 181.º, em decorrência da aprovação da Lei n.º 18/21 de 16 de Agosto, Lei de Revisão Constitucional (LRC), e do artigo 16.º da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), que não contempla de modo algum o acompanhamento ou fiscalização da execução das penas ou decidir sobre as condições da sua execução.
Logo, não se configura confusa ou ambígua a alusão ao referido preceito legal, porquanto, de acordo com os seus termos, é competência dos tribunais de jurisdição comum, designadamente das Salas de execução de penas, aferir a matéria relacionada com as diferentes causas de extinção das penas, de entre elas a alegada existência de lei nova que descriminalize a conduta do condenado, tenha este iniciado ou não o cumprimento da pena.
Do expendido acima, reitera-se que o Reclamante usa do expediente da aclaração como instrumento para alcançar o objectivo da reformulação da decisão, uma vez que as questões suscitadas demonstram, inequivocamente, que o mesmo não está de acordo com a argumentação e o entendimento deste Tribunal, pretendendo a reapreciação do Acórdão em causa, e não como faz crer, que existe obscuridade ou ambiguidade.
Esta pretensão é inconcebível, constitucional e legalmente. Aliás, decorre da jurisprudência recente desta Corte constitucional, o seguinte: “A decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o Juiz quis dizer; por outro lado, é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Não pode, pois, um tal expediente processual, ser utilizado para se obter, por via oblíqua, a modificação do julgado”. (vide Acórdão n.º 690/2021, de 25 de Agosto).
Para o caso vertente, existe uma contradição entre o pedido (que tem a ver com a aclaração), isto é, o sentido da decisão e a causa de pedir (que tem a ver com o mérito da questão). Ou seja, o Reclamante pede aclaração mas socorre-se de um fundamento típico de um recurso, isto é, do respectivo mérito e não do sentido da decisão.
Por esta razão, o Tribunal Constitucional conclui que não existe obscuridade ou ambiguidade no Acórdão n.º 694/2021, cuja aclaração se requer.
O requerimento de aclaração é inepto, pois, contém uma contradição entre o pedido e a causa de pedir, o que, desde logo, constitui fundamento para o indeferimento, nos termos das disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 473.º da alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º, ambos do Código do Processo Civil, ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 3 de Novembro de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Maria de Fátima Lima d´A. B da Silva (Relatora)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata