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ACÓRDÃO N.º 711/2021

PROCESSO N.º 859-C/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 

Em nome do Povo, acordam, os Juízes, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

 Domingas Miranda Sebastião  melhor identificada nos autos, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional, contra a decisão proferida no Acórdão n.º 1743/16, da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que indeferiu o seu pedido de constituição como assistente.

Notificada a Recorrente para apresentar as respectivas alegações e conclusões não o fez.

O processo foi à vista do Ministério Público que concluiu pela procedência do recurso por entender que a constituição como assistente pode ser feita em qualquer altura do processo, devendo aceitá-lo tal e qual como está, sob pena de, como foi o caso, serem violados os princípios vertidos nos artigos 29.º, n.º 1 e 67.º, nºs 1 e 6, ambos da Constituição da República de Angola (CRA), sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) que estabelece o recurso de sentenças que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, pelo que o Plenário do Tribunal Constitucional tem competência para o apreciar.

III. LEGITIMIDADE

De acordo com o pedido da Recorrente, terminada a discussão da causa em primeira instância e antes de prolactado o Acórdão, a Recorrente solicitou a sua constituição como Assistente nos autos, a fim de defender os interesses da sua filha. Tal requerimento não mereceu despacho do Tribunal da 1ª Instância nem do Tribunal Supremo.

Porém, constata-se que, por promoção do Ministério Público, o Juiz da 1.ª Instância indeferiu o pedido de constituição de Assistente, com fundamento no artigo 4.º, § 5.º do Decreto-Lei n.º 35007, de 13 de Outubro de 1945.

Na verdade, a Recorrente, enquanto mãe da ofendida, é parte interessada no Processo de querela n.º 1022/16, que correu seus trâmites na 6.ª Secção da Sala Criminal do Tribunal Provincial de Luanda por crime de violação da sua filha menor e, nessa qualidade, tem o direito de se constituir assistente.

A este respeito, pode ler-se no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 35007, de 13 de Outubro de 1945, que na altura dos factos regia esta matéria, que, nas acções em que o exercício da acção penal seja da competência do Ministério Público, podem constituir-se parte acusadora aqueles a quem a lei confere esse direito, até terminar o prazo para o Ministério Público deduzir acusação, sendo que podem também intervir a qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que estiver, desde que o requeiram cinco dias antes do julgamento se realizar.

Actualmente, a constituição de assistente está regulada no mesmo sentido supra referido, nos artigos 58.º a 62.º do Código do Processo Penal Angolano (CPPA), mantendo-se a mesma exigência de ser feita “até 5 dias antes da audiência de julgamento” e que “só depois de o requerente ser admitido como assistente, e junto o duplicado da guia de depósito da taxa de justiça devida, pode em tal qualidade intervir no processo, que tem de aceitar no estado em que o encontrar” – vide nºs 1 e 4 do artigo 60.º do CPPA.

No caso, a aqui Recorrente requereu a sua constituição como assistente no decurso da audiência de julgamento, merecendo um despacho de indeferimento pela extemporaneidade do seu pedido, pelo que não tinha a faculdade ou legitimidade de recorrer, como se pode constatar da alínea b) do artigo 463.º do CPPA.

Também a jurisprudência estrangeira, nomeadamente a portuguesa, cujas normas são similares as nossas, vai no mesmo sentido, quando afirma que:“…O direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado … no Código de Processo Penal” e “Só uma decisão definitiva de admissão como assistente constitui o requerente em sujeito processual, ao qual, na posição processual de colaborador do MP, são conferidas atribuições … e outros poderes…” – vide Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2011, de 16 de Dezembro de 2010 e Acórdão do STJ de 10.4.2014, Proc. N.º 400/12.3JAAVR.S1.

Este Tribunal entende, pois, que, não tendo a Recorrente requerido a constituição de assistente no prazo legal, não tem legitimidade para ser parte ou sujeito processual com direitos e poderes para recorrer.

Neste contexto, a Recorrente carece de legitimidade para interpor o presente recurso, pelo que, não deveria ter sido admitido.

Entendimento diverso deste Tribunal violaria os princípios da segurança e certeza jurídicas e estar-se-ia a criar uma total anarquia do sistema de justiça, com desrespeito pelas normas que regulam o processo e a violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 105.º da Constituição da República de Angola.

Face ao exposto, o Tribunal Constitucional considera que a Recorrente é parte ilegítima, pelo que se está perante uma excepção dilatória que pode ser conhecida oficiosamente, devendo o Tribunal abster-se de conhecer o pedido, nos termos conjugados dos artigos 494.º e alínea d) do artigo 288.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 2.º da LPC.

O Tribunal recorrido cumpriu escrupulosamente as regras processuais estabelecidas por lei, que devem ser observadas pelos julgadores e pelas partes.

Nestes termos

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em: 

Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.ºda Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 7 de Dezembro de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dra. Maria da Conceição Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d´ A.B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor (Relator) 

Dra. Victória Manuel da Silva Izata