ACÓRDÃO N.º 713/2021
PROCESSO N.º 879- A/2021
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do povo, acordam, os Juízes em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
António Agostinho dos Santos Luís, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do acórdão proferido pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido de habeas corpus, no âmbito do Processo n.º 800/21.
O Recorrente foi acusado, pronunciado e condenado, em primeira instância, a 16 anos de prisão maior, pelo crime homicídio voluntário simples, p.p. pelo artigo 349.º do Código Penal (CP), no pagamento de Kzs. 2 000 000,00 (dois milhões de Kwanzas) à favor dos parentes da vítima, à título de indemnização e, consequentemente, no pagamento de Kzs. 100 000,00 (cem mil Kwanzas) de taxa de justiça.
O Recorrente, inconformado com a decisão do tribunal a quo, interpôs recurso e enquanto aguardava a decisão do Tribunal ad quem, encontrava-se em liberdade.
O Tribunal Supremo confirmou a decisão recorrida. O processo baixou para o tribunal de primeira instância, tendo o juiz daquela instância emitido um despacho, a ordenar a captura do Recorrente, para a execução da decisão do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 2934.
O Recorrente foi detido, porém, o tribunal de primeira instância, não notificou o seu advogado, do acórdão do Tribunal Supremo.
Insatisfeito, interpôs uma providência de habeas corpus, por considerar que a falta de notificação do tribunal a quo, sobre a decisão do tribunal ad quem e o mandado de captura (prisão), sem terem sido esgotados todos os meios de defesa estabelecidos na lei, violaram o disposto no artigo 315.º alínea b) do Código de Processo Penal (CPP) e o artigo 68.º da Constituição da República de Angola (CRA).
O Tribunal Supremo negou provimento ao pedido de habeas corpus, por falta de fundamento, conforme fls. 32 verso, dos autos.
Inconformado com a decisão, o Recorrente, vem junto desta instância, interpor o presente recurso com base nas seguintes alegações:
O Recorrente terminou as alegações, solicitando que seja deferido o requerimento de habeas corpus, que a sua prisão seja declarada inconstitucional e consequentemente, seja ordenada a sua soltura, por violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, no termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”, e do § único do artigo 49.º da LPC.
“O recurso extraordinário de inconstitucionalidade tratado na presente secção só pode ser interposto após prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos”.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “… as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
O Recorrente interpôs a providência de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, tendo o tribunal negado provimento ao pedido, assim sendo tem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos do artigo supra mencionado, e do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade do acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido de habeas corpus, no âmbito do Processo n.º 800/21.
V. APRECIANDO
Tendo por base as alegações apresentadas pelo Recorrente, compete ao Tribunal Constitucional apreciar se efectivamente o tribunal a quo violou princípios constitucionais da legalidade, da ampla defesa e do direito ao recurso, pelo facto de ter ordenado a detenção do Recorrente, sem que houvesse lugar a notificação do seu mandatário e concomitantemente, pelo facto de não ter observado o esgotamento do prazo de 8 (oito) dias, para que o Recorrente, querendo, interpusesse recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
Decorre dos autos, que o Tribunal a quo após a recepção da decisão proferida sobre o recurso, ordenou imediatamente a prisão do aqui Recorrente, sem prévia notificação do mandatário respectivo.
O n.º 1 do artigo 253.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal, por força do § único do artigo 1.º do Código de Processo Penal (CPP vigente à data), estabelece que “As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais…”.
Atento ao disposto no artigo acima mencionado, o tribunal a quo, antes de ter ordenado a captura do Recorrente, para execução da decisão do Tribunal Supremo, deveria notificar o seu mandatário e não já directamente o Recorrente, conforme ocorreu no presente caso.
Consta dos autos que o Recorrente dispõe de mandatário validamente constituído no processo, sendo que o mandato judicial atribui ao mandatário poderes representativos em todos os actos e termos do processo, é a este que, naturalmente, se deveria efectuar a notificação da decisão sobre o recurso.
Como refere Alberto dos Reis “A notificação às partes pode exercer uma função informativa (dar conhecimento dum acto ou dum facto), ou uma função convocatória (chamar a parte a juízo para a prática dum acto). Nesta segunda espécie pode ainda assinalar-se duas variantes, conforme o acto de que se trata seja de carácter pessoal, isto é, só pode ser praticado pela própria parte (depoimento de parte, por exemplo), ou pode ser praticado por intermédio de mandatário. Os artigos 254.º, 255.º e 256.º regulam as formalidades das notificações às partes em processos pendentes. A regra é esta: a notificação é feita, não directamente à parte, mas ao seu mandatário…” Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 359, (de notar que o artigo 254.º do Código em análise, corresponde ao artigo 253.º do CPC angolano).
O Tribunal Constitucional compreende a imposição legal referente a exigência de as notificações serem dirigidas aos defensores, visto que, os mesmos por serem os técnicos em matérias jurídicas lançam mão dos meios ou instrumentos mais adequados, a fim de exercer na plenitude o direito de defesa, constitucionalmente garantido.
Importa ainda salientar que, no caso em concreto, por se tratar de um processo de natureza penal, em que estão em causa aspectos inerentes à liberdade, neste contexto, o mandatário cumpre a função principal de garantir a melhor defesa ao arguido, por via dos instrumentos legais disponíveis.
Portanto, a decisão do tribunal ad quem não encerrava o processo penal em curso, conquanto, ainda tinha a virtualidade de ser impugnada, por via de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, logo, a notificação directa ao réu, aqui Recorrente, sobre a decisão do tribunal ad quem, prescindindo da prévia notificação ao seu defensor constituído, violou o seu direito a ampla defesa, consagrado no n.º 3 do artigo 67.º, o princípio da legalidade, n.º 2 do artigo 6.º, ambos da CRA e o n.º 1 do artigo 253.º do CPC.
Consta dos autos que o tribunal a quo, para além de ter ordenado a execução da decisão do tribunal ad quem sem notificar o mandatário do Recorrente, também não observou o prazo de 8 dias para que o Recorrente, querendo, interpusesse recurso.
Nos termos do n.º 6 do artigo 67.º da CRA, “Qualquer pessoa condenada tem o direito de interpor recurso ordinário ou extraordinário no tribunal competente da decisão contra si proferida em matéria penal…”.
Compulsados os autos, verifica-se que o Recorrente interpôs recurso da decisão proferida pelo tribunal a quo, tendo o tribunal ad quem, confirmando a decisão daquele tribunal.
Não obstante o Recorrente ter esgotado a cadeia recursória ordinária, este ainda gozava da faculdade de recorrer da decisão do Tribunal Supremo, por intermédio do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, consagrado no artigo 49.º da LPC, que uma vez admitido, suspende a execução da decisão do tribunal ad quem.
O tribunal a quo, ao ordenar a detenção do Recorrente, para execução da decisão do tribunal ad quem, antes de terem decorrido 8 (oito) dias, para interposição de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, que é um direito que ainda lhe assistia nos termos da lei, não restam dúvidas de que aquele tribunal, coartou o direito de recurso constitucionalmente garantido, no n.º 6 do artigo 67.º da CRA.
O Recorrente para opor-se à prisão, lançou mão à providência de habeas corpus, visto que a mesma foi ordenada em violação dos ditames legais, configurando-se, desta forma, numa prisão arbitrária.
O Tribunal Constitucional entende que o Recorrente socorreu-se do expediente adequado para opor-se à prisão, que no caso em concreto está eivada de inconstitucionalidade.
Ora, este tribunal considera que o acórdão recorrido andou mal ao ter negado provimento a providência de habeas corpus, o mesmo ignorou e minimizou a violação gritante do direito a ampla defesa, o direito a recurso e o direito à liberdade do Recorrente. Tal facto, autoriza este tribunal a declarar inconstitucional a decisão recorrida, com fundamento no artigo 68.º da CRA, que veda expressis verbis a limitação arbitrária da liberdade dos cidadãos.
De salientar que os fundamentos para o habeas corpus não são apenas os dispostos na lei processual ordinária, mas também e, primacialmente, os vertidos no artigo 68.º da CRA.
Destarte, entende este Tribunal que o Acórdão do Tribunal Supremo é inconstitucional, tendo violado o princípio da legalidade, n.º 2 do artigo 6.º; o direito à ampla defesa, n.º 3 do artigo 67.º, o direito ao recurso, n.º 6 do artigo 67.º; e ainda o direito a julgamento justo e conforme, artigo 72.º, todos da CRA.
Concluindo, o Tribunal Constitucional declara inconstitucional o Acórdão recorrido, e, em consequência os autos devem baixar ao Tribunal Supremo a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da Lei do Processo Constitucional.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Tribunal Constitucional, em Luanda aos 7 de Dezembro de 2021.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Magalhães
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango (Relatora)
Dra. Maria de Fátima de Lima d`A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Victória Manuel da Silva Izata