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ACÓRDÃO N.º 715/2021

 PROCESSO N.º 799-C/2020

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, os Juízes, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Manuel José Domingos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido aos 22 de Novembro de 2018, pela 2.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, nos autos do Processo n.º 1596/2010, que negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Recorrente e, em consequência, revogou a decisão recorrida, proferida pela 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, e absolveu a apelada do pedido, condenando o apelante no pagamento de custas e procuradoria a favor do Cofre Geral da Justiça, que foi fixada em ¼.

O Recorrente intentou e fez seguir uma Acção Declarativa de Condenação contra a EDEL-E.P., Empresa de Distribuição de Electricidade, no pagamento da quantia equivalente, em Kwanzas, a USD 20.000,00 (vinte mil dólares americanos) a título de indemnização resultante de prejuízos materiais e morais, acrescidos de juros legais, por interrupção do fornecimento de energia eléctrica e por um incêndio provocado na sua residência.

O Tribunal em Despacho Saneador-Sentença condenou o ora Recorrente por litigância de má-fé, nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Civil, no pagamento de uma indemnização computada em execução de sentença e igualmente no pagamento dos preparos devidos no processo, das custas do processo, procuradoria e demais encargos legais, em processo que correu termos na 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda.

Inconformado com a decisão, recorreu ao Tribunal Supremo, mas sem o êxito pretendido.

Do acórdão prolactado pelo Tribunal Supremo, mais alta instância da jurisdição comum, recorreu para este Tribunal Constitucional, onde apresentou as suas alegações de recurso, nos termos do artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), concluindo da forma que se reproduz ipsis verbis:

  1. O Tribunal recorrido ao decidir a causa catorze anos depois, denegou a justiça (criou o desvalor material e espiritual da acção) e violou o direito do cidadão ao julgamento justo, célere e conforme a lei, estabelecido nos termos conjugados dos art.ºs 29.º nºs 1, 4, 5 e 72.º da CRA, pelo que, é de justiça que o Egrégio Tribunal Constitucional reconheça a aplicabilidade, no caso “sub judice”, do princípio da responsabilidade do Estado pela violação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão pelo Tribunal recorrido, por força do disposto no n.º 1 do art.º 75.º da CRA.
  2. O Tribunal “ad quem” ao assumir as competências do Tribunal “a quo”, refazendo a decisão (Despacho Saneador-Sentença) que declarou nula, mesmo sob o manto do art.º 715.º do CPC, violou o princípio constitucional da pluralidade de graus de jurisdição, previsto nos termos conjugados dos art.ºs 181.º n.º 1, 5.º e 34.º e 37.º, da Constituição da Republica de Angola, da Lei nº 13/11, de 18 de Março (Lei Orgânica do Tribunal Supremo) e da Lei nº 2/15, de 2 de Fevereiro (Lei Orgânica…Sobre os Tribunais de Jurisdição Comum) e, por consequência, 
  1. Coarctou os direitos e garantias de uma das partes processuais o recorrente, de reagir e ver reapreciados por um tribunal superior de recurso, os novos fundamentos de facto e de direito que deveriam ser aduzidos pelo tribunal “a quo”, revogada a decisão anterior, o que favoreceu a parte contrária, em flagrante violação dos princípios do processo justo, equitativo e da imparcialidade, previstos no n.º 4 do art.º 29.º e 175.º da CRA. 
  1. O Tribunal recorrido, ao negar o direito do consumidor de ser justamente indemnizado por danos materiais e morais causados por impiedosa interrupção de energia elétrica, por oito meses, considerando prova bastante e inquestionável a mera alegação da parte mais forte, de ter já compensado o recorrente, e por danos causados por incêndio provocado pela má ligação dos fios efectuada pela empresa fornecedora de energia eléctrica, violou, designadamente, os princípios fundamentais, de defesa do consumidor e do contraditório previsto nos termos conjugados dos artºs 78.º e 174.º da CRA e 4.º e 6.º da Lei n.º 15/03, de 22 de Junho «Lei de Defesa do Consumidor». 
  1. É ilegal a obrigação que foi imposta ao recorrente de pagar todas as custas do processo até a fase do recurso e, ainda, condenado a pagar custas e procuradoria, por injusta presunção de má fé, contrariando o que vem estabelecido nos termos do art.º 29.º da Lei de Defesa do Consumidor acima referida que diz claramente que não há pagamento de custas, emolumentos, honorários e quaisquer outras despesas, nem condenação do autor, salvo comprovada má fé que, no caso “sub judice”, não existe. 
  1. Julgando em primeira instância, com a nulidade da decisão do tribunal “a quo”, mesmo querendo contornar o princípio a observar em caso de dúvida, “ex vis”, art.º 516.º do CPC, porque neste particular, o julgador só não decidiu à favor do recorrente por razões inexplicáveis, devia, o Tribunal ad quem, pelo menos, admitir o facto na organização da especificação e questionário, tal como estabelece o art.º 511.º idem. Ora, 
  1. Tendo o Tribunal recorrido preferido conhecer apenas questões suscitadas pela Ré, mesmo desacompanhadas de prova, é de suma justiça que o Venerando Tribunal Constitucional declare inconstitucional a decisão, não só por remar contra os princípio da imparcialidade e do processo justo e equitativo referidos acima, mais também por nulidade, nos termos da alínea d), n.º 1 do art.º 668.º idem, ibidem. 
  1. Mais, pede ao Egrégio Tribunal Constitucional que, à luz da prova juntada nos autos, decida sobre o asseguramento do direito do consumidor nos termos do art.º 78.º nºs 2 e 4 da CRA, ordenando que o recorrente seja reembolsado do valor que pagou ilegalmente das custas e preparos, contra o estabelecido no art.º 29.º da Lei n.º 15/03, de 22 de Junho «Lei de Defesa do Consumidor» e indemnizado, sobretudo, por danos materiais e morais causados pela impiedosa interrupção de energia elétrica por oito meses, já que catorze anos depois, a justiça comum não tem e nem terá o mesmo sentido e alcance.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, de “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República de Angola”.

Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.

 III. LEGITIMIDADE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional "as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

O Recorrente foi apelante no processo que correu os seus termos na 2.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, com o número 1596/2010, tendo, por essa razão, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

IV. OBJECTO 

O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é apreciar a constitucionalidade do Acórdão proferido pela 2.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, em 22 de Novembro de 2018, que negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Recorrente, no âmbito do Processo n.º 1596/2010.

V. APRECIANDO

O pedido de declaração de inconstitucionalidade do aresto recorrido assenta sobre as conclusões que, por força do disposto no artigo 690.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao Processo Constitucional ex vi do artigo 2.º da LPC, delimitam as questões a conhecer no presente recurso.

Este Tribunal, ao tratar das questões de constitucionalidades suscitadas, no que ao aresto recorrido diz respeito, terá que necessariamente considerar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do Tribunal ad quem, pois foram estas e apenas estas que aquele Tribunal teve oportunidade de se pronunciar.

O Recorrente, para sustentar o seu pedido de inconstitucionalidade, alegou que o Tribunal ad quem:

  1. Ao decidir a causa catorze anos depois, denegou a justiça e violou o direito do cidadão ao julgamento justo, célere e conforme a lei, estabelecido nos números 1, 4 e 5 do artigo 29.º, conjugado com o artigo 72.º, ambos da CRA;
  2. Ao assumir as competências do Tribunal a quo, refazendo a decisão (Despacho Saneador-Sentença) dessa instância, mesmo sob o manto do artigo 715.º do CPC, violou o princípio constitucional da pluralidade de graus de jurisdição, previsto nos termos conjugados dos artigos 181.º, n.º 1, 5.º, 34.º, 35.º e 37.º da CRA, da Lei nº 13/11, de 18 de Março (Lei Orgânica do Tribunal Supremo) e da Lei nº 2/15, de 2 de Fevereiro (Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento de Tribunais de Jurisdição Comum) e, por consequência, coarctou o seu direito de reagir e submeter o processo à reapreciação de um tribunal superior, em flagrante violação dos princípios do processo justo, equitativo e da imparcialidade, previstos nos artigos 29.º n.º 4 e 175.º da CRA;
  3. Ao negar o direito do consumidor de ser justamente indemnizado por danos materiais e morais causados por impiedosa interrupção de energia eléctrica, por oito meses, violou, designadamente, os princípios fundamentais de defesa do consumidor e do contraditório, previsto nos artigos 78.º e 174º da CRA, e 4.º e 6.º da Lei n.º 15/03, de 22 de Junho - da Defesa do Consumidor.

À parte das inconstitucionalidades suscitadas, o Recorrente reclama a esta jurisdição especializada do facto de ter sido obrigado a pagar preparos, e por ter sido condenado a pagar custas e procuradoria, contrariando o que vem estabelecido no artigo 29.º da Lei n.º 15/03, de 22 de Junho - da Defesa do Consumidor.

Defende ainda que prevalecendo, da parte do Tribunal ad quem, um estado de dúvidas sobre os factos articulados, este deveria proceder a organização da especificação e questionário, tal como estabelece o artigo 511.º do CPC.

Por fim, requer a este Tribunal que seja reembolsado do valor que pagou ilegalmente a título de custas e preparos, e indemnizado, sobretudo, por danos materiais e morais, resultantes da interrupção do fornecimento de energia eléctrica por um período de oito meses.

Antes de mais, não será despiciendo lembrar que o Tribunal Constitucional não pode constituir-se numa terceira instância de recurso da jurisdição comum, pois as competências a si atribuídas estão consagradas nas disposições conjugadas dos artigos 181.º da CRA e 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) (redacção dada pela Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro) e são, as de, no geral, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional. Está vedado ao Tribunal Constitucional, em respeito às normas acima identificadas, conhecer de questões de legalidade ordinária conexas.

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade visa proteger os princípios, direitos e garantias previstos na CRA e tem por objecto as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariam esses princípios, direitos e garantias, conforme o estabelecido no artigo 49.º da LPC. Esta mesma disposição legal consagra o carácter subsidiário do recurso, condicionando-o ao esgotamento prévio das vias de recurso ordinário, o que também traduz a sua natureza excepcional, pois implica que a ofensa ou violação do princípio, direito ou liberdade fundamental não tenha encontrado reparação na jurisdição comum.

Convém verificar, se para o caso sub judice assiste razão ao Recorrente:

  a). Sobre a alegada denegação de justiça e violação do direito ao julgamento justo, célere e conforme a lei

 O Recorrente alega que o Tribunal Supremo, ao decidir a causa depois de decorridos catorze anos, denegou justiça e violou o seu direito a um julgamento justo, célere e conforme a lei, contrariando assim as disposições do artigo 29.º da CRA, que consagra o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva e do artigo 72.º, igualmente da CRA, que estabelece claramente que “A todo o cidadão é reconhecido o direito a julgamento justo, célere e conforme a lei”.

Não é de todo despiciendo aqui referir que uma interpretação literal dessas disposições constitucionais levaria a que a maioria esmagadora das decisões judiciais pudesse ser consideradas inconstitucional, o que certamente não foi a desígnio do legislador constituinte.

É jurisprudência firmada por este Tribunal, no Acórdão n.º 336/2014, que “…. O julgamento justo é aquele que respeita o princípio da igualdade de armas e trata as partes e os seus representantes de maneira formalmente igual”.

Da análise dos autos, verifica-se que o Recorrente dispôs das mesmas armas, das mesmas oportunidades que a contraparte nos autos, mas que teve que esperar cerca de oito anos (e não catorze, como alegado) para que o processo fosse apreciado pelo Tribunal Supremo, o que, de facto, e infelizmente, não é um caso isolado, em face da organização judiciária então existente, que se caracterizava pela existência de um único tribunal de recurso dentro da jurisdição comum, que atendia a demanda de todos os Tribunais Provinciais existentes.

Esta situação ainda acarreta um excesso de trabalho distribuído aos magistrados e funcionários, o que necessariamente determina o atraso no tratamento dos processos, como sucedeu no presente caso. Entretanto, essa morosidade processual é conjuntural, por essa razão, não se lhe pode assacar a consequência de atribuir ao acórdão a inconstitucionalidade alegada. Assim sendo, não se encontra, nos fundamentos e na decisão contida no acórdão recorrido, qualquer ofensa à garantia constitucional a um julgamento célere.

Como referido nas anotações ao artigo 29.º da CRA, de Raul Carlos Vasques Araújo/Elisa Rangel Nunes, “Para a concretização deste preceito constitucional torna-se imperioso que os tribunais estejam próximos dos cidadãos e que a legislação processual possibilite a realização de decisões em tempo útil, a fim de as tornar exequíveis e justas.” In Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, Luanda 2014, Pág. 274.

O esforço de conformação da organização judiciária com à CRA foi materializado com a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 2/15, de 22 de Fevereiro – Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, que passou a estabelecer um novo mapa de organização judiciária, e três categorias de Tribunais de Jurisdição Comum, nomeadamente o Tribunal Supremo, os Tribunais da Relação e os Tribunais de Comarca, visando assim garantir uma maior proximidade dos tribunais de recurso, e dessa forma, maior celeridade processual a este nível.

E não havendo evidências de tratamento desfavorável de uma parte em relação à outra, não se vislumbra, neste caso em concreto, qualquer violação ao direito à tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente, a um julgamento justo, célere e conforme a lei. As partes tiveram a oportunidade de defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, através de um processo jurisdicional equitativo, que respeitou as disposições legais aplicáveis.

b). Sobre a alegada violação do princípio constitucional da pluralidade de graus de jurisdição

Quanto à violação do princípio ao duplo grau de jurisdição, que configura, em geral, o direito que as partes têm de verem as decisões dos seus processos serem julgadas por um tribunal hierarquicamente superior, na organização jurisdicional, àquele que proferiu a decisão, também não se afigura comprovada nos presentes autos.

Tem-se por assente que o tribunal ad quem, lançando mão à previsão do artigo 715.º do Código de Processo Civil (CPC), conheceu do objecto da apelação, depois de declarar a nulidade da decisão proferida em primeira instância, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que a suportam. Isto é, o Tribunal Supremo considerou que estavam reunidos os elementos necessários para proferir uma decisão sobre todas as questões que era lícito resolver pelo tribunal de primeira instância. E fê-lo sem quaisquer hesitações, ao contrário do defendido pelo Recorrente, que defende a existência de um estado de dúvida que justificaria aplicação do disposto no artigo 511.º do CPC, ou seja, a organização da especificação e questionário.

Esta situação não pode configurar a uma supressão de um grau de jurisdição, uma vez que a nível da jurisdição ordinária, o Tribunal Supremo era o único grau de recurso disponível ao ora Recorrente, e estava obrigado, nos termos da CRA, a garantir um julgamento em conformidade com as disposições processuais aplicáveis, incluindo o artigo 715.º do CPC.

Note-se que, no caso concreto, não se poderá alegar que o tribunal a quo, o de primeira instância, deixou de dar tratamento às questões que lhe foram postas. Sucede, porém, que fê-lo de forma imprópria, o que determinou a nulidade da sua decisão.

Ainda a respeito da aplicação do artigo 715.º do CPC, é notório que o ora Recorrente, nas suas alegações do recurso de apelação, requereu claramente a reapreciação da decisão do tribunal a quo, com base na prova já produzida, e não a sua nulidade, pelo que não é defensável a tese de que o desfecho do recurso constitui uma decisão-surpresa. O julgamento feito pelo Tribunal ad quem não se baseou em novos factos ou prova superveniente. Não houve, portanto, renovação dos meios de prova ou produção de nova prova a que o Recorrente não foi possível contestar. O Tribunal formou a sua livre convicção, com base na matéria probatória pré-existente.

c). Sobre a alegada violação do direito do consumidor e ao contraditório

Tendo sido respeitado o princípio do processo justo e equitativo e o ritualismo processual estabelecido pela legislação aplicável, que garantiu que às partes tivessem sido asseguradas as mesmas possibilidades de defesa das suas posições, não pode ser acolhida a tese da violação do direito do consumidor e ao contraditório.

O processo foi julgado com base na matéria probatória junta aos autos, que o Tribunal ad quem considerou ser bastante para tomar a decisão. As partes tiveram oportunidade de deduzir as suas razões, juntar prova, conhecer e contestar a prova da contraparte. A intenção manifesta do Recorrente, nas suas alegações, de ver revista por este Tribunal Constitucional a prova produzida nos autos ou por a considerar insuficiente ou contraditória com os factos que invoca, só seria admissível se se lhe reconhecesse a competência de terceira instância de recurso comum, o que não é, o caso.

Reitera-se que não compete a este Tribunal, considerando a limitação da sua competência à matéria constitucional, proceder, a uma nova apreciação da prova junta aos autos e, verificando que, do texto do aresto em sindicância, não se vislumbra qualquer erro evidente, notório ou grosseiro na apreciação da prova, não pode proceder a alegação da violação do direito a julgamento justo e conforme.

d). Sobre o pagamento de preparos, custas e demais encargos

No que diz respeito ao pagamento de preparos, custas e demais encargos do processo, é notório que o Recorrente não suscitou, em sede de recurso ao Tribunal Supremo, a questão da violação do agora alegado direito de, enquanto consumidor, ser isento dessas despesas, pelo que aquele Tribunal não tinha como se pronunciar sobre este facto, e não pode este Tribunal Constitucional fazê-lo agora, em primeira instância.

De facto, verifica-se que o Recorrente, na sua petição inicial, requereu apenas o pagamento diferido dos preparos, o que foi concedido por Despacho da Meritíssima Juíza de direito do Tribunal a quo de fls. 36. Entretanto, a sentença proferida por este tribunal condenou-o ao pagamento dos preparos devidos, das custas do processo, procuradoria e demais encargos, o que o ora Recorrente cumpriu, conforme se pode verificar de fls. 117 e seguintes. Subidos os autos ao Tribunal Supremo, continuou o Recorrente a pagar os preparos devidos. Quando notificado para examinar, impugnar ou pagar a conta nos autos desse recurso de apelação, requereu, a fls. 224, a suspensão da obrigação do pagamento, com fundamento no efeito suspensivo do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o que foi indeferido por Despacho de fls. 231. Em nenhum momento o Recorrente reclamou a isenção do pagamento de custas, em conformidade com o estabelecido no artigo 29.º da Lei n.º 15/03, de 22 de Julho, – Lei de Defesa do Consumidor.

Por força do que já ficou referido reiteradamente, quanto à competência deste Tribunal, não é nem será possível ao Recorrente, a nível desta jurisdição, obter qualquer decisão sobre os seus pedidos de reembolso ou condenação em pagamento de indemnização por danos materiais e morais.

Aqui chegados, conclui-se que o Recorrente carece de razão na pretensão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, considerando este Tribunal que o aresto recorrido e apreciado não ofendeu ou violou quaisquer princípios, direitos, liberdades e garantias constitucionalmente tuteladas, invocados pelo Recorrente, ou quaisquer outros.

Nestes termos, 

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 8 de Dezembro de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS 

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d’A. B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Relatora)