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ACÓRDÃO N.º 716/2021

PROCESSO N.º 888-B/2021

Recurso para o Plenário

Em nome do Povo, acordam os Juízes, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 I. RELATÓRIO 

Júnior Mateus David, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do despacho proferido pelo Juíz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, transcrito a fls. 8 dos presentes autos, que indeferiu o requerimento de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto pelo ora Recorrente a fls. 2 do Processo n.º 885-C/2021, por este não ter esgotado a cadeia recursória nos Tribunais Comuns.

Efectivamente, a fls. 18 do Processo n.º 885-C/2021 o Juíz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional proferiu o despacho de indeferimento que se transcreve:

“ Este pedido devia antes ser conhecido e decidido na Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, atento ao disposto na alínea a) do artigo 17.º da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro.

Assim sendo, e por força do disposto no artigo 49.º da LPC, vai este pedido indeferido.”

Na verdade, o Recorrente pretendeu com o seu recurso arguir a nulidade do despacho do Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola que negou o seu pedido de dispensa ao estágio da Ordem dos Advogados de Angola, pelo facto de o mesmo ser além de advogado estagiário, docente universitário do curso de direito.

Notificado para apresentar alegações de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), o Recorrente juntou prova do justo impedimento e demandou a reprodução ipsis verbis dos argumentos expendidos no requerimento de recurso para o Plenário como alegações, pelo que se passa a transcrever:

I. QUESTÕES PRÉVIAS

  1. Como Tribunal Superior – vide, artigo 176.º, n.º 1 e 2, alínea a) da CRA – este venerando Tribunal Constitucional tem natureza jurídica de um órgão colegial de jurisdição não-comum e de soberania do Estado Angolano.
  2. Assim, entre os seus demais “Juízes Conselheiros”, o venerando Juiz Conselheiro Presidente desse Tribunal é o “primus inter pares”.
  3. É nessa qualidade de “primus inter pares”, que lhe compete decidir monocraticamente, ou seja, apenas do ponto de vista do direito administrativo, da admissão ou rejeição dos requerimentos – vide artigo 5.º n.º 1 da LPC – quer sejam iniciais, quer de reclamações ou de recursos e outros.
  4. Como Tribunal Superior de natureza colegial este venerando Tribunal Constitucional decide democraticamente e compete ao Juiz Conselheiro Presidente desse Tribunal dirigir os seus trabalhos.
  5. Assim, entende e defende o ora Recorrente que os Despachos do venerando Juiz Conselheiro Presidente desse Tribunal quer sejam de admissão quer de rejeição dos requerimentos têm uma natureza jurídica meramente administrativa.
  6. Não podem, por isso, ter eficácia externa e nem validade jurídica na sua intencionalidade de restringir ou de limitar, bem como na de suspender os direitos à titularidade e ao exercício, pelo ora Recorrente, ao acesso à este Tribunal Constitucional, por tratarem-se de direitos, liberdades e garantias constitucionais – vide artigos 6.º n.º 3, 226.º e 239.º, todos da CRA.
  7. Nessa conformidade, os Despachos do venerando Juiz Conselheiro Presidente desse Tribunal, não podem ter eficácia externa e nem validade jurídica, ainda que fundados, alegadamente, em lei formal, senão em preceitos constitucionais ou legais, mas que sejam conformes à Constituição.
  8. O que decorre do facto desses despachos do venerando Juiz Conselheiro Presidente desse Tribunal, não podem ser susceptíveis de pôr em causa, os preceitos constitucionais previstos tanto no artigo 29.º n.º 1, 4 e 5, quanto no artigo 180.º n.º 1 e 2, alíneas a) e c), 1ª parte, segundo o disposto no artigo 28.º n.º 1 e do artigo 57.º n.º 2 “in fine”, todos da CRA.

II

FUNDAMENTOS

 A. ANTECEDENTES

1.º

Também por via de um simples Despacho, alegadamente, fundado em normas dos Estatutos e do Regulamento de estágio da Ordem dos Advogados- Regulamento independente o digníssimo Bastonário da Ordem dos Advogados negou reconhecer ao ora Recorrente os seus direitos, ambos previamente previstos, desde logo, no texto do então artigo 46.º, n.º3 da Lei Constitucional de 1992- Lei n.º23/92 de 16 de Setembro, 

2.º

Os direitos, designadamente, às liberdades, quer a) de escolha da advocacia, como profissão liberal quer b) do seu exercício

3.º

O Ora Recorrente tem manifestamente os direitos quer de gozar, por via de escolha e quer de exercer a profissão liberal escolhida ou seja a advocacia, ambos previstos no artigo 46.º, n.º3 da Lei Constitucional de 1992

4.º

Tais direitos resultam do facto do Recorrente ser tanto licenciado em direito-vide, os direitos adquiridos à luz da lei da advocacia, então em vigor, dos estatutos da Ordem dos Advogados de Angola e ainda do seu regulamento de estagio,

5.º

Quanto pelo facto de ser antigo docente de curso superior de direito, 

6.º

Bem como pelo facto de ser docente de curso superior de direito

7.º

Os referidos direitos do ora Recorrente, designadamente à liberdade de escolha e de exercício da advocacia são direitos, liberdades e garantias fundamentais

8.º

Cuja regulação-incluindo a sua restrição, limitação ou suspensão, desde então, foram e ainda estão constitucionalmente reservados, em absoluta, à lei formal ou seja a que compete apenas a Assembleia Nacional legislar-vide, artigos 89.º, alínea b), 153.º, nº1 e 165.º da Lei Constitucional de 1992-Lei n.º23/92 de 16 de Setembro e artigo 164.º, alíneas b) e c) da CRA.

9.º

Assim, não pode, a Assembleia Nacional transferir, por isso, ao Governo ou ao Titular do Poder Executivo poderes ou funções legislativas à si reservados pela própria Lei Constitucional de 1992 e pela Constituição de 2010-vide, artigos 89.º, alínea b), 153.º, nº1 e 165º da Lei Constitucional de 1992-Lei nº23/92, de 16 de Setembro, e artigos 164º, alíneas b) e c) e 239.º, ambos da CRA.

10.º

          Sob pena de inconstitucionalidade orgânica, formal e material da respectiva lei ou resolução da Assembleia Nacional,

11.º

Por se violar o princípio da reserva da Constituição, desde então previsto na Lei Constitucional de 1992 e também agora no artigo 105º da CRA,

12.º

Porém, a Assembleia Nacional transferiu ao Governo ou ao Titular do Poder Executivo poderes ou funções legislativas de suprir ou de colmatar lacunas legislativas da Lei da advocacia, entre outras,

13.º

          Assim, inconstitucionalmente, se fez prevalecer o entendimento, segundo o qual, por força dessa transferência de poderes ou funções legislativas o Governo ou ao Executivo passou a ter e poder exercer os poderes legislativos da Assembleia Nacional para restringir, limitar e suspender os referidos direitos, por via de decreto-Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola,

14.º

Como se não bastasse, o Governo ou o Executivo, por sua vez, transferiu também para o Conselho Nacional da Ordem dos Advogados os poderes legislativos recebidos da Assembleia Nacional para restringir, limitar e suspender, por via de um regulamento administrativo independente-Regulamento de Estágio da Ordem dos Advogados de Angola-tais direitos, liberdades e garantias fundamentais, entre os quais os direitos à liberdade de escolha e à liberdade de exercício da advocacia,

15.º

O que do ponto de vista do direito constitucional é manifestamente inválido-nulo e sem eficácia juridicamente atendível, face à sua inconstitucionalidade orgânica, formal e material,

16.º

Pois, por se tratar de matérias absolutamente reservadas pela Constituição à Assembleia Nacional, sob pena da respectiva invalidade jurídica-nulidade, fundada na referida inconstitucionalidade orgânica, formal e material, a Assembleia Nacional estava proscrita- vide artigo 89.º, alínea b) e artigo 165º, ambos da Lei Constitucional de 1992 de transferir ao Governo ou Executivo, ainda que por via de lei formal-lei da advocacia, e nem o Governo ou Executivo deveria ter transferido, por sua vez, por via de decreto-Estatuto da Ordem dos Advogados, esses poderes ou funções de legislar sobre a liberdade de escolha e de exercício da advocacia à Ordem dos Advogados,

17.º

            Até porque como acto não-normativo que resulta da aplicação de actos normativos feridos de nulidade, fundada na respectiva inconstitucionalidade orgânica, formal e material, o Despacho aqui judicialmente impugnados ou seja do digníssimo Bastonário da Ordem de Advogados de Angola também este é nulo com o mesmo fundamento.

18.º

            O digníssimo Bastonário proferiu o referido Despacho em nome e em representação do Conselho nacional, a que preside, enquanto órgão máximo de decisão na organização hierarquia administrativa da Ordem dos Advogados

B. OS FACTOS

19.º

            Na data de 5 de Maio de 2021, o ora Recorrente foi notificado da cópia do Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente e Relator, Dr. Manuel da Costa Aragão, recaído sobre o processo n.º 885-C/2021, nas fls 18 dos respectivos autos.

20.º

            O referido processo nº 885-C/2021 é de reclamação da excessiva e incompreensível demora desde venerando tribunal Constitucional, tanto na admissão ou rejeição do direito, liberdade e garantia jurisdicional do ora Recorrente ao acesso à justiça deste tribunal, quanto em relação a notificação da referida admissão ou rejeição ao ora Recorrente, como interessado. 

21.º

            Porém, com manifesta violação da lei aplicável, apesar do alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente e Relator ter sido proferido na data de 21 de Abril de 2021, este só foi efectivamente notificado na data de 5 de Maio de 2021. 

22.º

            Todavia, ao abrigo do disposto no artigo 49º da Lei do Processo Constitucional-L.P.C., o alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente e Relator do processo veio indeferir o pedido de admissão do direito, liberdade e garantia jurisdicional do ora Recorrente ao acesso à justiça deste tribunal,

23.º

            Pois, entende o Venerando Juiz Conselheiro Presidente e Relator do processo, no seu aludido Despacho que o referido pedido deveria antes ter sido decidido na Câmara do Cível e administrativo do Tribunal Supremo, atento ao disposto no artigo 17.º, alínea a) da Lei nº.2/94 de 14 de Janeiro

C. O DIREITO

24.º

            Entende e defende ora Recorrente que por ter sido fundado em preceitos extraídos de normas legais infra-constitucionais (leis ordinárias) feridas de nulidade e de ineficácia jurídicas, estas fundadas na sua inconstitucionalidade orgânica, formal e material –vide, artigo 49.º da LPC e artigo 17.º , alínea a) da Lei nº2/94 de 14 de Janeiro-também o alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente Relator do processo é nulo com o mesmo fundamento jurídico, aplicável com as necessárias adaptações

            Senão Vejamos:

25.º

          Desde logo, por tratar-se de preceitos extraídos de normas legais infra-constitucionais, os fundamentos jurídicos do alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente e Relator do processo são nulos ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº3 e nos 226.º e 239.º, por violarem os preceitos das normas constitucionais previstos nos artigos 26.º, n.º3 e 28.º, nº1, nos artigos 29.º n.ºs 4 e 5 e nos artigos 56.º n.º1 “Iª parte” e 57.º, n.ºs 1, “Iª Parte e 2, “ultima parte”, entre outros, todos da CRA.

26.º

            Assim, o alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional e Relator do processo viola, entre outros, os princípios da reserva constitucional, tanto da competência e quanto do funcionamento desse Tribunal, previsto no artigo 105º., nº.2, da CRA.-vide artigo 226º., nº2, da CRA.

27.º

            O alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional e Relator do processo viola ainda o direito à garantia jurisdicional dos direitos induzidos no princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 29.º, nºs 4 e 5, aplicável sem prejuízo do disposto no artigo 75.º, ao abrigo do disposto no artigo 26.º, n.º3 e no artigo 28.º, nº1, todos da CRA, de harmonia com o artigo 8.º da DUDH e com o artigo 7.º, alínea a) da CADHP

28.º

            Termos e fundamentos em que o alegado Douto Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional e Relator do processo e o respectivo fundamento jurídico são nulos, com por força da sua inconstitucionalidade orgânica, formal e material

29.º

            Até porque a Assembleia Nacional só pode alterar os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos em pausa, por via de uma revisão constitucional ou seja não nas vestes de um legislador ordinário, como é o caso em apreço

30.º

            Além de que a matéria trazida ao conhecimento e apreciação deste venerando Tribunal, pelo ora Recorrente, não pertence à jurisdição comum encabeçada pelo Tribunal Supremo, mas é matéria de especialidade- vide, artigo 176.º, nºs 1 e 2 alínea a) da CRA.

            Ou seja

31.º

            É matéria jus-constitucional, segundo o disposto nos artigos 180.º, nº2, alíneas a) e c), “Iª parte” e 226.º, nº2, ambos da CRA

32.º

            Sendo por isso que só o Tribunal Constitucional tem competência, também especializada para a sua apreciação-vide, idem

            Pelo que

III

PEDIDO

Vem, ora Recorrente solicitar aos venerandos juízes do Plenário deste Tribunal Constitucional a admissão deste recurso, sem prejuízo dos termos ulteriores, até a decisão final de todos os pedidos, na forma de acórdão também final.

Os autos foram à vista do Ministério Público que, a fls.22 e 23 dos autos, promoveu o seguinte:

“Notificado para apresentar as suas alegações, o recorrente remeteu a questão para o seu requerimento de interposição, afirmado que em tal peça ofereceu razões bastantes de facto, de lei e de direito que sustentam o presente recurso, dando, assim, como reproduzido ipsis verbis para efeitos de alegações.

Embora tenhamos conhecimento de alguma jurisprudência deste Tribunal no sentido de se conhecer dos recursos, mesmo quando não se apresente alegações e conclusões delas, pensamos que a mera referência/remessa que o recorrente faz para o requerimento de interposição, por mais amplo ou completo que este possa ser, não substitui as alegações e viola o artigo 690.º n.º1 do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 2.º da LPC.

Consideramos, pois, que nos termos em que procedeu o recorrente não alegou efectivamente e, por conseguinte, o seu recurso se considera sem objecto e deve ser julgado deserto.

O ónus de alegar que recai sobre o recorrente, além de ser uma imposição legal, não se consubstancia num mero formalismo dispensável, sobretudo nos processos que não têm natureza penal, pelo contrário, ele é revestido de utilidade processual, nomeadamente no que a fixação do objecto do recurso diz respeito, o que tem reflexo no poder da cognição da instância que analisa o processo e na decisão final.

Além disso, pensamos que tal ónus não se traduz numa particular ou excessiva dificuldade para o recorrente que até está assistido de patrocínio judiciário, pois no âmbito deste último, este exercício (o de alegar) se mostra próprio e algo rotineiro.

Não vemos, pois, que do uso do artigo 690.º n.º1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, possa derivar a violação do direito ao acesso aos tribunais ou ao princípio da proporcionalidade, assim como de igual forma, não nos parece caber no espírito da CRA uma admissibilidade ilimitada de recursos e de questões suscitadas pelas partes, desrespeitando às regras processuais elementares derivadas dos princípios da tipicidade e legalidade processual.

De resto, a tutela jurisdicional efectiva e o acesso a justiça não podem ser encarados como direitos infindos, fazendo com que até normas de conteúdos razoáveis e com sentido e utilidade prática processual como a do artigo 690.º do CPC sejam colocadas em questão, derivando disto a obrigatoriedade de o Tribunal Constitucional de tudo conhecer. O que não pode é haver norma processual que reduza de forma intolerável ou arbitrária o direito ao recurso de actos jurisdicionais, o que não nos parece ser o caso da norma que julga deserto o recurso por falta de alegações.

Mas a questão central que se coloca no presente recurso é, na verdade, a sua não admissão consubstanciada no despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional.

Ora, sobre a não admissão do recurso e a necessidade de passagem prévia pela Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo por força do artigo 17.º, al. A) da Lei nº2/94, de 14 de Janeiro e do artigo 49º da LPC, nos parece ser clara e peremptória a regra da exaustão das instâncias de recurso resultante do artigo 49º parágrafo único da LPC.

Como bem aponta Carlos Blanco de Morais, in justiça Constitucional, Tomo II, o Direito do Contencioso Constitucional, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2011, pág.775, do princípio da exaustão dos recursos decorre:

- A inadmissibilidade de os interessados poderem recorrer para o Tribunal Constitucional enquanto couber recurso ordinário da decisão;

- A admissibilidade de os interesses poderem recorrer para o Tribunal Constitucional sempre que a lei determinar que a decisão recorrida não admite recurso ordinário;

- A faculdade de os interessados recorrerem para o Tribunal Constitucional, pelo facto de já terem esgotados todos os recursos que cabiam no caso em concreto, procedendo à impugnação da última sentença proferida.

Pretende-se com a exaustão da cadeia recursória limitar o acesso ao Tribunal Constitucional apenas às questões que já tenham sido previamente tratadas em outras instâncias existentes na hierarquia judicial, ou seja, evitar que se envie para este Tribunal tudo e mais alguma coisa, numa altura em que ainda podiam as outras instâncias, porque competentes para tal, dar tratamento as questões suscitadas, incluindo as relativas a constitucionalidade.

Vejamos, então, a aplicação destes três aspectos da regra da exaustão ao caso sub judice.

Quanto a primeira decorrência da regra ora em análise, o recorrente não recorreu para a Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo e, atento a data dos factos e das notificações relativas ao acto administrativo, cuja constitucionalidade pretende impugnar, podia tê-lo feito e, se tratando de actos que considera nulos, ainda pode efectivamente fazê-lo. Vide artigo 77.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, sem prejuízo do artigo 13.º n.º 2 da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro.

Ainda a favor do argumento da possibilidade de interposição do recurso, veja-se, Carlos Feijó e Lazarino Poulson quando, a propósito do recurso contencioso administrativo afirmam e cito, a regra é a de que o recurso contencioso deve ser interposto dentro de um certo prazo, caso contrário será considerado extemporâneo ou inoportuno. Isto porque em regra, o recurso tem em vista a anulação do acto e este tem de ser invocado dentro de certo prazo, sob pena de produzir a sanação do acto.

Excepcionalmente, podem ser interpostos recursos sem dependência de prazos para actos nulos ou inexistentes. Vide Carlos Feijó e Lazarino Poulson, in Justiça Administrativa Angolana (lições), Casa das ideias, 2008, pág. 137.

Quanto a segunda decorrência da mesma regra, em consequência dos dois pontos anteriores, pensamos não estarem ainda, no caso vertente, esgotados todas as possibilidades de recurso ordinário.

Finalmente, quanto a terceira decorrência da mesma regra, em consequência dos dois pontos anteriores, pensamos, não estarem ainda, no caso vertente, esgotadas todas as possibilidades de recurso ordinário.

A guisa de conclusão somos de parecer que a apreciação das questões constitucionais levantadas pelo recorrente agora no Tribunal Constitucional é prematura e viola o artigo 49.º parágrafo único da LPC, isto por força da regra da exaustão dos recursos ordinários e da necessidade de trânsito em julgado da decisão recorrida, termos em que promovemos se decida pelo não conhecimento do recurso”.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso para o Plenário foi interposto nos termos e com os fundamentos do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece a possibilidade de recorrer do despacho de não admissão do requerimento de recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto no Tribunal Constitucional.

Pelo que, tem o Plenário do Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente tendo interposto um recurso extraordinário de inconstitucionalidade no Tribunal Constitucional, ao ver o seu requerimento ser rejeitado, tem, assim, legitimidade para interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, conforme prevê o n.º 2 do artigo 8.º da LPC.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, é o Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente, transcrito a fls. 8 dos presentes autos, que indeferiu o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto pelo ora Recorrente, por não ter havido o prévio esgotamento da cadeia recursória nos Tribunais da jurisdição comum.

V. APRECIANDO

Delimitado que foi o objecto do presente recurso, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar o Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente, transcrito a fls. 8 dos presentes autos, que rejeitou o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, interposto pelo Recorrente, cabendo a esta Corte Constitucional decidir em última instância a manutenção ou não da não admissão do requerimento.

Pelo que, urge apreciar:

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade vem consagrado na Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

O artigo 49.º, desta mesma lei, estabelece que podem ser objecto de recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional. (LPC).

  1. as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola;
  2. actos administrativos e executivos que contrariam princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola.

 Como refere Rosa Guerra, “O REI tem por objecto actos não normativos, isto é, decisões judiciais e actos administrativos, definitivos ou executórios que lesem direitos, liberdades e garantias (ou princípios previstos na Constituição) ”, In O Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade- Problemas da Configuração, do Regime e da Natureza Jurídica, Universidade Católica Editora, página 18. 

No entanto, tais decisões apenas podem ser admitidas no Tribunal Constitucional, após o esgotamento da cadeia recursória nos Tribunais da jurisdição comum, por força do disposto no parágrafo único do artigo 49.º da LPC. Ademais, existe de igual modo, a imposição legal de passagem prévia pela Câmara do Cível e Administrativo, Fiscal e Aduaneira do Tribunal Supremo por força da alínea a) do artigo 17.º, Lei n.º 2/94, Lei da Impugnação dos Actos Administrativos (LIAA) e do artigo 49.º da LPC).

Na verdade, de referir que os particulares dispõem de dois tipos de garantias para defesa dos seus direitos, nomeadamente, as graciosas, isto é, garantias administrativas ou procedimentais e as contenciosas, ou seja, jurisdicionais.

Todavia, atente-se que a Constituição, no seu artigo 29.º ao consagrar o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, garante ao cidadão a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Sobre o esgotamento da cadeia recursória, Onofre dos Santos refere que “No caso do recurso de acto administrativo, o recurso tinha inevitavelmente de ser interposto no Tribunal Constitucional e admitido pelo Presidente do Tribunal Constitucional, pois o regime aplicável era o do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, com as necessárias adaptações (n.º2 do artigo 52.º da LPC). Sucede que agora, para todos os casos de recurso extraordinário, torna-se exigível o esgotamento dos recursos cabíveis da decisão ou do acto.” In Lei do Processo Constitucional, Anotada, Texto Editores, página 70-71.

Assim, a admissão de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, implica o cumprimento dos pressupostos formais e materiais previstos nos artigos 6.º, 8.º (a contrario sensu) e 49.º, todos da LPC.

Neste caso concreto em análise, a ausência de uma sentença ou decisão, obsta a apreciação das questões constitucionais suscitadas pelo Recorrente no Tribunal Constitucional.

Ora, o não cumprimento dos pressupostos formais e materiais previstos, conduziu a prolacção do presente Despacho de rejeição pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional.

Além disso, sendo os requisitos para admissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, cumulativos, a falta de uma decisão final que tenha posto termo ao processo, apreciando o mérito da causa e, que contenha fundamentos que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, conforme estipulam os artigos 6.º e 49.º na sua alínea b) e parágrafo único da LPC, implica a rejeição do referido requerimento.

Destarte, o Plenário do Tribunal Constitucional considera que outro despacho não poderia merecer o requerimento apresentado, senão o de rejeição.

Face ao acima expendido, o Plenário do Tribunal Constitucional mantém o Despacho de Rejeição do Juiz Conselheiro Presidente. 

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, Acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional, em: 

 Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.o3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 8 de Dezembro de 2021.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente e Relatora) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d’A. B. da Silva

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Victória Manuel da Silva Izata