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ACÓRDÃO N.º 724/2022

 

Processo n.º 870-D/2021

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, os Juízes, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Administração Geral Tributária, melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado a 12 de Setembro de 2017, nos autos do Processo n.º 172/16, pela 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo que negou provimento ao recurso interposto da decisão proferida em primeira instância, pela Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Provincial de Luanda, que julgou inconstitucional o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro.

Notificado para apresentar as suas alegações de recurso, nos termos do artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), fê-lo nos termos seguintes:

  1. Decidiu mal o Tribunal a quo relativamente aos fundamentos que sustentam a sua decisão, e que se prendem com o estabelecido na alínea o) do artigo 165.º da Constituição da República de Angola, que dispõe o seguinte: “À Assembleia Nacional compete legislar com reserva relativa, salvo autorização concedida ao Executivo, sobre as seguintes matérias: criação de impostos e sistema fiscal, bem como o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.
  2. Entendeu aquele douto acórdão, que o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, é inconstitucional, na medida em que foi emanado pelo Governo e por estabelecer as regras de operacionalização dos serviços de fiscalização tributária.
  3. Acontece que no âmbito das atribuições da Repartição Fiscal, a equipa de fiscalização realizou acção de fiscalização às contas da Impugnante, para apuramento da sua situação tributária relativa aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013 e que deu lugar a realização da correcção e liquidação adicional do imposto industrial, ao abrigo da Lei n.º 7/97, imposto de selo, imposto sobre os rendimentos do trabalho por conta própria, imposto sobre os rendimentos por conta de outrem, com base em irregularidades detectadas, conforme consta do relatório elaborado pelos técnicos de fiscalização mandatados para o efeito.
  4. No âmbito do Decreto em crise os técnicos que integram a equipa de fiscalização, elaboraram o relatório de fiscalização que foi remetido ao Chefe da Repartição Fiscal, que fixou a matéria colectável no exercício das suas competências e notificou o contribuinte da liquidação adicional do imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 17/92, de 3 de Julho, que estabelece que a matéria colectável será fixada pela Repartição Fiscal com base na Declaração do sujeito passivo ou através dos elementos disponíveis nos restantes casos.
  5. As competências do Chefe de Repartição Fiscal para o exercício de poderes inspectivos resultam ainda do disposto nos artigos 33.º e 40.º, ambos do CGT vigente a data dos factos.
  6. O Decreto em crise não é mais do que a concretização dos procedimentos previstos naqueles diplomas, não havendo portanto qualquer violação do princípio da reserva de Lei formal.
  7. Doutrinalmente o imposto compreende duas fases: a primeira ocorre com a criação, a institucionalização, definição do imposto, que é competência de reserva parlamentar; portanto, vigora o princípio da legalidade fiscal, também designado por princípio de reserva de lei material, exige que a lei, emanada da Assembleia Nacional ou autorização legislativa ao Executivo, seja completa no que respeita aos elementos essenciais dos impostos, isto é, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, em cumprimento do disposto no número 1 do artigo 102.º da CRA. A outra fase é a que define a vida do imposto, que compreendendo a aplicação e efectivação dos impostos, ou se preferir, a fase do procedimento fiscal, que cai no âmbito da administração ou gestão dos impostos definidos por lei.
  8. A aprovação do Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, visa a implementação e a efectivação das normas de procedimento fiscal, previsto no Código Geral Tributário, empregando um dinamismo próprio da competência e gestão da Administração Fiscal, através da efectivação das normas previstas, a data dos factos, no Código Geral Tributário.
  9. As normas do Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, visam definir as regras de procedimento de operacionalização dos serviços de fiscalização, no âmbito da sua competência, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 102.º da CRA, não procede a conclusão do Tribunal a quo de inconstitucionalidade orgânica, porquanto não se trata da violação da alínea o) do artigo 165.º da CRA.
  10. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão violou o princípio da legalidade, nos termos previstos no artigo 177.º da CRA, que determina que os tribunais garantem e asseguram a observância da constituição, das leis e demais disposições normativas vigentes a protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e das instituições e decidem sobre a legalidade dos actos administrativos.
  11. O douto Acórdão que ora se impugna, violou igualmente o princípio constitucional da segurança jurídica e protecção da confiança, expressa na violação dos direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, pelo que deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do artigo 2.º e 11.º da CRA.
  12. Na hipótese de se determinar a inconstitucionalidade do Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, nos termos do n.º 4 do artigo 231.º da CRA, que apenas se admite por mera questão de cautela, se requer a este Venerando Tribunal que limite os efeitos.
  13. A declaração de inconstitucionalidade das normas previstas no Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, com o alcance previsto no n.º 1 do artigo 231.º da CRA, causaria efeitos devastadores para arrecadação da receita, dos últimos 5 anos, bem como constituiria um factor de incerteza e de insegurança que poderia contender com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Termina pedindo que o recurso mereça o devido provimento, declarando o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, regularmente aprovado, e consequentemente, válido o acto de liquidação adicional do Imposto Industrial, do Imposto Sobre o Rendimento de Trabalho e do Imposto de Selo referente aos exercícios de 2010 a 2013, praticado pela Recorrente, e, de igual modo revogada a decisão do Tribunal a quo.

O processo foi à vista do Ministério Público que promoveu o seguinte:

(...) A questão de fundo objecto de apreciação consiste em saber se o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro é ou não inconstitucional.

O acórdão recorrido considera ter o Decreto em citação violado o princípio da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia Nacional, sendo, por isso, inconstitucional do ponto de vista formal e orgânico.

Os argumentos esgrimidos pela Recorrente e pela decisão recorrida, permitem-nos, marcar uma posição que forma o nosso entendimento.

A Constituição da República de Angola (CRA) é a Lei fundamental do Estado com a qual as normas infra-constitucionais devem conformar-se nos termos do disposto do seu n.º 1 do artigo 2.º, sendo que, o Decreto em referência foi aprovado na vigência da Lei Constitucional revista pela Lei n.º 23/92, de 16 de Julho, que alterou algumas normas do Código Geral Tributário de 30 de Dezembro de 1968. Em matéria fiscal, a Lei Constitucional consagrava no artigo 14.º o princípio da legalidade do Sistema Fiscal, estabelecendo que os impostos só podem ser criados e extintos por lei, que determinava a sua incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. No artigo 90.º estabelecia que compete à Assembleia Nacional legislar com reserva relativa de competência legislativa sobre (…) alínea f), a definição do sistema fiscal e criação de impostos.

O princípio da legalidade no direito tributário garante ao constituinte a existência de uma lei para criar e cobrar imposto, pois, não será imputada uma obrigação tributária ao constituinte, sem antes observar as disposições legais quanto a criação e cobrança de imposto. 

Os limites dos impostos ao poder de tributar devem ser observados sob pena de inconstitucionalidade, o princípio da legalidade visa impedir abusos por parte das autoridades e uma possível discricionariedade na cobrança de impostos.

Integrando o Sistema Fiscal, além de outros elementos, a liquidação, apuramento e pagamento de impostos, segundo ensina o professor José Casalta Nabais, a regulação, dessa matéria pelo Governo nos termos da al. d) do artigo 112.º e do artigo 113.º da Lei Constitucional carecia de autorização da Assembleia Nacional.

 No contexto da Constituição da República de Angola de 2010, as normas que integram o sistema fiscal só podem ser criadas por Lei da Assembleia Nacional, podendo o Executivo fazê-lo com a autorização daquele órgão do poder legislativo (artigos 102.º, 165.º n.º 1 alínea o) e 134.º n.º 1 alínea e) da CRA. Não tendo sido dada autorização, o decreto n.º 35/95 enferma de vício de forma na medida em que, a matéria regulada pelo Decreto é matéria de lei e vício orgânico porque o governo regulou uma matéria da competência da Assembleia Nacional. 

Nestes termos, pugnamos pelo provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir. 

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, de “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República de Angola”.

Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso. 

III. LEGITIMIDADE 

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional "as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

A Recorrente foi apelante e parte vencida no Processo n.º 172/16, que correu os seus termos na 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que confirmou a decisão da primeira instância, tendo, por essa razão, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é verificar a constitucionalidade do Acórdão prolactado pela 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que no âmbito do Processo n.º 172/16 confirmou a decisão proferida no Processo n.º 53/15-B, pela Sala do Contencioso, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Provincial de Luanda, ao declarar inconstitucional o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro.

V. APRECIANDO 

A) QUESTÃO PRÉVIA

Em homenagem ao princípio do tempus regit actum, o Decreto no qual se fundamenta parte da decisão do Tribunal Supremo é inexistente, uma vez que, no momento da realização dos actos, o mesmo, já tinha sido revogado pelo Decreto -Lei n.º 16/02 de 09 de Dezembro, que por seu turno, foi revogado pelo Decreto – Lei n.º 6/07, de 20 de Abril.

Apesar de tal facto, nada obsta a esta Corte de conhecer o mérito do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, pelo facto de estarem em sindicância interesses gerais, devidamente fundamentados em normas constitucionais e ordinárias.

B) APRECIAÇÃO 

A Recorrente alicerça o pedido de declaração de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado pela 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, alegando que o Tribunal ad quem viola os princípios da legalidade, da segurança jurídica e protecção da confiança.

O pedido de declaração de inconstitucionalidade do aresto recorrido assenta sobre as conclusões que, por força do disposto no artigo 690.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao Processo Constitucional ex vi do artigo 2.º da LPC, delimitam as questões a conhecer no presente recurso.

Convém pois, face as alegações, verificar se para o caso sub judice assiste razão à Recorrente:

Correu trâmites na Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro, do Tribunal Provincial de Luanda, um recurso contencioso contra actos administrativos, apresentado pela Cooperativa Portuguesa de Ensino em Angola, C.R.L, na sequência de uma acção de fiscalização, praticada pela 3ª Repartição Fiscal de Luanda da então Direcção Nacional de Impostos que, culminou com a correcção dos impostos indevidamente liquidados por aquela Cooperativa, nomeadamente, do imposto industrial, imposto de selo e imposto de IRT por conta própria e Imposto de IRT por conta de outrem e, consequente determinação da matéria colectável e liquidação do imposto adicional e multas.

O tribunal a quo não apreciou as questões de mérito, tendo se recusado a aplicar o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Dessa decisão, a Recorrente apresentou recurso ordinário para o Tribunal Supremo, mais alta instância da jurisdição comum, que julgou não procedente o mesmo e confirmou a decisão da 1.ª instância, com fundamento no facto de o Governo ter aprovado o referido Decreto em desconformidade com a Constituição, na medida em que, sobre a matéria de impostos e sistema fiscal, à Assembleia Nacional compete legislar com reserva relativa de competência legislativa, salvo autorização concedida ao Governo, conforme a alínea f) do artigo 90.º da Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro – Lei da Revisão Constitucional e a alínea o) do artigo 165.º da Constituição da República de Angola. No momento em que o Governo legislou sobre a matéria relacionada a impostos e sistema fiscal não se encontrava investido de competência para o efeito, isto é, não estava autorizado pela Assembleia Nacional para legislar, sendo, por este facto o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, inconstitucional.

Vejamos,

É certo que, tal como refere a Recorrente, nos termos do estabelecido na alínea o) do artigo 165.º da Constituição da República de Angola: “À Assembleia Nacional compete legislar com reserva relativa, salvo autorização concedida ao Executivo, sobre as seguintes matérias: criação de impostos e sistema fiscal, bem como o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.

Nesta senda, assiste-nos referir que o sistema fiscal apresenta-se, essencialmente, como o conjunto de impostos, que visa a obtenção de recursos financeiros destinados a financiar as despesas públicas, materializados na legislação fiscal existente num determinado Estado.

Da análise do princípio da legalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, resulta, a obrigatoriedade de conformidade legal dos actos emanados pelos poderes públicos. Tal conjectura, que a actuação de todos os órgãos estaduais se subordine à Constituição e se funde na legalidade, o que, aliás, constitui não apenas matriz dominante do Estado democrático de direito, mas também corolário de segurança jurídica e de garantia de protecção dos direitos fundamentais.

Segundo Raul Araújo e Elisa Rangel Nunes o princípio da legalidade fiscal “abarca duas vertentes: o princípio da reserva de lei (formal) e o princípio da reserva material (de lei). O princípio da reserva de lei (formal) implica uma intervenção parlamentar, tanto no sentido material, por lei que fixe a disciplina do imposto, como no sentido formal através de uma autorização dada ao Governo-legislador, para de acordo com a lei de autorização legislativa fixar essa disciplina. O princípio da reserva material de lei (formal) ou princípio da tipicidade impõe que a lei contenha a disciplina, o mais completa possível, relativa aos elementos essenciais do imposto: a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

(…)

Os elementos essenciais do imposto definido pela Constituição são: a taxa, a incidência, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. A exigibilidade da determinação, por lei, destes elementos essenciais constitui uma garantia para os contribuintes, pois que havendo uma sua definição legal, ficam estes (contribuintes) protegidos da interpretação discricionária (em sentido estrito) da Administração fiscal. In. Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I 2014, Gráfica Maiadouro – Maia, páginas 521 e 522.

Como se extrai dos ensinamentos de Ana Paula Dourado a relação jurídico-fiscal, enquanto relação jurídica pública, configura-se como “a que se estabelece entre o sujeito que tem obrigações materiais e/ou formais relacionadas com os impostos (sujeito passivo) e a entidade de Direito Público (sujeito activo)”, sendo que “o Sujeito activo é representado pelas repartições e administrações fiscais...”, (in Direito Fiscal, Lições, 3ª Edição, Almedina, página 12).

Ora,

Se compete a Assembleia Nacional fixar os elementos essenciais do imposto, podendo mediante autorização legislativa conceder tal competência ao executivo, competia à Direcção Nacional dos Impostos, como um dos serviços centrais do Ministério das Finanças, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto Presidencial n.º 93/10, de 7 de Junho, superintender a Administração Tributária do Estado, salvaguardando os interesses patrimoniais do Estado e aumentado a eficácia dos serviços, bem como assegurar, através da Inspecção Tributária, o cumprimento das normas e procedimentos legais, relativos à cobrança das receitas fiscais devidas pelos contribuintes.

Convém, igualmente, fazer aqui uma breve nota para destacar o Decreto Presidencial n.º 324/2014, de 15 de Dezembro, que cria a Administração Geral Tributária que resultou da fusão entre a Direcção Nacional dos Impostos (entidade existente à data dos presentes autos), Serviço Nacional de Alfândegas, e o Projecto Executivo para a Reforma Tributária e, aprova o Estatuto Orgânico da Administração Geral Tributária, que constam das suas atribuições, previstas no artigo 7.º do Decreto Presidencial, nomeadamente:

- Liquidar e proceder à cobrança de impostos, direitos aduaneiros e demais tributos (alínea b) do n.º1);

- Criar e implementar medidas de prevenção da prática de infracções tributárias (alínea f) do n.º1).

No domínio dos actos de liquidação de impostos, cabe, ainda, a Administração Geral Tributária (AGT), nos termos do Decreto que se vem citando: organizar os registos ou inscrições de factos tributários, instaurar os processos necessários à liquidação e cobrança dos impostos e assegurar a sua execução (alínea b) do n.º 3 do artigo 7.º).

Compete, ainda, à AGT, no domínio da prevenção e fiscalização tributária: detectar e investigar a prática de infracções tributárias (alínea c) do n.º 5 do artigo 7.º).

Deste modo é vislumbrado que ficava reservado à Direcção Nacional dos Impostos e hoje à AGT um papel fiscalizador, supervisor do cumprimento das normas fiscais pelos contribuintes.

Portanto, é pois no âmbito desse papel fiscalizador que se insere o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro (entretanto revogado), que estabelece os Princípios Gerais para Agilização do Serviço de Fiscalização Tributária, dispondo o n.º 1 do seu artigo 1.º que as acções de fiscalização realizadas junto dos contribuintes pelos funcionários dos serviços de fiscalização tributária, deverão terminar com um termo de notificação ao contribuinte visitado.

O referido diploma tem, assim, o seu âmbito de aplicação circunscrito à realização de uma acção de fiscalização, que tem por finalidade averiguar se o contribuinte realizou correctamente as obrigações que lhe são impostas.

Com objectivo de concretizar esse acto de fiscalização, a legislação tributária outorga às repartições fiscais algumas prerrogativas eficazes no combate à sonegação fiscal.

Tais prerrogativas consistem em reconstruir o facto jurídico tributário, verificando se as informações apresentadas pelo contribuinte nas suas declarações são verdadeiras, sendo que no final da acção de fiscalização, é elaborado um “auto de transgressão”. Este irá conter o resultado do processo fiscalizatório, indicando se o contribuinte cumpriu ou não as directrizes legais, e quais são as suas consequências jurídicas em caso de não cumprimento.

Entendeu o douto Acórdão, que o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, é inconstitucional, na medida em que emanando do Governo tenha estabelecido os princípios gerais para agilização do serviço de fiscalização tributária.

Da análise dos autos, resulta que, efectivamente, foi no âmbito desse Decreto que os técnicos que integraram a equipa de fiscalização, elaboraram o relatório de fiscalização e, verificando o incumprimento, subsumiram o mesmo às normas tributárias respectivas e fixaram a matéria colectável bem como a liquidação do montante em falta, acrescido das respectivas multas, sendo que, o Chefe da repartição fiscal, em exercício, apôs o seu visto (vide (fls. 66 dos autos).

Ora, o visto é a declaração de uma autoridade num documento, para validá-lo, significando que foi examinado, verificado e achado conforme.

Fica assim claro que o referido Decreto n.º 35/95 não é mais do que um regulamento e, como tal, tem natureza administrativa e constitui instrumento necessário à boa execução das leis que visam regulamentar. O presente regulamento não legisla ex-novo sobre a matéria que constitui o seu objecto, pois todos os elementos dos impostos que foram alvo da acção de fiscalização encontram-se devidamente determinados por lei.

Como bem refere a Recorrente, o imposto compreende duas fases: a primeira ocorre com a criação, a institucionalização e a definição do imposto, que é competência de reserva parlamentar. Portanto, vigora, aqui, o princípio da legalidade fiscal, também designado por princípio de reserva de lei material, que exige que a lei, emanada da Assembleia Nacional ou de autorização legislativa ao Executivo, seja completa no que respeita aos elementos essenciais dos impostos, isto é, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, em cumprimento do disposto no número 1 do artigo 102.º da CRA. A outra fase é a que define a vida do imposto, que compreendendo a aplicação e efectivação dos impostos, ou se se preferir, a fase do procedimento fiscal, que cai no âmbito da administração ou gestão dos impostos definidos por lei.

Analisado o Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, constata esta Corte que o mesmo veio atribuir competências de fiscalização aos funcionários da Recorrente para, no âmbito de uma acção de fiscalização, verificando-se o incumprimento do contribuinte, quanto aos impostos liquidados, proceder ao apuramento da matéria colectável, liquidar os impostos achados em falta e demais acréscimos legais, bem como proceder à notificação do contribuinte para o pagamento da dívida, conforme se pode ler no preâmbulo e nos artigos 1.º, 3.º e 4.º do mesmo diploma legal. O artigo 20.º da Lei n.º 17/92, de 3 de Julho (lei da alteração do Código Geral Tributário) estabelece que, “a matéria colectável será fixada pela Repartição Fiscal com base na Declaração do sujeito passivo ou através dos elementos disponíveis nos restantes casos”. O artigo 33.º do Código Geral Tributário (aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 3868 de 30 de Dezembro de 1968), estabelece que “Salvo nos casos exceptuados por lei, a liquidação de cada imposto compete à Repartição da Fazenda da área fiscal em que deve efectuar-se a determinação da respectiva matéria colectável”.

Logo, fica claro que o Decreto em referência não é mais do que a concretização dos procedimentos previstos naqueles diplomas, não havendo, portanto, qualquer violação do princípio da reserva de Lei formal, nem padece o mesmo de inconstitucionalidade orgânica, porquanto não houve violação da alínea o) do artigo 165.º da CRA.

Como refere a Recorrente, a competência para a fixação da matéria colectável é da Repartição Fiscal, artigos 20.º e 33.º do Código Geral Tributário. “A administração fiscal, através dos seus representantes ou técnicos devidamente credenciados poderá examinar os arquivos das repartições públicas, de institutos públicos, de pessoas colectivas públicas ou privadas, as mercadorias, livros e os documentos dos contribuintes, ou responsáveis, sejam ou não comerciantes, constituindo embaraço à acção de fiscalização qualquer dificuldade ou obstrução”, artigo 65.º, n.º 2 do Código Geral Tributário.

Destarte, é entendimento deste Tribunal que o Acórdão recorrido limita-se simplesmente a declarar a inconstitucionalidade do Decreto n.º 35/95, de 15 de Dezembro, sem qualquer sindicância sobre o mérito da causa, o que configura violação ao princípio da legalidade vertido nos termos previstos no artigo 177.º da CRA.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 23 de Fevereiro de 2022.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) – declarou-se impedida.

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima d’A. B. da Silva

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Relatora)