ACÓRDÃO N.º 727/2022
PROCESSO N.º 852-D/2020
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Manuel João dos Santos, melhor identificado nos autos, interpôs no Tribunal Constitucional o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão de 5 de Dezembro de 2018, prolactado pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 2368/18, que o condenou na pena de 10 anos de prisão maior pela prática do crime de homicídio voluntário simples previsto e punível pelo artigo 349.º do Código Penal (CP).
O Recorrente, inconformado com o douto Acórdão, em síntese, arguiu nas suas alegações que:
Termina requerendo que o acórdão recorrido seja declarado inconstitucional, por contrariar princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na CRA.O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, como sendo “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e de decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.
Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento da cadeia recursória conforme o estatuído no § Único do artigo 49.º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente é agravante no Processo n.º 2368/18, que correu trâmites no Tribunal ad quem, por essa razão, tem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, “no caso de sentenças, podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é verificar se o Acórdão de 5 de Dezembro de 2018, prolactado pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 2368/18, ofendeu princípios ou violou direitos, liberdades e garantias fundamentais previstos na CRA.
V. APRECIANDO
No processo em apreço versam os autos que o aqui Recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo na pena de 14 anos de prisão maior pela prática do crime de homicídio voluntário simples previsto e punível pelo artigo 349.º do Código Penal, em vigor à data dos factos. Entretanto, na instância de recurso o Tribunal ad quem fazendo uso da atenuação extraordinária prevista no n.º 1 do artigo 94.º do CP reduziu a pena do Recorrente de 14 para 10 anos de prisão maior.
Inconformado da decisão, o Recorrente veio alegar no presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade que, em 2018, em resposta a uma chamada telefónica dirigiu-se à 4.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda e para a sua surpresa, foi conduzido a uma sala de audiência e aí deu-se início ao julgamento sem que antes tivesse sido notificado da acusação nem lhe tivesse sido dada a oportunidade de constituir mandatário legal. Todavia, só foi notificado da acusação após a audiência de julgamento.
O Recorrente, refere, também que agiu em legítima defesa do Estado na protecção e defesa de um bem jurídico, sem dolo ou intenção de matar, e, em boa verdade, devia ser condenado pela prática do crime de homicídio involuntário.
Afirma, ainda, que o Acórdão proferido pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo ofendeu os princípios da legalidade, da proporcionalidade, e violou os direitos da ampla defesa, do julgamento justo e conforme e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 29.º, 66.º, 67.º e 72.º, todos da CRA.
Na apreciação das alegações sustentadas pelo Recorrente descortina-se a invocação de ofensa aos princípios, direitos e garantias fundamentais positivadas na CRA.
Importa, assim, verificar a desconformidade do Aresto posto em crise partindo da vertente jurídico-constitucional.
Vejamos:
O direito penal é o ramo do direito público cujas sanções penais, as penas, restringem e limitam de forma imediata os direitos e as liberdades individuais dos cidadãos. A proclamação do princípio da legalidade no âmbito do direito penal assume uma importância acrescida e significativa, tendo obtido dignidade constitucional nas primeiras Constituições liberais (Estado de Virgínia, em 1776, da Constituição francesa, em 1791) e da Constituição da República de Angola, cuja consagração mereceu acolhimento no artigo 65.º n.º2, no artigo 6.º n.º 3 e no artigo 226.º n.º 1, com o fito da optimização dos direitos fundamentais e da protecção e amparo da dignidade pessoa humana.
A ratio da garantia jurídico-política do indivíduo contra as eventuais arbitrariedades punitivas por parte dos tribunais ou dos governos determinou e continua a determinar a consagração constitucional do princípio da legalidade penal, enquanto pilar estruturante do ordenamento jurídico-constitucional.
Assim, a CRA no n.º 2 do artigo 65.º estabelece que “Ninguém pode ser condenado por crime senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixos por lei anterior.”
Em alinhamento com a seara constitucional, o Código Penal vigente à data dos factos, preceitua nos artigos 1.º e 5.º o princípio nullum crimen, sine lege, asseverando a imperiosa necessidade da observância da conexão entre a pena e o crime correspondente na operacionalização da justiça e na realização do direito.
O que aqui acaba de se assinalar ancora-se, também, no artigo 2.º da CRA ao estabelecer que a República de Angola é um Estado Democrático de Direito, fundado, além do mais, na dignificação da pessoa humana e no respeito e protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Assim, bem se compreende a posição doutrinária defendida por Grandão Ramos ao anotar que o princípio da legalidade decorre da natureza do processo, e dos interesses tutelados pelo direito penal (interesses fundamentais e disponíveis do Estado) que através dele se realizam. Por isso, este princípio não se compadece com juízos discricionários de utilidade prática ou de casuística conjuntural. É um pressuposto do Estado de direito e a melhor garantia contra o arbítrio do poder, as desigualdades de tratamento processual penal e contra as injustiças. In Direito Processual Penal – Noções Fundamentais, Colecção Faculdade de Direito – U.A.N 3.ª Edição, 2003, pág. 80.
No caso dos presentes autos, quer o Tribunal ad quem, quer o Tribunal a quo na apreciação do mérito da causa, sustentados no princípio da livre convicção do julgador consideraram aplicável à conduta do Recorrente, o crime de homicídio voluntário simples, por preenchimento dos seus elementos típicos. Estatui o artigo 349.º do CP qualquer pessoa, que voluntariamente matar outra, será punida com prisão maior de dezasseis a vinte anos.
Neste contexto, o enquadramento da matéria fáctica neste normativo legal, firmou o Tribunal a quo a condenar o Recorrente na pena de 14 anos de prisão maior, a contrário sensu o Tribunal ad quem sopesadas as circunstâncias agravantes e atenuantes apuradas e todo o circunstancialismo que rodeou a prática do crime, mitigou a pena para 10 anos de prisão maior com recurso à atenuação extraordinária (artigo 94.º do CP), pelo que não se vislumbra a violação do princípio da legalidade.
O princípio do contraditório assume a sua forma mais acabada no direito de contestação que a lei postula como um direito elementar no acervo dos direitos fundamentais. Na sua acepção objectiva, este princípio ancora-se no reconhecimento do direito da ampla defesa, consubstanciado no direito atribuído ao Recorrente de contradizer factos, pleitear, requerer diligências e de intervir legitimamente em todas as fases do processo. In casu, o Recorrente invoca a violação deste princípio porque alega que foi surpreso com a realização da audiência sem que, para tal, tivesse sido notificado da acusação, nem constituído mandatário legal.
Contudo, o Tribunal Constitucional constata que tal afirmação é destituída de razão, porquanto, reportam os autos que o Recorrente esteve por algum tempo, em parte incerta, não respondia as várias notificações feitas pelo Tribunal, porque a sua localização não era conhecida, embora várias diligências tivessem sido desencadeadas pelo Tribunal a quo no sentido de este exercer o seu direito de defesa. Com efeito, mesmo existindo um mandado de condução a cadeia (fls. 14) não se conseguia localizar o Recorrente para o cumprimento desta diligência. De igual modo, em relação ao mandado de notificação da acusação, datado de 5 de Maio de 2003 que determinou a emissão da certidão negativa passada aos 23 de Dezembro de 2003 (fls. 39 e 40).
Relativamente ao despacho de pronúncia, também, é evidente a sua existência, bem como o mandado de notificação de 8 de Fevereiro de 2018 (fls. 47, 54 e 55). Todavia, o Tribunal não conseguiu localizar o Recorrente, apesar das várias diligências feitas (fls. 56), por esse motivo, oficiou ao Comandante Provincial da Polícia Nacional solicitando a comparência do Recorrente, bem como ordenou a publicação de um edital (fls. 68).
Seguidamente, o Tribunal voltou a notificar o Recorrente do despacho de pronúncia definitivo no dia 8 de Fevereiro de 2018, sendo que, desta vez foi possível notificá-lo, conforme certidão de notificação assinado pelo Recorrente no dia 4 de Maio de 2018 (fls. 73). Importa referir que a notificação da audiência de julgamento de modo expresso continha a seguinte informação: Para comparecer neste Tribunal Provincial no dia 27 de Junho de 2018, pelas 9 horas e 30 minutos, a fim de ser julgado pela prática do (s) crime (s) constante (s) da cópia junta.
Tem o prazo de 5 dias para interpor recurso, ou não recorrendo, para apresentar a contestação, rol de testemunhas e documentos que quiser produzir em sua defesa. Pode contestar na audiência e indicar testemunhas ao oficial que as notificará logo para o referido dia, hora e local, sob as penas da lei, faltando.
A enunciação que aqui se ilustra demonstra sem equívocos que o Recorrente foi regularmente citado nas fases de acusação e pronúncia, mas preferiu não pleitear de imediato, por isso só constituiu mandatário legal à 13 de Agosto de 2018, ou seja, cinco dias depois da sua condenação (fls100).
Desta feita, não é consistente invocar a ofensa deste princípio quando se comprova nos autos que não houve impedimentos, a garantia da ampla defesa foi oferecida ao Recorrente, em todas as fases do processo, como um corolário ínsito das suas garantias processuais, sendo que, ficou patente que à sua efectivação, em tempo e oportunidade ficou a mercê da sua própria vontade.
Assim, entende este Tribunal que não houve violação do direito da ampla defesa como pretende fazer crer o Recorrente.
O direito a julgamento justo e conforme é um pressuposto fulcral do Estado Democrático de Direito e constitui uma garantia fundamental da existência de uma administração da justiça imparcial, independente, equitativa e funcional.
Nesta acepção, o direito a julgamento justo e conforme assenta as suas premissas na prerrogativa que é conferida às partes de pleitearem, contradizerem e carrearem para o processo todos os elementos de prova conducentes à aferição da verdade material, impondo o absoluto respeito pela protecção legal e inviolabilidade das garantias consagradas na CRA.
A clássica catalogação da tutela jurídico-constitucional deste princípio deve atender, estritamente, na sua aplicação a busca ordenada de uma modelação processual organizada que permita ao julgador, sem apegos, aplicar uma pena justa, adequada, razoável e proporcional respeitados os fins da prevenção geral e da prevenção especial nas sanções criminais.
No caso sub judice, denota-se que a discordância assumida pelo Recorrente, quanto à decisão sindicada, assenta como questão de fundo na qualificação jurídica dos factos e, consequentemente, na pena aplicada, pois no seu entendimento a tipificação legal devia ser do crime de homicídio involuntário, como argumenta nas suas alegações compiladas nos autos.
Ocorre que o princípio jusfundamental do justo processo, “due process” ou “fair trial”, enquanto marco edificante do direito a julgamento justo e conforme exprime na sua ratio normativa teleológica a necessidade de se apurar o circunstancialismo dos factos praticados sopesando as suas motivações e a sua inevitabilidade, com vista a realização de uma justiça social compromissória com a paz e a confiança social.
Ora, no caso vertente, ilustram os autos que o Tribunal a quo deu como matéria provada o seguinte quadro fáctico: No dia 4 de Maio de 2002, por volta das 14h00, o réu Manuel dos Santos, t.c.p “ dos Santos”, a data, agente da polícia nacional, colocado no Comando Municipal do Sambizanga, em pleno exercício das suas funções no mercado do São Paulo, ao perseguir um indivíduo, não identificado nos autos, que retirou de uma cidadã a força a sua pasta, empunhando uma arma de fogo, efectuou um disparo com a sua pistola de serviço, de marca Macarov com o número 0557, que foi atingir Lutumba Dudu Andrade na região parietal esquerda, no crânio e saída do projéctil na região occipital quando este se encontrava no interior da viatura de marca Toyota, modelo crescida, de cor verde metalizado, com a matrícula LDB 12-86. (fls. 152)
A interpretação jurisdicional do Tribunal ad quem fixada no douto Acórdão recorrido, em relação à factualidade acima descrita, confirmou a sua qualificação no crime de homicídio voluntário, com recurso a atenuação extraordinária, diferentemente, da decisão do Tribunal a quo, que embora assente na mesma qualificação recorreu ao dolo eventual para fundamentar a sua sentença.
De todo o modo, do factualismo acima transcrito não se extrai apenas a controvérsia da legitimidade da norma fundamentante da decisão em causa, porquanto convoca, também, a apreciação à clarividência de que o Recorrente agia em defesa de um bem jurídico de terceiro, no caso patente, uma cidadã cuja integridade física foi ameaçada, sendo mister realçar que a intervenção do Recorrente permitiu a protecção da sua vida e dos seus bens.
Embora os autos ilustrem que na sua actuação o Recorrente tivesse causado a lesão de um bem maior- a vida- é de reconhecer que a sua conduta foi ditada pelo interesse de protecção de direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
Daí que, o entendimento do Ministério Público na vista constante em fls. (148) discorre no sentido da convolação do crime de homicídio voluntário simples previsto e punível pelo artigo 349º do Código Penal para o crime de homicídio involuntário reconhecendo, ipsis verbis, que as circunstâncias em que ocorreram os factos levam-nos a concluir que o réu não teve a intenção de matar. O réu ao querer intimidar o meliante em fuga não conseguiu disparar com a sua pistola no sítio certo, de modo a evitar danos humanos e materiais, e o projéctil disparado por ele através da sua pistola atingiu mortalmente o inditoso.
Quer nos parecer tratar-se de um comportamento negligente.
Destarte, propomos a convolação do crime de homicídio voluntário simples pp pelo artigo 349.º para o crime de homicídio involuntário p.p pelo artigo 368.º, ambos do CP.
Ademais, seguindo o mesmo raciocínio do Ministério Público, o Tribunal Supremo na fundamentação da sua decisão considerou assim, resulta claro que o réu terá agido com inconsideração ao efectuar disparos num aglomerado de pessoas com arma de fogo ou, no mínimo, terá agido com falta de destreza, facto que terá conduzido a que um dos projécteis tivesse atingido a vítima. (fls.153)
Com efeito, dispõe o artigo 368.º do CP que o homicídio involuntário que alguém cometer por sua imperícia, inconsideração, negligência, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento, será punido com a prisão de um mês a dois anos e multa correspondente.
Entretanto, mesmo reconhecendo que o réu agiu com inconsideração, e falta de destreza elementos típicos que caracterizam o crime de homicídio involuntário o Tribunal Supremo, fez tábua rasa, e manteve à qualificação do Tribunal a quo mitigando, assim, as legítimas garantias processuais do Recorrente.
O processo penal no compósito das suas regras e princípios deve adequar e nortear-se, vincadamente, pela conciliação e pela concordância normativa, harmonizando-se com os princípios constitucionais. A supremacia e a unidade da constituição assentam numa axiologia constitucional que reclama pela compatibilização vertical das normas infraconstitucionais face á potencialidade alargada das normas supraconstitucionais.
À luz dos valores constitucionais, o direito a um processo justo deve incorporar a mensuração concreta da medida da pena numa dimensão de projecção garantística que promova de facto a realização da justiça material equânime, e a opção de uma decisão justa pelo Julgador, em respeito pelos direitos fundamentais. Assim, no esteio da hermenêutica constitucional este Tribunal considera, ainda sindicável no Acórdão recorrido os princípios da razoabilidade, da adequação e da proporcionalidade da decisão do Tribunal ad quem no que concerne a pena aplicada ao Recorrente.
A recepção plena do princípio da proporcionalidade na ordem jurídica constitucional angolana resulta, em grande medida, da evitabilidade de decisões abusivas, injustas, excessivas e inadequadas prejudiciais às garantias dos indivíduos.
Importa, por isso, trazer a colação o papel orientador e racional que este detém na sua matriz conformadora. Em boa verdade, o princípio da proporcionalidade é caracterizado pela sua elevada ponderação e na formulação de critérios válidos que oferecem soluções jurídicas prudentes no caso de princípios ou bens jurídicos conflituantes.
Na sua acepção dogmática, destacam-se, em diferentes areópagos, correntes doutrinárias que enfatizam o seu reconhecimento entendendo que a violação do princípio da proporcionalidade, em sentido estrito, também, designado princípio da justa medida, em sede do direito penal, deve atender em todos os casos e circunstâncias a devida proporção da sanção e a gravidade do facto, como um apanágio assinalável da justiça material e da dignidade da pessoa humana, sob pena de se subverter a ordem constitucional com o desencadear de danos mais lesivos àqueles que se pretende proteger.
Para Luciano Feldens, é pelas lentes da proporcionalidade em sentido estrito, pois, que o juiz deve aferir se a incidência da norma, a despeito de abstractamente adequada e necessária, não implica, na situação concreta, uma patente desproporção entre o fato praticado, em princípio situado nos domínios do tipo, e a sanção penal prevista no preceito secundário da norma penal. (In Direitos Fundamentais e Direito Penal- A Constituição Penal- 2.ª Edição, Revista e Ampliada, Porto Alegre, 2012, pág. 159).
No mesmo trilho Willis Guerra Filho, advoga que o princípio da proporcionalidade pode ser entendido como um mandamento de optimização do respeito máximo a todo o direito fundamental em situações de conflito com outro (s), na medida do jurídico e faticamente possível, traduzindo um conteúdo que se reparte em três princípios: a adequação, a exigibilidade e a proporcionalidade em sentido restrito. (In Ricardo Maurício Freira Soares, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, Editora Saraiva, 2010, pág. 175).
Por outro lado, Ricardo Freira Soares assevera na obra acima referida que o devido processo legal refere-se à maneira pela qual a lei, o regulamento, o acto administrativo ou a decisão judicial são aplicados, de molde a optimizar a busca de uma opção hermenêutica legítima e efectiva, com base nos resultados da ponderação principiológica e do uso do postulado da razoabilidade/proporcionalidade.
Neste sentido, entende este Tribunal que o direito a um procedimento leal e a uma decisão justa são corolários que tipificam a panóplia garantística dos direitos fundamentais consignados na CRA que aqui se acham prejudicados, em desfavor do Recorrente.
O acesso ao direito e aos tribunais é um dos princípios nucleares do regime geral dos direitos fundamentais tutelados pela CRA. Nesta conformidade, este princípio, assegura a todos os cidadãos a garantia da sua plena efectivação para a salvaguarda dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
No presente caso, evidenciam os autos elementos probatórios demonstrativos de que o Recorrente teve acesso ao processo e aos tribunais, inicialmente, por via de defensor oficioso nomeado pelo Tribunal a quo e, posteriormente, por intermédio do seu mandatário legal constituído somente a 13 de Agosto de 2018, ou seja, cinco dias após ter sido proferida a sentença. Nesta altura, legalmente representado pelo seu causídico, interpôs recurso da decisão do Tribunal a quo, exercendo na plenitude o seu direito de defesa, em sede de recurso no Tribunal Supremo e, a posteriori, no Tribunal Constitucional, com a admissão do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade. Assim, entende-se que neste aspecto não são aceitáveis os argumentos esgrimidos pelo Recorrente.
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional conclui que o Acórdão recorrido violou os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da adequação e o direito a um julgamento justo e conforme. Pelo que, devem os presentes autos ser remetidos ao Tribunal Supremo para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da Lei do Processo Constitucional (LPC).
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).
Tribunal Constitucional, em Luanda, 22 de Fevereiro de 2022.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite Silva Ferreira (Relatora)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima d`A. B. da Silva
Dra. Victória Manuel da Silva Izata